A história da censura carola no cinema e TV parte 3

O PG-13

Até agora, vimos como o cinema e TV caíram nas garras da censura do Código Hays, da mesma maneira que os quadrinhos sofreram com o famigerado Comics Code Authority, que também acabou por influenciar o cinema e a TV. Hoje, como você bem deve saber, a larguíssima maioria dos filmes de super-heróis saem com a classificação PG-13, mas você já se perguntou o que é esse PG-13 e de onde ele veio? Bem, já antecipo que ele veio para controlar as produções de diferentes tipos de filmes, não apenas de super-heróis, mas antes vamos entender como era a classificação do cinema após o fim do Código Hays.

Enquanto o Código Hays não tinha bem uma classificação etária, ao chegar o seu fim, os produtores resolveram facilitar o trabalho da censura dividindo os diferentes tipos de filmes por idade. Com isso, a classificação passou a ser a seguinte:

G – General Audiences (a nossa “censura livre”)

PG – Parental Guidance Suggested (sugere-se acompanhamento parental. Não recomendado para crianças)

R – Restricted (restrito. Menores de 17 anos devem ser acompanhados pelos pais/responsáveis)

X – Adults Only (somente adultos. Isto é, filmes pornográficos)

Essa classificação etária surgiu simplesmente porque, sem o Chicote Hays, as produtoras estavam investindo em filmes com diferentes temáticas, e eles, os filmes, estavam evoluindo. A década de 70 e 80 começaram com filmes bem mais sérios do ponto de vista de roteiros e o que aparecia na tela. Não é uma questão de qualidade de histórias, mas o que poderia ser realmente mostrado. Os filmes de ação e policiais começaram a ficar mais violentos. Nada de policiais bonzinhos, bandidos maus. Começou a haver uma zona nebulosa entre eles, o que acontece na vida real., os filmes começaram a ficar realistas, explorando a violência e criminalidade. Os filmes de ação começaram a cair no gosto popular, mas a classificação etária estava causando um problema: selecionar demais acarreta perder dinheiro. O que ia mudar esta classificação seria um sujeito de chapéu, casaco e uma arma, não pensando duas vezes em atirar: Indiana Jones.

Em 1981, o filme Caçadores da Arca Perdida veio com um novo tipo de filme de ação e aventura. A fotografia era excelente, a trilha sonora de John Williams embalava as aventuras do arqueólogo Henry Jones Jr. (ainda não se sabia o nome todo dele), e mesmo assim a violência não era gráfica. No início, o guia de Indiana Jones cai na armadilha e recebe um monte de flechada, mas você efetivamente não vê ele sendo acertado.

O filme não apresentava cenas de violência explícita nem com nazistas, que não são as pessoas que normalmente alguém tenha muito apreço. A cena mais “violenta” foi o nazista derretendo com o poder da Arca da Aliança.

Está tão cartunesco que nem sei se pode considerar violento. Ou pode, já que era para ser PG, apenas. De qualquer forma, ninguém implicou, isto é, a classificação PG estava ótima e atendendo. Crianças queriam ser Indiana Jones, queriam ter um fedora e um chicote, e a cena do mocinho beijando a mocinha não passa muito disso, ainda mais que Indy cai no sono.

O problema mesmo veio em 1984, com Indiana Jones e o Templo da Perdição. Ali, o caldo começou a entornar. A violência era mais explícita; o vilão literalmente enfiava a mão no peito das pessoas e arrancava fora o coração delas, enquanto em meio a cânticos, a oferenda à deusa Kali era torrada em lava e o coração arrancado pegava fogo e explodia.

É, meio que exageraram num filme que deveria ser para crianças. Pior que eu gostei quando vi na época.

George Lucas e Steven Spielberg estavam passando por situações complicadas em suas vidas e, ao que parece, isso acabou sendo refletido no roteiro do filme. Por sinal, é o único filme de Indiana Jones que ele realmente resolve a situação. Em todos os outros, mesmo que ele não tivesse feito nada, não daria ruim. René Belloq e os nazistas morrem quando a Arca é aberta (Caçadores da Arca Perdida), Walter Donovan morre ao escolher o Cálice errado e Elsa Schneider cai no precipício aberto dentro do templo no interior de Petra (Indiana Jones e a Última Cruzada), e Irina Spalko absorve tanto conhecimento dos ET que acaba explodindo (Indiana Jones e o Reino da Caveira de Cristal).

Templo da Perdição não seguiu estes exemplos. É violento, visceral, ainda que mostre um pouco da cultura do interior da Índia (tem exageros e suavizações, lógico), mas as cenas violentas acabaram causando polêmica. As pessoas começaram a reclamar, já que aquilo não era um filme para todas as audiências, principalmente para crianças. Disseram que o filme deveria ter uma classificação R, mas Spielberg foi contra, e um dos motivos seria restringir a audiência, o que afetaria o lucro. A saída seria uma nova classificação entre PG e R.

