Crianças proibidas de ver o eclipse. Mas religião é coisa boa

Eu adoro eclipses. São mágicos, incríveis e fantásticos. As Leis de Newton em ação, dando um espetáculo. Para minha infelicidade, nunca vi um eclipse total do Sol. Já vi o da Lua, mas não é a mesma coisa. Mas eu tive quase isso quando era criança. Não ficou tudo escuro, mas vi através de um vidro escurecido com fuligem de uma vela o Sol ser "abocanhado", para depois voltar com toda a sua glória. Eu prefiro pensar que naquele momento eu quis ser cientista, para entender o porque daquilo estar acontecendo. Mas é uma competição desleal se comparar um eclipse com histórias de burros falantes, chuvaradas mágicas e zumbis palestinos. Os eclipses, pelo menos, existem.

Infelizmente, algumas crianças inglesas (pois é. Nem o Brasil é tão tosco a este ponto… espero!) não puderam ver o eclipse. Foi decidido que eclipse é feio, ruim, bobo e chato. Mas as desculpas oficias foram outras, inclusive que eclipses vão de encontro a motivos culturais e religiosos.

Me eclipsando de vergonha, esta é a sua SEXTA INSANA!

As pobres crianças da North Primary School em Southall, no lado ocidental de Londres, ficaram muito animadas em saber que veriam o eclipse. Foi-lhes passada a tarefa de construir uma câmera pinhole, porque ninguém é retardado de sugerir que se olhe diretamente pro Sol, nosso amigo Sol que lhe dará um belo câncer se você der mole.

<BREAK> Se você gosta de indignação e não quer aprender muito sobre Ciência, pule os 9 parágrafos a seguir, pois não perco tempo em fazer divulgação científica</BREAK>

Então, como se observa o Sol? Bem, voltemos a ele: Galileu Galilei.

Em seu trabalho sobre as manchas solares, datada de 1613, Galileu refere-se ao método inventado por Benedetto Castelli (1578-1643) para a observação do Sol, sem ter que olhar pro astro-rei diretamente. O próprio Galileu tentou esta burrice e foi esperto o suficiente para não fazê-lo de novo.

Castelli usou o telescópio (que nunca fora criado por Galileu) para projetar a imagem do Sol num anteparo e desenhar por cima. Galileu colocava todo seu aparato num quarto escuro, com apenas a extremidade do telescópio apontada pro Sol. Assim, era mais fácil ver os detalhes e fazer desenhos precisos. Foi assim que ele descobriu as manchas solares. A esse conjunto, chamamos "Helioscópio". Este a seguir é o helioscópio de Schneider.

Se você quiser, você pode construir um helioscópio só seu. AQUI, ensina como. Agora, você não precisa de construir um trecão desses (apesar de ser muito maneiro). Você pode usar uma câmera pinhole. Esse tipo de câmera é bem simples. A ilustração abaixo é creditada a Gemma Frisius, médico, astrônomo, matemático, cartógrafo e fabricante de instrumentos matemáticos. Aproximadamente, 1544.

Você pode construir uma câmera pinhole (essa não vai "fotografar") pegando uma caixa de média pra grande. Corte um pequeno retângulo no meio de uma das laterais, colar uma folha de papel alumínio por cima e fazer um furinho bem no centro com uma agulha. Do lado de dentro, na extremidade oposta, cole uma folha de papel branca. Deve ficar mais ou menos assim:

As manchas projetadas pelo telescópio na folha são invertidos e de cabeça para baixo em relação à visão direta, mas isso não é nenhum empecilho.

As crianças da North Primary School foram instruídas a construírem uma câmera pinhole. E elas fizeram! Então, como só pedagogos sabem fazer, vem a frustração. Elas foram impedidas de ver o eclipse. O motivo alegado pelo retardado Ivor Johnstone, o diretor cujo nariz adoraria conhecer a minha mão fechada, foi que "a escola tomou essa decisão quando nos demos conta de preocupações religiosas e culturais associados ao observar um eclipse diretamente".

Tipo… religiosas e culturais. Não é o caso que o próprio Vaticano não tivesse um dos mais antigos e mais respeitados observatórios do mundo. O Observatório do Vaticano (duh!). Que religião ele está falando? Islâmica? FILHO! Eles inventaram a moderna pesquisa astronômica! E… culturais. Que diabos este energúmeno quis dizer?

