Grandes Nomes da Ciência: Oswaldo Cruz

A multidão ensandecida quer justiça! Ela se cansou dos desmandos dos poderosos e resolveu fazer algo contra isso. Os anônimos iniciaram um clamor popular e o homem do alto de seu palácio sente que dias negros se aproximam. O homem do palácio resolveu que algo tinha que ser mudado e o Presidente lhe dera carta branca; mas ele não contava com o Poder do Povo, e este estava decidido… Decidido a continuar na imundície, pouco importando quantas pessoas estavam morrendo.

Esta é a história da briga de Oswaldo Cruz contra a varíola, que resultou em várias mortes no que foi conhecido como “Revolta da Vacina”.

Entre os baluartes da ciência, Oswaldo Gonçalves Cruz escreveu seu nome na história, não usando uma pena, mas sim com uma agulha de injeção. Ele nasceu no município paulista de São Luiz do Paraitinga, em 5 de agosto de 1872. Aos cinco anos, Oswaldo (que eu continuarei escrevendo com “W”, pouco me lixando para “acordos” sem sentido) voltou para o Rio de Janeiro, onde mais tarde ingressaria na Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro em 1887, graduando-se em 1892 (naquela época ainda era “chique” ser médico, engenheiro ou advogado, apenas).

Oswaldo Cruz estagiou no renomado Instituto Pasteur, em Paris, sendo discípulo de Émile Roux, seu diretor, entre 1896 a 1899. De voltou ao Brasil, organizou o combate ao surto de peste bubônica registrado em Santos (SP) e em outras cidades portuárias. Demonstrou que a epidemia era incontrolável sem o emprego do soro adequado. Como a importação era demorada, propôs ao governo a instalação de um instituto para fabricá-lo, o Instituto Soroterápico Federal, também conhecido por Instituto de Manguinhos, Instituto de Patologia Experimental, Instituto Oswaldo Cruz e, por fim, Fundação Instituto Oswaldo Cruz, ou FIOCRUZ, para encurtar.

Em 25 de maio de 1900, por meio do Ofício nº 1, ainda em papel timbrado do Instituto Vacínico Municipal, Pedro Affonso Franco (Barão de Pedro Affonso), diretor do Instituto Soroterápico Federal, comunicava à Diretoria Geral de Saúde Pública que, em consequência da autorização do dia anterior, começariam nesta data os trabalhos do laboratório de Manguinhos, “esperando em breve poder começar o trabalho de inoculação nos cavalos”. O laboratório fora criado com o objetivo de produzir o soro para o combate à peste bubônica que ameaçava a Capital Federal. É curioso saber que durante os anos da Primeira República, não havia a tradição de investimentos de pesquisa científica. Eu gostaria de dizer que isso mudou, mas sabemos que seria uma grossa mentira. Ciência nunca pareceu ser preocupação brasileira, onde D. Pedro II, que vivia com o traseiro mais fora do país do que aqui dentro, investia em mentes brilhantes lá fora, como Graham Bell, mas não pareceu muito animado em investir pesado em Ciência & Tecnologia aqui. O tanto de produção científica aqui é devido a homens como Oswaldo Cruz, que nunca mediram esforços para melhorar a vida da população, mesmo sem o reconhecimento dessa mesma população.

A nomeação de Oswaldo Cruz para a diretoria do que hoje é a mundialmente prestigiada Fundação Oswaldo Cruz – onde pesquisadores ganham um salário menor que um deputado semi-analfabeto e menos ainda que um jogador de futebol – fazia parte do projeto de governo de Rodrigues Alves, presidente da república entre 1902 e 1906.

Alves estava decidido em remodelar a cidade do Rio, então Capital Federal, de forma que a fizesse menos atrasada que uma favela no interior da África. Acreditem, não estava muito longe disso. O sistema de transporte público era ruim, muitas ruas não tinham calçamento ou eram esburacadas, o saneamento básico era uma tosqueira e a saúde pública era risível. Tem horas que eu olho o calendário para saber em que ano estamos. O Rio de Janeiro já tinha o problema de favelas, que começou graças à ingerência do próprio Estado quando da Guerra de Canudos, posto que alguns dos soldados que foram para a guerra e conseguiram regressar ao Rio de Janeiro em 1897, deixaram de receber o soldo, instalando-se em construções provisórias erigidas sobre o Morro da Providência, que era popularmente chamado “Morro da Favela”, que era um lugar que originariamente ficava próximo a Canudos. Daí em diante, qualquer grupo de “casas” (isto é, barracos) construídas em morros passaram a ser chamados de “favelas” e o nome pegou até hoje.

Na época de Rodrigues Alves, o Rio de Janeiro era circundado por várias favelas (não que tenha mudado muito), e os planos de urbanização, como sempre, visavam apenas os locais nobres, onde morava o pessoal endinheirado. Pobre que se ralasse. Enquanto isso, eu fico pensando se estou escrevendo sobre fatos históricos do século passado ou o dia-a-dia da cidade.

