Uma catástrofe chamada Letramento Científico

O Indicador de Letramento Cientifico (ILC) é um estudo inédito sobre letramento científico da população jovem e adulta brasileira realizado pela Abramundo, em parceria com o Instituto Paulo Montenegro e a Ação Educativa, a partir da experiência de mais de uma década destas duas organizações na realização do Indicador de Alfabetismo Funcional

Assim começa um relatório que pretende medir o Índice de Letramento Científico do brasileiro médio. Eu diria que o resultado me surpreendeu, pois eu até pensava que seria muito pior. Isso significa que estamos bem, certo?

Errado! A coisa está realmente preocupante para quem se preocupa!

A pesquisa começa com o usual blábláblá e traz que:

Um cidadão, para fazer uso social da ciência, precisa saber ler e interpretar as informações científicas difundidas na mídia escrita. Aprender a ler os escritos científicos significa saber usar estratégias para extrair suas informações; saber fazer inferências, compreendendo que um texto científico pode expressar diferentes ideias; compreender o papel do argumento científico na construção das teorias; reconhecer as possibilidades daquele texto, se interpretado e reinterpretado; e compreender as limitações teóricas impostas, entendendo que sua interpretação implica a não-aceitação de determinados argumentos.

A pesquisa se focou em 3 pontos:

  • Domínio da linguagem científica – conhecimento sobre as nomeações relativas ao campo das ciências.
  • Saberes práticos – como são colocados em prática os conhecimentos científicos e quais os valores atribuídos a essas práticas.
  • Visões de mundo – como os conhecimentos científicos contribuem a visão de mundo dos entrevistados.

As perguntas iam desde interpretação de texto, até análise de gráficos. O PDF pesquisa pode ser lido AQUI. E sim, está no site do Ciência Hoje, pois foi de lá que eu peguei a notícia, depois de vários terem compartilhado a notícia comigo. Thanks, folks!

O resultado não é nem preocupante, é pior que isso! 79% dos participantes ficaram na zona intermediária, enquanto 16% apresentaram letramento ausente (nível 1) e apenas 5% do total se mostraram de fato proficientes em Ciência. Mas claro! Quando vemos como a Ciência é tratada no Brasil, como coisa de pouca importância, o que se pode esperar? Nosso país é o país do coitadismo. Se você não aprende algo, este algo é desnecessário (né não, Denise?). Se você não sabe gramática e ortografia, simplifiquemo-nas.

No caso de pessoas com ensino superior, só foram considerados proficientes em Ciência apenas 11%, enquanto que 4% deles apresentaram letramento ausente. Afinal, ensino superior inclui indivíduos formados em Filosofia, Pedagogia, Dança entre outras bobagens.

Mas, mas… é errado querer que todos saibam Ciência

Errado é gastar verba pública pra ensinar os outros a dançar numa universidade pública. MINHA OPINIÃO. Antes de me xingar, lembre-se que eu ainda tenho direito a ela.

Entendam, não é uma questão de só formarmos cientistas (como se a maioria das pessoas entendesse o que é Ciência e ó que significa ser cientista, o que foi comprovado pela pesquisa). É uma questão de não se ensinar Ciência, não se divulgar Ciência adequadamente, não explicar para que serve esta coisa arcana e digna de livro conspiracionistas.

Ciência, o grande mal da humanidade, MUAAAAAHAHAHAHAHAHAHA

Eu sou coordenador de Ciências onde trabalho e as professoras dessa disciplina, numa pequena enquete que eu fiz, não souberam definir direito o que diabos é Ciência. Quando fiz uma aula conjunta com a professora de Geografia, os alunos perguntaram se a aula era de Geografia ou de Ciência. A distinta "professora" disse que "não é porque eram duas disciplinas distintas que não poderiam dividir o espaço".

