O presidente que trolou o traficante pé de chinelo

Algumas histórias são tão absurdas que com certeza só podem ser verdade, já que nem com todo LSD do mundo se pensaria num roteiro como a história que eu irei contar hoje. Ela fala de um presidente, assessores de marketing, um plano de governo, um pessoal envolto com um passado não muito legal e um bucha de canhão. Essa é a história de um saco de crack, um presidente e um traficante burro feito uma porta que caiu numa armadilha das mais toscas.

Nossa história começa em 5 de setembro de 1989, quando o presidente George Bush Pai (o que tinha um H antes do W) sentado majestosamente no Salão Oval para seu primeiro discurso presidencial à nação. Um momento histórico! E sobre o que nosso intrépido líder decide falar neste momento solene? Sobre a Economia? Relações Internacionais? Claro que não! Ele quer falar sobre… drogas. Mais especificamente, sobre um saquinho de crack que ele exibe como se fosse um troféu de caça.

George Bush começa o seu discurso falando sobre o uso crescente de drogas (as ilícitas) por parte dos americanos. O ponto alto do vídeo é quando ele solta um “Isto é crack…”, mostrando dramaticamente um saco plástico como se tivesse descoberto uma nova forma de vida. Então, Bush, Sênior, continua: “(…) apreendido há alguns dias por agentes da DEA em um parque logo do outro lado da rua da Casa Branca”.

MAS HEIN? Como assim? No parque EM FRENTE à Casa Branca? Aquele lugar repleto de agentes do Serviço Secreto, policiais e turistas tirando selfies, podendo estar até o Pablo Escobar? Sim, é verdade este bilete, né? Pensem na coincidência astronômica! Exatamente quando o presidente precisa de um adereço dramático para seu discurso, aparece um traficante vendendo crack praticamente na porta da casa com maior segurança do planeta, tendo até uma bateria de mísseis no teto. Mas quem diria?

Acontece que essa história tem mais camadas que uma cebola apodrecendo. Os redatores do discurso de Bush queriam algo impactante. Nenhum deles jamais tinha visto crack na vida (dizem. Depois desse discurso, não tenho tanta certeza), mas tinham ouvido que parecia doce, e foi exatamente isso que colocaram no discurso, pois, era perfeito demais para deixarem passar batido.

O discurso estava lindo, perfeito e cheiroso, mas alguém deve ter olhado para aquilo e dito em voz alta, meio que falando pra si: “sabe o que seria legal? Se o Presidente mostrasse um saco de crack. Seria maneiro!”. Inadvertidamente, outros idiotas estavam presentes e gritaram “BOA IDEIA!!!”

Mas daí vem um problema: o crack, a pedra que passarinho não fuma. Eles precisavam de algum crack, mas de preferência algum que fosse apreendido perto da Casa Branca para aquele toque extra de drama. Ligaram para a DEA (a agência de combate às drogas) e perguntaram se havia alguma operação antidrogas programada para os arredores da Casa Branca. A resposta? “Não, quase não há tráfico por lá por causa da presença policial”. Detalhe insignificante! A equipe de Bush mandou a seguinte ideia: “E se vocês direcionassem alguma operação para lá?”

O DEA sabe de que lado o Sol se levante, e causar problemas para a assessoria direta do Presidente não ia fazer o dia de ninguém feliz, pelo contrário! Então, sim, irmãozinho, claro que a gente arruma uma operação por aqueles cantos.

Desligado o telefone, ficou aquele climão pesado: “onde encontrar alguém estúpido o suficiente para vender drogas ali?”. Percorreram os arquivos e encontraram Keith Jackson, um inútil de 18 anos, estudante do Ensino Médio, sem antecedentes criminais, mas com o pezinho no crime vendendo pó para outros inúteis que nem ele. O sujeito não era nem peixe pequeno, era um plâncton na escala dos traficantes de drogas, mas que faria qualquer país um lugar melhor para se viver se não estivesse nas ruas. Então, acionaram os agentes.

Claro, você pensa que um bando de desconhecidos ou não tão desconhecido assim, (mas quando você e um criminoso está sempre de pé atrás… ou deveria) vêm com uma proposta absurda do tipo “que tal vender drogas perto do lugar mais protegido do planeta”, obviamente o sujeito com meio neurônio vai dizer “é ruim, hein?”, só que Jackson era idiota com um milésimo de neurônio e achou que seria o máximo; mas o mais divertido é que quando os agentes disfarçados sugeriram a Jackson que o negócio fosse feito perto da Casa Branca, sua resposta entrou para a história da eloquência americana: “Onde diabos fica a Casa Branca?”

