Afinal, pode-se estocar vento?

Resposta TL;DR: Não, seu energúmeno!

Um monte de gente veio no e-mail encher o saco com esse negócio de “armazenar o vento” por causa do vídeo da Dilma, porque 1) São burras demais para não saberem algo que colégios ensinam; 2) Má vontade de prestar atenção, criando besteiras.

Não que eu seja eleitor de Dilma ou favorecido do Aécio. No máximo sou fã do Eduardo Jorge, nosso Gandalf. Afinal, essa baboseira de estocar e armazenar vento procede? De onde a Dilma tirou isso?

Aqui vai um Livro dos Porquês escrito com má vontade.

Tudo começa com este vídeo de um discurso na ONU (eu não queria ser o cara que teve que traduzir isso. Ninguém acreditaria):

Diferente da maioria que ficou zoando, eu entendi na mesma hora o que ela quis dizer. Essa baboseira toda, assim como todos os discursos dela, mostra a brutal ignorância do país e falência total do Ensino. Os zoadores, pelo modo que riram, até parecem que entendem algo de Ciência, num país em que os universitários são compostos por 50% de analfabetos funcionais.

Afinal, o que Dilma falou?

Como professor, aprendi a interpretar as besteiras que me dizem, filtrando e interpretando as asneiras correntes, para entender como funciona a mente distorcida de meus alunos. Ligando o tradutor, o que ela disse foi:

Infelizmente, a energia eólica é um problema sério. Ela depende unicamente dos movimentos das massas de ar que não obedecem um sistema ordenado, mas caótico, em que diferentes fatores interferem na regularidade dos ventos.

Diferente da queima de combustíveis fósseis, que podemos assegurar a regularidade, bastando termos o combustível em si, a geração de energia elétrica através de turbinas eólicas é inconstante e centros de controle precisam monitorar para que a geração seja contínua, apesar de depender da sazonalidade desses ventos. É necessário, portanto, que possamos armazenar esse excesso de energia gerada quando os ventos estão mais fortes, para aproveitá-la quando eles estiverem escassos, de forma a termos um fluxo de eletricidade contínuo, sem termos que depender mais de combustíveis fósseis, que tendem a se esgotar e são poluentes.

Resumindo, tia Dilma quer que usemos uma forma de armazenar, de acumular o excesso de energia que foi transformada, e não o vento em si. Mas o Brasil que odeia Ciência não preparou a presidente para um discurso coerente. Fico imaginando dois cenários:

1) O Palácio do Planalto tem redatores de discursos do nível do G1, absurdamente ignorantes, não dando respaldo para que a presidente discurse algo com um mínimo de coerência.

2) O Palácio do Planalto tem excelentes redatores, mas arrogância impede que a presidente leia o discurso preparado, preferindo fazer de próprio punho (ou mesmo de improviso, o que é muito pior!), abordando temas sobre os quais não faz a menor ideia do que se trata.

3) A burrice é generalizada e somos um país com ignorantes que elegem ignorantes para governar de forma ignorante.

Jornais salivaram com esse discurso. Por todos os motivos. Uns apontaram o monte de bobagens. Outros, na ávida caça por cliques, estão demonstrando que é “possível” armazenar vento. Aí, o que acontece com o povo? Enche minha caixa de e-mails me “provando” que pode-se armazenar ventos, me colocando vários links, em que eles mesmos não leram os malditos links.

Algumas notícias são sobre ar comprimido e liquefeito, para depois ser aquecido e se expandir de novo.1

Outra notícia menciona que a Noruega está armazenando energia eólica.2

Não está. Está usando parte da energia gerada para fazer eletrólise da água para produzir hidrogênio e comprimi-lo. Legal, mas é totalmente imbecil, já que você gasta horrores de energia para comprimir gases, em que temos perdas imensas: perda na transformação da energia eólica em energia mecânica para fazer as pás girarem, perda na transformação da energia mecânica em energia cinética, que se transformará em energia elétrica (com mais perdas ainda), que fará eletrólise, onde haverá mais perdas, para depois comprimir, através de motores elétricos, que também são ineficientes, e armazenar esse hidrogênio, para que possa ser usado com perdas também.