Como assim DISTINTAS? Geografia deixou de ser ciência agora? Distintas? Então, a forma como rochas e solos influíram no desenvolvimento da sociedade, no modo como a região tem microclima, o que afeta a fauna e flora, não é um estudo científico? Não está ligada à Química, Física e Biologia? Não afeta as sociedades? Não diz nada sobre como o Himalaia fez do Deserto de Gobi… um deserto, e como seus moradores construíram uma sociedade diferente dos Incas, e como a China acabou se tornando um vasto império, graças aos minerais carregados pelos ventos e a abundância de água da chuva, enriquecendo o solo? Geografia não explica como o Egito se tornou um dos maiores impérios da Antiguidade, simplesmente por causa de um rio? Ok, não foi um rio, mas isso a Geografia explica o porque. Então, aquela idiota diz que Geografia NÃO É ciência? É o quê? Ficar colocando aluno para decorar bobagens irrelevantes?

Eu já critiquei isso: cursos de Pedagogia formam "professores" que irão dar aula de Ciências, sendo que não há nada sobre isso na ementa do curso. Serão repetidores do que os livros didáticos dizem (e muitos destes foram escritos por pedagogos. Notem o absurdo!)

Cursos de "Humanas" não têm temas desenvolvidos em Ciência, de uma maneira ampla. Minha mulher faz uma pós-graduação, cuja disciplina Ciências & Meio Ambiente discute como o Brasil produz minerais e somos um país rico. Ok, mas e restante? Tipo, ela fica fazendo contas e mais contas, é levada a "refletir" sobre os resultados e a posição econômica do Brasil no mundo, e a conclusão é… que ela está fazendo o trabalho que o mestrando em Economia. Num dos fóruns, foi discutido como festas juninas são um acicate à cultura popular, e como isso é uma forma preconceituosa de se referir ao povo do campo, humilde e dotado de uma sabedoria própria.

Eu não repetirei os dados. Vão lá e leiam a pesquisa. Ela só reflete como o brasileiro médio vê a Ciência: com descaso. Não queremos pesquisa científica, queremos emprego, hospitais e remédios. Não devemos ter ensino de Ciência, ela é inútil; melhor jogar xadrez em dia de chuva. Cientistas? Mandamos pra fora, para fazer turismo. Produzimos bauxita e pouco dela é beneficiada aqui. Fazemos o favor de exportar os minerais. Para que desenvolver isso?

A imprensa adora alardear feitos, como o cara que ganhou a medalha Field (que não é um "Nobel de Matemática" seus jornaleiros acéfalos!). Isso é legal, mas a realidade é que o ensino de Matemática no Brasil ainda é um lixo, porque não se ensina a pensar logicamente e sim fazer contas que não significam nada. Nosso altíssimo índice de analfabetos funcionais nas Universidades mostram o quanto se dá valor aqui: nada! Boatos correm a torto e a direito, meios de comunicação, entendendo bem a aversão do brasileiro médio à Ciência, prefere fazer reportagens sobre pirâmides mágicas, Arca de Noé, homeopatia (que é curso universitário), curas cósmicas por imposição de mãos (que é pesquisa universitária aqui), ciência quântica (também presente nas universidades), ufologia (adivinhem!) e outras bobagens da Nova Era. Somos um país de iletrados, cuja população não consegue entender uma bula (não faz diferença, dada a automedicação corrente), não conseguem entender construções frasais mais complicadas que "A bola vermelha quicava no chão amarelo" (meh, vamos simplificar isso!).

Muitos farão artigos sobre esta pesquisa (colocarei os links à medida que forem publicados), mas eu não discutirei mais, porque estou cansado de dizer sempre a mesma coisa BRASILEIRO ODEIA CIÊNCIA! Não eu, talvez não você, mas eu não sou a maioria. A maioria gosta destes vídeos de grupos humoristas que infestam o YouTube e têm zilhões de visualizações.

Gostei do trabalho do Romário, mas a verdade é que o elegeram porque ele foi jogador de futebol. Ministros da Educação nunca são escolhidos entre professores (dar aula em universidade no estrangeiro não é ser professor. Quero ver pegar alguém vindo de um coléjão público de periferia). Ministério de Ciência, Tecnologia e Inovação (um nome retardado em seu pleonasmo) vive ganhando cortes de machado, enquanto que a Etiópia tem um programa aeroespacial. Brasil? Nós não conseguimos nem fazer o que a Alemanha nazista fez em 1945 (um foguete) e a URSS fez em 1958 (colocar um satélite em órbita).

