
Sabe aquela teoria conspiratória de que as pirâmides foram construídas por alienígenas porque seria impossível erguer aquelas estruturas monumentais com a tecnologia da época? Pois bem, a ciência acaba de oferecer uma explicação muito mais… terrena. E quimicamente alterada. Acontece que o pessoal do Nilo pode ter tido um segredinho para tornar o trabalho braçal mais suportável: ópio. Muito ópio. Tipo, ópio no café da manhã, ópio no almoço, ópio antes de dormir, ópio junto com ópio. Se você acha que o vício em cafeína do escritório moderno é problemático, prepare-se para conhecer uma civilização inteira que pode ter operado sob o efeito permanente de opiáceos.
Um estudo recente acaba de jogar uma bomba historiográfica: o uso de ópio no Antigo Egito não era ocasional, esporádico ou medicinal. Era corriqueiro, cultural. Parte de um café da manhã completo de 3.000 anos atrás.
O dr. Andrew Koh tem formação em Biofísica, mestrado em Estudos Bíblicos e doutorado em Arqueologia. Como ele não está no Brasil, consegue trabalhar como pesquisador; no caso do Yale Peabody Museum. Segundo Koh, as descobertas, combinadas com pesquisas anteriores, indicam que o uso de ópio era, em algum grau, parte da vida cotidiana. Traduzindo do academês: o pessoal estava doidão pra caramba!
Koh conduz um projeto transdisciplinar que mistura Arqueologia, Química (com ela a oração e a paz), Botânica e análise de textos antigos para identificar substâncias orgânicas invisíveis em artefatos milenares. Em 2003, fundou o ARCHEM Project para tornar estudos de resíduos orgânicos mais acessíveis e aplicáveis ao trabalho arqueológico de campo. Basicamente, enquanto a maioria dos arqueólogos limpa os artefatos assim que os encontra, Koh faz justamente o oposto: ele estuda a sujeira. E é nessa sujeira que ele encontra as melhores histórias.
A descoberta veio de um lugar improvável: um vaso de alabastro com cerca de 2.500 anos de idade. Não um vaso qualquer, daqueles que sua tia coloca flor de prástico. Estamos falando de uma peça de calcita com inscrições em quatro línguas diferentes – egípcio, acadiano, elamita e persa – dedicada a Xerxes I, aquele rei persa que comandava meio mundo conhecido entre 486 e 465 A.E.C. O tipo de vaso que aparece em museu com plaquinha “não encoste” e alarme supersônico. Menos de dez exemplares intactos como esse foram encontrados no mundo todo, incluindo alguns no túmulo de Tutancâmon. Sim, Rei Tut tinha uma coleção desses vasinhos. Spoiler: não era água benta dentro.
Koh estava estudando o vaso quando notou um resíduo escuro, pegajoso e aromático no interior. Aquele tipo de sujeira antiga que a maioria dos arqueólogos ignoraria, mas que para um químico curioso é um convite irresistível. A análise química revelou a festa: noscapina, tebaína, papaverina, hidrocotarnina e morfina. Basicamente, a lista de convidados VIP de qualquer plantação de papoula e presença garantida em alguma Rave da Antiguidade. Aquele festival de substâncias formava um grupo de marcadores bioquímicos inequívocos de ópio. O vaso não guardava perfume francês importado ou óleo essencial de lavanda. Guardava droga pesada.

E aqui é onde a história fica interessante de verdade: não eram só os reis e a elite que andavam chapados. Arqueólogos já haviam encontrado resíduos de ópio em jarros pertencentes a uma família de classe mercantil do período do Novo Reino (séculos XVI a XI A.E.C.). Ou seja, do rei ao comerciante, todo mundo tinha seu vasinho com a substância mágica. Era democrático, era transversal! Era o equivalente antigo de todo mundo ter uma cafeteira em casa, só que com consequências neurológicas um pouquinho mais intensas.