Se colocassem zilhões de acumuladores, seria mais eficiente. O fato de termos poluição química, é outra história.

Como assim poluição química? Ah, não sabiam? Esses cataventos gigantescos têm um severo impacto ambiental matando pássaros e morcegos, além de uma altíssima poluição sonora. Isso aí faz um barulho desgraçado, por isso muitas dessas torres são colocadas em lugares afastados, construindo-se até ilhas artificiais para isso.

Ah, e ainda temos o Inovação Tecnológica, um G1-Ciência metido a besta. Veicularam artigo dizendo que iam armazenar energia eólica em rochas.3

Primeiro, rocha não armazena energia. A ideia é comprimir ar em arenito, que é uma rocha porosa, mas o próprio artigo diz que o sistema funcionará como uma usina híbrida, que utiliza energia elétrica oriunda de um gerador eólico e uma turbina movida a gás natural. E ainda insistem nessa baboseira de energia de ar comprimido com uma densidade de energia pífia perante o que se consome.

Por comentário final, antes de vocês rirem das batatadas que a Dilma fala, lembrem-se que ela está lá graças a pessoas imbecis sem o mínimo conhecimento de Ciência, sendo que seus críticos não estão muito longe. Se a elegeram só por ser mulher, como se mulheres fossem incapazes de atos vis (e a esposa do dono da Yoki e a Suzane von Richthofen ilustram bem isso), é devido à burrice inerente de certos grupos sociais que acham que vivemos num mundinho de teletubbies. Ninguém elege políticos pensando que ele dominará os fundamentos (só os fundamentos bastam) dos diversos setores nos quais ele terá responsabilidade. elegemos políticos porque nos prometem coisas, por se posicionarem de forma ambígua, ams que escolhemos um modo de ver, ignorando as contradições.

Eu não preciso ser eleitor do Aécio ou de qualquer outro político para apontar que a Dilma é ignorante nos temas sobre os quais discursa. Prefiro apontar que ela é muito importante para entendermos um fato básico: o político é reflexo do povo que o escolheu. E se isso não o faz ficar preocupado, não se preocupe. quando estivermos prendendo pessoas que usam óculos, pois isso prova que são intelectuais, ou que simplesmente pensam de modo diferente, aí veremos o grande mal que deixamos acontecer.

Falar de armazenar ventos é apenas o meio de um caminho de descida sem volta. Bem-vindos ao desespero!


A propósito, o Gilmar do E-Farsas tem um artigo sobre isso. Divirtam-se.

35 comentários em “Afinal, pode-se estocar vento?

  1. Eu até pensei em compartilhar o artigo no WhatsApp™ da vida, mas é muita informação para cérebros de menos.
    (Sim, lá reina as trevas)

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    1. Ficou impressionado como brasileiro consegue transformar grandes iniciativas em grandes mares de merda.

      Foi assim com os finados MSN e Orkut e agora é com o Zapzap e o feicibuqui.

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  2. Pela primeira vez titia Dilma disse uma coisa com nexo. E isso serviu para mostrar que brasileiros são um bando de beócios. Realmente tem os políticos que merece. Não adianta falar “Não me representa”, pois representa muito bem.

    E sério que 50% dos universiotários brasileiros são semianalfabetos? Li uma notícia falando que esse percentual é de “apenas” 38%: http://www.estadao.com.br/noticias/geral,no-ensino-superior-38-dos-alunos-nao-sabem-ler-e-escrever-plenamente-imp-,901250

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    1. Estocar vento foi um erro de interpretação.
      Ela havia se referido a uma forma de armazenar, de acumular o excesso de energia que foi transformada, e não o vento em si.
      Como disse o Gilmar, lá no E-farsas, realmente dona Dilma tem uma péssima retórica.