Não, ele não era a faca mais afiada da gaveta!

O imbecil foi até Lafayette Park e vendeu as quase 85 gramas de crack por US$2.400 dólares para um agente do DEA disfarçado. Obviamente, ele foi em cana e, dias depois, lá estava Bush Pai na TV exibindo orgulhosamente o pacotinho de crack como um gato que acabou de caçar um rato particularmente gordo.

A cereja desse bolo de estupidez? Em 1990, Jackson foi condenado por três acusações de venda de cocaína. Apesar de ser seu primeiro delito, recebeu dez anos de prisão. DEZ ANOS!

Calma que melhora (ou piora, dependendo do ponto de vista)!

O juiz do caso era Stanley Sporkin que – U-AU! – havia sido Conselheiro Geral da CIA de 1981 a 1986. Sim, exatamente durante aquela época em que a CIA estava ocupadíssima na Nicarágua, apoiando rebeldes anticomunistas que, coincidentemente, financiavam suas operações traficando… adivinhe? Cocaína! Para os Estados Unidos! Em outras palavras, o meritíssimo senhor Your Honor juiz que trabalhou para uma agência que fechou os olhos (na melhor das hipóteses) ou ativamente facilitou (na pior) o tráfico de cocaína para os EUA, agora sentenciando um adolescente por vender crack. A ironia é tão grossa que dá para cortar com faca.

Sporkin até pareceu sentir um pouco de remorso, dizendo: “[Bush] usou você, no sentido de fazer um grande discurso sobre drogas. Mas ele é um homem decente, um homem de grande compaixão. Talvez ele possa encontrar uma maneira de reduzir pelo menos parte dessa sentença”.

O problema é que, mesmo que quisesse – e aqui eu já estou com um certo… ceticismo (ho ho ho, eu sou um pândego) –, Sporkin não poderia fazer muita coisa, já que estava de mãos atadas por causa das leis de sentença mínima obrigatória aprovadas pelo Congresso em 1988 como parte da “Guerra às Drogas”. Uma vez que Jackson foi acusado de vender crack a menos de 300 metros de uma escola, a sentença mínima era de 10 anos. Apenas Bush poderia comutar a pena.

E como reagiu George Bush Pai, esse “homem decente de grande compaixão”, ao saber que um estudante do ensino médio passaria dez anos na prisão por sua primeira ofensa – uma ofensa basicamente fabricada para benefício político do próprio Bush?

“O homem foi lá e vendeu drogas na frente da Casa Branca, não foi? Não posso sentir pena desse sujeito”.

Sim, ele mandou um “se fode aí, mermão”.

Voltando um pouquinho, que fim levou os empresários (cof cof cof) que venderam drogas pra financiar as operações dos Contras da Nicarágua? Dois desses… empresários, A. J. Maillis e Guillermo Tabraue, foram libertados e receberam um acordo de delação premiada para uma acusação significativamente menor. O poder executivo do Governo Federal aplica sua tolerância zero ao tráfico de drogas apenas quando as pessoas envolvidas não têm influência política. Se é amiguinho do governo, é outra história.

Bem, Keith Jackson não era amiguinho do governo e só saiu do xilindró em 1998. Imaginem a história que ele pode contar nos churrascos de família: “Quando eu tinha 18 anos, o Presidente dos Estados Unidos querendo combater as drogas usou minhas drogas como adereço na TV nacional, e eu fui jogado na cadeia”.

Bush Pai foi se encontrar com os Founding Fathers em 2018 (se lá em cima ou lá embaixo, fica o debate) e foi celebrado como um estadista compassivo. Keith Jackson perdeu dez anos de sua vida para que Bush pudesse ter um adereço dramático em um discurso televisivo, o tráfico de drogas continua muito bem, obrigado, com um monte de americano bilionário lucrando com isso (se lutando pró ou a favor do combate às drogas, pé secundário, pois tem pra todos os lados).

Fika Dika 1: nunca confie em políticos.

Fika Dika 2: Nunca confie nos marketeiros.

Fika Dika 3: A vida já é complicada demais sendo um cidadão honesto. Evite cometer crimes.


Fontes:

2 comentários em “O presidente que trolou o traficante pé de chinelo

  1. Mas que puta que pariu, hein? Com Bush Pai eu nem me espanto, políticos quando não estão dando doces pra crianças tá roubando o doce delas, mas esse moleque burro nesse naipe, pqp viu?

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