Koh vai além e sugere algo fascinante: esses vasos de alabastro podem ter sido marcadores culturais instantaneamente reconhecíveis para o uso de ópio, da mesma forma que hoje vemos um narguilé e automaticamente associamos ao consumo de tabaco (entre outras coisitas, mas a polícia faz alguma vista grossa nesses casos). Imagine entrar na casa de alguém há 3.000 anos e dar de cara com uma prateleira cheia desses vasinhos. A mensagem era clara: “Aqui a gente curte.” Era o poster de Bob Marley da Antiguidade.
A coisa ganha ainda mais substância quando Koh cita um trabalho quase centenário do químico Alfred Lucas, que em 1922 fez parte da equipe de Howard Carter que descobriu o túmulo de Tutancâmon no Vale dos Reis. Lucas, em 1933, analisou brevemente vasos de alabastro similares e descreveu aquele mesmo resíduo pegajoso, escuro e aromático. Ele não conseguiu identificar a substância na época – a química forense ainda engatinhava –, mas concluiu que definitivamente não eram perfumes. Lucas morreu sem saber que estava segurando evidências de que o rei mais famoso do mundo pode ter sido enterrado com seu estoque pessoal de opiáceos.
“Achamos possível, se não provável, que os jarros de alabastro encontrados no túmulo de King Tut continham ópio como parte de uma tradição antiga de uso de opiáceos que só agora estamos começando a entender”, afirma Koh. Só agora. Tipo, passaram-se 5.000 anos de história egípcia, 100 anos desde a descoberta do túmulo mais famoso do planeta, e só agora a ficha está caindo: os caras estavam todos na brisa!
Bem, isso muda tudo. Não no sentido de que os egípcios não eram geniais… eram, e muito! Mas coloca uma camada extra de contexto sobre como uma civilização conseguiu realizar trabalhos tão monumentais, tão precisos, tão absurdamente avançados para a época. Talvez a questão não seja “como eles fizeram”, mas sim “como eles aguentaram fazer”. Arrastar blocos de pedra de várias toneladas sob o sol escaldante do deserto? Muito mais palatável com uma boa dose de morfina no sangue. Esculpir hieróglifos microscópicos durante horas a fio? Bem mais tolerável quando você está levemente anestesiado. Embalsamar cadáveres com precisão cirúrgica? Provavelmente ajuda não estar 100% careta durante o processo.
Não estou dizendo que o ópio era a tecnologia secreta por trás das pirâmides; obviamente havia Engenharia, Matemática, organização social complexa e milhares de trabalhadores especializados. Mas talvez, só talvez, o ópio era o lubrificante social que mantinha tudo funcionando. O combustível que tornava o insuportável suportável. O alívio químico que transformava escravos em arquitetos pacientes e agricultores em escultores meticulosos.
Koh planeja agora analisar outros vasos históricos, incluindo aqueles que estão no Grand Egyptian Museum em Gizé. A expectativa é encontrar mais evidências desse padrão de consumo generalizado. E se confirmar? Bem, vamos ter que reescrever alguns capítulos dos livros de História. Não para diminuir as conquistas egípcias, mas para humanizá-las. Para entender que aquela civilização majestosa, com seus templos imortais e sua sabedoria milenar, também era composta por gente que precisava de uma ajudinha química para atravessar o dia.
No fim das contas, talvez os egípcios não sejam tão diferentes de nós assim. Eles tinham seus vasinhos de alabastro cheios de ópio; nós temos nossas xícaras de café expresso e nossas cartelas de ansiolítico. Eles construíram pirâmides enquanto estavam chapados; nós construímos apresentações de PowerPoint enquanto estamos cafeinados até o pescoço. A diferença é que as pirâmides deles ainda estão de pé depois de 4.500 anos. Nossas planilhas de Excel mal sobrevivem até a próxima atualização do Windows.
A pesquisa foi publicada no periódico Journal of Eastern Mediterranean Archaeology via Ronaldo

Um comentário em “Chapados no deserto: como os egípcios construíram pirâmides sob efeito de ópio”