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          1. Em minha defesa digo:
            Domingo, churrasquinho, Heineken…
            O blockquote não passou pela minha cabeça (sorry)

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  3. Eu também intendi o que ela disse como uma maneira de estocar a energia, não o vento em si. Destas técnicas de estocar a energia excedente da geração eólica, a mais interessante que vi foi numa
    “Popular Mechanics” da década de 80, uns engenheiros holandeses queriam usar um daqueles lagos que recebem as aguas drenadas dos diques como hidroelétricas. Eles adaptariam as turbinas e geradores para bombear a agua do mar para o lago durante, o excesso de energia, já na falta de vento liberariam a agua do lago para o mar atraves das turbinas- agora como geradores.
    Dei uma pesquisadas e não achei nada do projeto, não deve ter ido para a frente, provavelmente por não valer a pena, mas me parece uma ideia bem mais crível do que ar comprimido em rochas ou gerando hidrogênio.

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  4. Ótimo texto, André.
    Finalmente uma análise decente sobre essa baboseira de estocar vento.
    Estou até compartilhando no facebook para ver se mais alguém se instrui um pouco.

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  5. Nunca fui conspiracionista, mas de fato é muito estranho que a Dilma continue dando seus discursos de “stand-up”. Membros do executivo e legislativo não raramente são antas, mas justamente por isso possuem assessores, que escrevem um texto bonitinho para ser lido, sem maiores problemas. Dito isso, será que é uma tática, pra lá de estranha, de desviar a atenção da crise política e econômica?

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  6. Simples e esclarecedor. Belo texto!

    Também compartilho da ideia de que a rainha da retórica novamente não soube se expressar.

    Agora me impressiona são as pessoas criticarem a presidente quando tem o mesmo nível de conhecimento dela.

    Mas entendo, do jeito que anda o Brasil todo discurso vira stand up.

    Abraço.

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  7. Primeiro eu achei que ela estava falando de represar o vento, mas aí quando assisti de novo, me toquei que ela estava falando da energia gerada e não do vento em si.
    Talvez por nervosismo, ela engatou um pensamento no outro e não deixou claro do que estava se referindo, mas ela fala das linhas de transmissão.
    Antes as pessoas não liam as notícias, hoje elas também não ouvem até o fim e já saem falando asneiras.

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    1. Faz dois anos que escreveu isso e estou agora lendo, sempre tive essa sensação com a trapalhada da Dilma ao falar, de engatar um pensamento no outro, eu escrevi um dia literalmente a mesma coisa que você. Ela era muito ruim de retórica, agora fora do governo me surpreendeu uma entrevista boa e clara que ela deu – não lembro se foi ao DCM. Já me perguntei se essa dificuldade, especialmente em momentos em que ela tinha que tomar mais cuidado ao falar (e era quando mais se atrapalhava) teria a ver com o fato de ter apanhado na boca quando esteve presa e de não poder falar as coisas mesmo sob tortura. É difícil julgar isso,

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          1. Bom, não falei que a ladainha era diferente, disse que estava mais articulada, especialmente do meio para o fim da entrevista. Bom dia.

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  8. Realmente, ela é uma péssima oradora. Mas quando ela falou em armazenar energia eólica, eu pensei em cataventos recarregando baterias…. não achei nada demais.

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  9. O problema é que não adianta dizer uma coisa querendo dizer outra. Esse é o problema da retórica da Dilma. Você precisa ouvir, descriptografar e só aí tentar entender (às vezes, porque outras vezes é pura asneira mesmo). Devia falar um texto pronto e ir embora, seria menos feio.

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  10. Ministro não está lá pra entender as coisas. Lembre-se que o Crivella foi ministro da pesca e no discurso de posse afirmou que não entendia nada de pesca.

    E nem vou tocar no assunto que ele é criacionista.

    Você conhece algum ministro da educação que foi professor? Professor de verdade e não cara que dá aula em universidadezinha.

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