As edificações do que seria o Instituto Seropédico Federal começaram a ser construído em 1903, no bairro de Manguinhos, sob o projeto do engenheiro português Luiz de Morais Júnior, onde as fundações do edifício principal, o Pavilhão Mourisco, foram feitas em 1905, tendo sido concluído somente em 1918.


Maiores detalhes (com fotos) AQUI!

Enquanto Pavilhão Mourisco não ficava pronto, as condições sanitárias da cidade do Rio estavam em condições tão precárias que até os ratos estavam protestando, ainda mais que eles quase somavam número maior que a população. Eles estavam quase exigindo participação política na Assembleia Legislativa.

Oswaldo Cruz, como Diretor Geral de Saúde Pública, começou um ataque em massa no combate à febre amarela. Sua reforma sanitária, que tinha como meta erradicar não só a febre amarela, como a varíola, peste bubônica, malária, tifo, tuberculose e a dengue. Sim, o problema que temos HOJE com a dengue data dos fins do século XIX e início do século XX. Devia ser uma maravilha morar no Rio de Janeiro em 1903.

Bem, não adianta nada ter carta branca se você não for usá-la. Investido dos poderes dados pelo presidente Rodrigues Alves e de plena aprovação do prefeito Pereira Passos, Oswaldo Cruz conseguiu convencer que fosse aprovada a Lei da Vacina Obrigatória, editada em 31 de outubro de 1904. E como na base da democracia a coisa não anda, já que a população estava muito feliz – tão feliz quanto pinto no lixo, literalmente – Oswaldo, o cientista kickboxer, criou as chamadas Brigadas Mata-Mosquitos, grupos de funcionários do serviço sanitário que entravam nas casas para matar os insetos. Na marra! E muitas pessoas não queriam deixar (o que se vê ainda hoje). Só que os funcionários estavam acompanhados da polícia e ninguém brinca com polícia desde os tempos de Roma.

Boletins sanitários da época relatam que em um mês vistoriou-se 14.772 prédios, extinguiram 2.328 focos de larvas, limpou-se 2.091 calhas e telhados, 17.744 ralos e 28.200 tinas (onde eram recolhidas as águas das chuvas e o pessoal esquecia de jogar a água fora). Lavou-se 11.550 caixas automáticas e registros, 3.370 caixas d´água, 173 sarjetas, retiraram 6.559 baldes de lixo dos quintais de casas e terrenos necessitando 36 carroças de lixo, gastando 1.901 litros de petróleo. A população estava assistindo, alheia que aquilo era um grande bem e salvaria muitas vidas. As pessoas observavam a tudo isso praticamente impotentes, mas tudo tem limite.

A Lei de Vacinação Obrigatória não queria saber da vontade da população, que normalmente escolhe o pior. Ela literalmente obrigava as pessoas a se vacinarem contra a varíola e tudo o mais. As pessoas se revoltaram e o barril de pólvora explodiu no que ficou conhecido como A Revolta da Vacina, que teve início em 5 de novembro de 1904 e alcançou algo que eu definiria como “índices apocalípticos” entre 10 a 16 de novembro de 1904. Os jornais da época ajudavam no clima de histeria acusando os desmandos de Oswaldo Cruz, com charges nada elogiosas, enquanto jornalistas comentavam as decisões draconianas do Governo Federal, demonstrando que jornalista falando de ciência é a mesma coisa que tartaruga tentando costurar desde o milênio passado.

O Governo não queria saber. Barracos imundos (e naquela época, barraco era feito de táuba de madeira, mesmo!), casas mal construídas, mal-conservadas, caindo aos pedaços e mais imundas que o passado de alguns políticos eram sumariamente derrubadas, sendo a lei apelidada, por causa disso, de Lei do Bota Abaixo. Claro, que a imprensa “esquecia” de dizer que o Governo realocava as pessoas, mas tal como hoje, as pessoas parecem que morrem se saírem da podridão, apesar dessa “realocação’ também não fosse grande coisa.

A imunização antivariólica era ordem do dia. Ninguém podia deixar de ser vacinado, e a população ensandecida foi pra rua e começou o quebra-quebra. O Governo mobilizou tropas e a porrada comeu solta. Oswaldo Cruz foi acusado de inimigo da população e essa mesma população insana enfrentou a polícia, o Exército, a Marinha e o Corpo de Bombeiros, resultando num saldo de 30 mortos e 110 feridos, centenas de pessoas foram presas e muitas delas foram convidadas a se mudarem pro Acre. O Governo sufocou a rebelião, porém, suspendeu a obrigatoriedade da vacina… temporariamente, pois em 1975 foi editada outra lei tornando a vacinação compulsória, já que a população demonstrou não ter maturidade de decidir sobre isso.