Em uma entrevista com a Vanity Fair, Spielberg disse:

Lembro-me de ligar para Jack Valenti [o então presidente da Motion Picture Association] e sugerir a ele que precisávamos de uma classificação entre R e PG, porque muitos filmes estavam caindo em um submundo, você sabe, de injustiça. Foram expostos a Tubarão [o filme de 1975], mas também injusto que certos filmes fossem restritos; que crianças de 13, 14, 15 anos deveriam ter permissão para ver. Eu sugeri: “Vamos chamá-lo de PG-13 ou PG-14, dependendo de como você quer deslizar a régua de cálculo”, e Jack voltou para mim e disse: “Determinemos que PG-13 seria a idade certa para esse tipo de filme”. Então, sempre tive muito orgulho de ter algo a ver com essa classificação.

Em 10 de agosto de 1984, apenas três meses depois que os pais ficaram indignados com o lançamento de “Indiana Jones e o Templo da Perdição”, com classificação PG, “Amanhecer Violento” entraria para a história do cinema como o primeiro filme a receber a nova classificação PG-13. Algum tempo depois, a classificação X passou a ser chamada NC-17, mas é apenas uma troca de siglas, o significado é o mesmo: ninguém com idade de 17 anos ou menos poderia assistir nos cinemas.

Spielberg e Lucas aprenderam a lição e em 1989 voltaram com o arqueólogo aventureiro. Tiveram extremo cuidado com o roteiro, examinaram tudo, o que deveria ter, o que não deveria ter. Saiu Indiana Jones e a Última Cruzada, já com a nova classificação PG-13 e Livre, no Brasil.

Hoje, quase todos os filmes de super-heróis e de ação são PG-13, que em primeira observação pode ser uma evolução, mas ao vermos as regras dele, veremos que o Código Hays ainda está lá, escondidinho. Suas regras são bem esquisitas após um escrutínio, e quando prestamos atenção, algumas coisas começam a fazer sentido, principalmente nos diálogos dos filmes.

Sexo implícito e uso de drogas – Pode conter referências sexuais, mas não cenas explícitas. Pode ter insinuações de uso de drogas, mas não o uso propriamente dito. Você não vê os personagens injetando heroína na veia. Pelo menos, não diretamente. Bebidas alcoólicas, muito moderadamente, mas normalmente evita-se.

Linguagem – Linguagem explícitas e imprecações até pode, mas apenas 4 no total. Se for a palavra “Fuck”, pode, mas só uma vez e não com referência a sexo. Exemplo, em Soldado Invernal, Stan Lee vê que levaram o uniforme antigo do Capitão América e diz “I’m so fucked”. Nesse contesto, pode, mas é a única vez que pôde ser dito isso. Em Era de Ultron, Tony Stark fala e o Capitão América diz “language”, sendo que efetivamente Stark não soltou palavrão nenhum. A partir daí Stark fica zoando o Cap falando toda hora “language”, sendo que o Cap só diz uma única vez “Shit!”. Um soldado vindo direto da Segunda Guerra Mundial até que quase não pragueja e nem fuma (a propósito, fumo não pode mais, salvo se for inerente ao roteiro. Melhor evitar). Depois de saber as regras do PG-13 que se tem o vislumbre: eles estavam debochando das regras.

Essa regra é totalmente idiota pelo que se propõe, já que, em Discurso do Rei, um filme que não tem violência, não tem briga, nem luta, nem tiro nem nada demais era um perfeito candidato ao PG-13, mas sua classificação acabou sendo R por causa da cena que o rei começa a exercitar sua dicção praguejando:

Sim, a cena tem um contexto e não é sexual, mas violou a regra de só um “fuck”.

Nudez – Pode, mas sem apelar para relações sexuais. Em outras palavras, se Marvel quiser, pode colocar a Viúva Negra no chuveiro, tomando aquele banho gostoso, com a bunda à mostra. Obviamente, Disney JAMAIS permitirá isso, mas pelas regras do PG-13, pode muito bem fazer isso. Não se preocupem, meninas, o mesmo vale pro Capitão América ou o Super-Homem. Não sei por que alguém iria querer ver a bunda deles, mas podem mostrar, se quiserem. Ainda bem que Marvel e DC não vão querer (espero).

Violência – Pode ter violência, mas ela não pode ser gráfica. Todo mundo dando tiro em todo mundo, mas praticamente você não vê ninguém sangrando, mesmo quando entra na porrada. Em Dark Knight, o Coringa faz o truque do desaparecimento do lápis.