"Embora nós pedimos desculpas por qualquer decepção, os alunos ainda foram capazes de ver o eclipse em telas em salas de aula. No entanto, as condições nubladas em West London significava hoje eles não teria sido capaz de vê-lo ao vivo em qualquer caso."

TEU RABO!

Pais ficaram ultrajados. As crianças ficaram decepcionadas e você, meu caro idiota que ainda vive na Idade Média, é um atraso educacional. Eu ate poderia aceitar a desculpa (furada) da Oldway Primary School, que alegou que as criança ficariam olhando diretamente pro Sol, mas os professores de lá andam meio por fora das inovações tecnológicas do século XVI. Agora, alegar "preocupações religiosas e culturais" é uma senhora canalhice, ainda mais quando perguntado, o diretoreco não quis responder que diabos isso significa.

Um dos pais se mostrou bem irritado com a situação.

"Estou extremamente aborrecido com isso. Minha filha passou uma hora preparando a sua câmera pinhole. Esta é uma questão sobre assuntos científicos contra a superstição religiosa. Estou indignado! Darwin será o próximo? Seremos como os Estados Unidos?"

O cara disse que "meh, as crianças viram no telão". GRANDES MERDAS! Não querem realmente que seja a mesma coisa, né? É como você esperar ir numa das melhores churrascarias, aí te mostram a foto de um boi e dizem que você tem que se contentar, pois é a mesma coisa. NÃO É. Isso é ensinar? Não, claro que não. Aquele colégio, como muitos, não está pra ensinar e sim para tirar dinheiro dos pais. Aí, as crianças acabam frustradas e a culpa será do professor, dos pais e dos astrônomos, que inventaram esse negócio de eclipse.

Serei sincero: isso é o tipo de coisa que, apesar de revoltar da mesma maneira, eu veria como comum aqui no Brasil, o país da pseudociência, da distribuição de Bíblias a desabrigados e rezas forçadas em colégios. Eu sei que existe mais pessoas toscas no mundo, mas já é desconcertante que seja um colégio, mesmo sabendo que até na Inglaterra tem pedagogos. Assim, eu espero MUITO, que os pais vejam a maravilha educacional que é este colégio e removam seus filhos de lá o mais rápido possível, ou daqui a pouco todo mundo estará fazendo rituais com um caldeirão e óleo fervente. Salvo se o diretor estiver dentro deste caldeirão, é claro.


Fonte: Evening Standard

10 comentários em “Crianças proibidas de ver o eclipse. Mas religião é coisa boa

  1. Bem estranho, vai ver é a religião dele que não permite e ele, bom crente que é, quis salvar os infantes do pecado, né ? Lendo esse post, me lembrei que quando estava na terceira série do primário(oh, tempo bom..), presenciei, juntamente com quase toda a escola, um eclipse solar, que não me lembro se foi total. Nós usamos o bom e velho negativo para olhar o sol sendo eclipsado pelo eclipse. Dizem que nossas lembranças quanto mais antigas, menos confiáveis nos detalhes, mas me lembro que ficou assustadoramente escuro. Uma boa lembrança.

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  2. já tinha ouvido muitas superstições ligadas a lua, como cortar cabelo na lua nova ou de nunca apontar pra lua, etc etc, mas essa do sol é a primeira vez

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  3. Ele tava com medo de que as crianças ao contemplar um fenômeno com seus próprios olhos , vissem que acreditar em historias que elas não poderiam testar, virassem um bando de neo ateus satanistas ultra extremistas camicazes, infelizmente pra ele essas crianças vão crescer e se lembrarem dessa historia serão algumas ovelhinhas à menos no seu rebanho.

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  4. Isso me fez lembrar de um eclipse que teve quando eu estava no colegial e a escola resolveu trancar nós, os alunos, no auditório para não o vermos. Funcionou apenas com alguns alunos. Minha turma conseguiu escapar dos bedéis e com aparatos simples feitos de espelhos, pudemos refletir o eclipse numa parede e observá-lo. O medo da direção da escola era que os alunos olhassem direto para o sol e ficassem cegos. Nem preciso dizer o quão medieval isso soa. A pior parte: teve apoio do médico da escola deter os alunos no auditório. Isso ocorreu em SP, nos anos 90. E é triste ver que ainda ocorre em outros lugares. :(

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    1. Pryderi, como eu disse, eu não estava lá, eu não vi. E é certo que o fato de você me passar uma informação não será tomado por mim como prova irrefutável.
      Em tempo: meu comentário anterior, ao qual você respondeu, está carregado de ironia, a tônica dos comentários na internet.

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