O povo não ganha nada com isso, na visão política. Ciência não dá voto. Bolsa-whatever dá!

Não, a pesquisa supracitada não me impressionou em nada. É apenas o retrato da realidade que estamos acostumados a ver, mas que a maioria ignora, não se importa e varrerá para baixo do tapete, e o mesmo será feito com esta pesquisa. E tudo ficará como dantes, no quartel dos ignorantes, onde queima-se livros e obriga-se a ter Bíblias. Enfim, somos o país disto.

16 comentários em “Uma catástrofe chamada Letramento Científico

  1. Dei uma olhada nos testes feitos pelos pesquisadores. Notei que não eram testes de conhecimento científico, era só prestar atenção no enunciado e na pergunta (principalmente as três primeiras) que a resposta era óbvia. Preocupante saber que apenas 5% dos brasileiros podem pensar de forma crítica pra resolver problemas.

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  2. O André chamou a atenção para os cursos retardados (por falta de termo melhor): Filosofia, Pedagogia, Dança, Homeopatia etc..
    Mas além disso, vale a pena mencionar a quantidade absurda de analfabetos funcionais, completamente inaptos à colocarem os pés em uma faculdade.
    Mas eles estão lá, firmes e fortes!

    É a aprovação automática completando o 2º grau e movimentando a indústria da educação. PRA FRENTE BRASIL!!!
    Em tempos de propaganda prostituição política, de certo é assim que anunciariam essa notícia deplorável…

    Mas não se preocupe, os ignorantes e incapazes estarão a salvo. Sendo a dificuldade nivelada pelo patamar inferior, eles vão passar também… Junto com você!! :twisted:

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  3. Deveria haver bolsa ciência, onde os desprovidos financeiramente (como eu) mas com interesse maior do que muitos, pudessem aprender ciência fora (sic) do pais e a posteriori pudesse trazer os conhecimentos adquiridos. Mas nossa cultura já tomou um rumo capitalista e ignorante demais. Nossas faculdades se concentram em formar profissionais que façam movimentar a economia. Quantas vezes já ouvi pessoas dizendo que ciência e pesquisas só gastam dinheiro que poderia ser empregado em “coisa melhor”, como medicação para o povo, melhores condições de vida e bla bla bla. E não adianta tentar argumentar, achando que sua opinião será bem vista e aceita. Na verdade, arriscar falar de ciência com qualquer pessoa próxima é correr o risco de ser taxado como doido. É desanimador. Chega a ser depressivo. Enquanto os governantes eleitos continuarem a ser tão ignorantes em relação a ciência quanto o povo, o Brasil continuará a ser o mesmo. O sistema é f***!

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  4. TÁ..TÁ..TÁ…nem tudo esta perdido no Brasil.

    parabéns Wendell.

    palaciodoplanalto.tumblr.com/post/99404564624/quimico-pesquisador-wendell-coltro

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        1. O índice de letramento científico prova o contrário. UM cara fazendo ciência é apenas um ponto fora da curva.

          Mas isso é para quem sabe um mínimo de estatística.

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          1. @André, Bom, eu ainda sou do tempo antigo e acredito no potencial do ser humano, independente da nacionalidade (filosófico isso heim?). Não discordo da falta de interesse do brasileiro nas ciências – também pudera – desconstruiram a educação básica e intermediária. Como eu escrevi, o brasileiro não “ODEIA” a ciência, ele simplesmente não a conhece.
            André atualize seu arquivo: são mais de 2 brasileiros fazendo ciência.
            Estatistica é para os fracos.

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          2. @André, Com essa visão, então, não poderia dedicar-se ao ensino. Na verdade você, também, acredita no potencial humano – parabéns, você esta participando do mundo como realmente ele é.
            Estou sensibilizadio pelo Pollyana…ui.

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          3. Se me oferecerem um emprego trabalhando em outra coisa, ganhando o mesmo (de preferência mais) do que o atual, mudo na hora. Sou um profissional. Se vc trabalha por amor, trabalhe feliz e me dê o seu salário.

            Desvio de assunto termina aqui. E vc sabe bem o que eu penso de insistências, Polly!

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