Você sabe o que aconteceu com o lápis, mas não é mostrado. O truque do sangue-que-não-parece-sangue é usado em outras ocasiões, como na luta no armazém, em Batman vs Superman, e a cena que a Mulher Maravilha enfrenta os terroristas em Liga da Justiça. A violência, como disse, não é gráfica, é subentendida. A surra que os bandidos levam é basicamente serem jogados pra longe ou, como no caso do Batman, o enquadramento de câmera não mostra explicitamente o que está acontecendo. O modo como o diretor dirige a cena e os enquadramentos são artifícios que já eram feitos nos tempos do Código Hays, que foi de onde o PG-13 foi tirado.

Uso de drogas (lícitas ou ilícitas), humor grosseiro/sugestivos, temas maduros, momentos de terror devem ser de uso moderado, e nunca com aspecto positivo. Tony Stark pode até tomar uma bebida, ok, mas em Ironman 2 é mostrado ele perdendo a linha e indo pro alcoolismo, numa menção ao arco Demônio da Garrafa. Já Sam Raimi usou de criatividade para fazer Multiverso da Loucura um filme de terror, e já que não podia apelar para sua especialidade (violência e terror espalhafatoso e exacerbado), fez do Multiverso da Loucura um filme de terror psicológico, como na cena que Wanda persegue o dr. Estranho, America Chavez e Christine Palmer.

O rosto de Wanda está ensanguentado. Mas será sangue? Ou era óleo lubrificante dos robôs? Mas vai que era sangue? Mas não parecia sangue. O que era aquilo? Não sei, só posso imaginar, e foi isso o que Raimi quis.

As lutas dos filmes da Marvel são muito pulo, pouco acerto. Estão pisando em ovos por causa das limitações do PG-13 e nem todo diretor é genial. O Snyder, mesmo sendo um cuzão, sabe dirigir cenas de luta. Você sente o impacto da porrada. A luta no Aeroporto em Guerra Civil é patética. Sem o PG-13 aquele filme seria melhor? Talvez, mas como disse antes, Disney não se arrisca. Ela vai na receita de como fazer dinheiro, e funciona.

Funciona, mas tem hora que cansa!

O PG-13 limita muito as histórias, enquanto outras ficaria praticamente impossível conduzir. Por isso Deadpool tem classificação R. Se você viu os dois filmes dele, sabe o motivo. Quiseram fazer um Deadpool PG-13, mas acabaria com o personagem que é grosseiro, falastrão, extremamente violento e com várias piadas de cunho sexual e faltando muito pouco para ter sexo explícito, mas aí cairia no NC-17. Mas Marvel está aprendendo aos poucos a filmar cenas de luta, como foi o caso de Eternos e Shang Chi. Com novos diretores, começa-se a ousar, experimentar novas fórmulas. Sam Raimi provou que fica muito confortável com um filme de terror PG-13, mesmo porque, ele está muito bem acostumado com filmes de super-heróis, já que filmou a primeira trilogia do Homem-Aranha, com o Tobey Maguire.

No Brasil, temos as classificações Livre, 10, 12, 13, 14, 16, 17 e 18 anos. Tecnicamente, se não for filme pornô, você pode ir levar seu filho tranquilamente para ver qualquer filme no cinema, já que (em tese) não existe mais censura. Eu vi isso acontecer ao assistir Deadpool no cinema, e um tio levar um menininho de uns 10 anos para assistir na mesma sala que eu estava. Na primeira menção da cinta-caralha, o tio levantou correndo e saiu levando a criança. A classificação é indicativa, mas não obrigatória, exceto em filmes de sexo explícito; ainda assim, convém ter um pouquinho de bom senso.

Claro, não haverá mudança nenhuma. Pelo menos, nos atuais modos de filmar com o comodismo de muitos diretores, mas conseguimos ver que, com um pouco de talento, pode-se muito bem driblar as limitações do PG-13 e contar boas histórias, com boas cenas e momentos memoráveis. É tudo uma questão de quem não seja um conformado e “é assim porque é assim”. Hitchcock e muitos outros conseguiram.

As histórias estão aí, só precisamos pegar uma folha de papel e deitar letras de um roteiro, embora que a criatividade em termos de roteiro esteja em baixa e não teremos algo como o História Sem Fim. Mas precisamos que as histórias que sequer imaginamos que estejam escondidas em algum canto da mente de um escritor obscuro ganhe holofotes, e diretores que sejam ousados e desenvolvam seu talento.

O que vem por aí? Só o futuro dirá.

7 comentários em “A história da censura carola no cinema e TV parte 3

  1. Lembrei daquele otário que foi levar o filho no cinema pra ver Ted e depois ameaçou processar e os caraio. Porque se tem urso de pelúcia claro que é pra criança…. Hahahahhaha

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  2. Lembro de quando era especulado que o Deadpool ia ser PG-13 eu fiquei triste, mas ainda bem que não aconteceu! Para mim um dos melhores filmes do universo Marvel recente, tirando como base que eu cochilei no Vingadores ultimato hehehe. No texto, no parágrafo que começa com “Linguagem”, está escrito “contesto”.

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