Talvez seja exagero tudo isso e a morte de 30 pessoas é com certeza algo lastimável, mas devemos lembrar que a histeria coletiva já tinha sido conhecida por Pasteur e as pessoas sempre dão mostras de 3ª Lei de Clarke (paráfrase) está certa: Qualquer tecnologia suficientemente avançada é indistinguível de magia. Remédios não são exceções, e depois que o louco do Andrew Wakefield inventou que vacinas contra a poliomielite causavam autismo, o que muitos idiotas acreditam até hoje, fica fácil de entender como essas atrocidades começam.

Fora a brutal ignorância reinante, havia interesses políticos, onde o monarquistas e membros de partidos da oposição se uniram contra as medidas, fomentando a revolta da população, onde “intelectuais” como Ruy Barbosa se mostraram claramente contra a ação do Governo Federal, Municipal e do próprio Oswaldo Cruz. O Apostolado Positivista do Brasil, um grupo de seguidores da filosofia de Augusto Comte, que acreditava que um país deveria ser governado por um grupo de intelectuais capacitados e não por uma família, no poder por hereditariedade, também entrou em cena, se posicionando contra o Governo e, de forma pouco lógica, se unindo aos adeptos de um governo monarquista! Jacobinos e Floristas se articulavam para depor o governo de Rodrigues Alves e usaram a insatisfação do povo para canalizar o ódio e usar esse ódio como força-motriz para a derrubada de um governo eleito democraticamente, apesar de fazer parte da Política do Café com Leite. Para mobilizar a população, chegaram a dizer que era uma afronta ao pudor, já que as mulheres teriam que se despir frente aos sanitaristas e alegavam os seguidores do candomblé que as doenças eram um castigo dos orixás e, por isso, não deviam ser combatidas.

De tudo e por tudo, as ações enérgicas de Oswaldo Cruz surtiram efeito. A febre amarela urbana foi erradicada. A mortal varíola foi erradicada. A dengue ainda existe por falta de pulso dos governantes e ações estratégicas. É de se pensar se houve falha de comunicação do Governo com a população, se se houvesse melhor divulgação de fatos se teria sido diferente. Creio que não. As pessoas não têm tanto interesse assim em se informar e os mais bem informados tinham interesses políticos e econômicos que as ações do presidente Rodrigues Alves dessem errado. Não havia rádios, TV, blogs etc. quando muito, jornais e estes eram formados por pessoas sem um pingo de informação, onde exaltam publicações como a Gazeta de Notícias que traziam poemas em sua capa. Ciência nunca foi levada a sério no Brasil e os planos de modernização da então Capital federal pelo prefeito Pereira Passos afetava a todos, que pareciam gostar de viver numa cidade do Primeiro Reinado ao invés de se preparar para ser uma megalópole.

Mais tarde, Oswaldo Cruz foi premiado no Congresso Internacional de Higiene e Demografia, em Berlim, em 1907. Dirigiu a campanha de erradicação da febre amarela em Belém do Pará e estudou as condições sanitárias do vale do rio Amazonas e da região onde seria construída a Estrada de Ferro Madeira-Mamoré. Em 1916, Oswaldo Cruz ajudou a fundar a Academia Brasileira de Ciências e, no mesmo ano, assumiu a prefeitura de Petrópolis. Oswaldo Gonçalves Cruz faleceu um ano, aos 44 anos, por causa de uma insuficiência renal, sem ter completado o seu mandato como prefeito.

É difícil analisar hoje, mais de 100 anos depois, as ações tomadas por Oswaldo Cruz. Havia a necessidade de uma ampla reforma sanitária, bem como urbanística. As ações políticas macularam o que foi um novo dia em termos de saúde pública e quando vemos o número de doenças erradicadas perante uma ação drástica, devemos refletir bastante antes de condenarmos o cientista. E quando passo pela Avenida Brasil e vejo o imponente prédio alaranjado do Pavilhão Mourisco, sabendo que ali há centenas de cientistas trazem melhores condições de saúde para todos, quando em 1906 já produzia vacinas contra o antraz, sinto-me bem, pois alguém resolveu que a Ciência no Brasil tinha que ser levada adiante. E alguém assim, no mínimo, tem que ser reconhecido como um dos Grandes Nomes da Ciência.


Para saber mais:

13 comentários em “Grandes Nomes da Ciência: Oswaldo Cruz

  1. Um verdadeiro herói. Deve ter salvo centenas e até milhares de vidas. E a população escolhe Chico Xavier como “O maoir brasileiro de todos os tempos”, não que essa votação seja importante, aliás é ridícula, mas mostra que realmente ninguém liga pra ciência nesse país.

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  2. A Revolta da Vacina é mais um dos grandes exemplos de que a maioria é sempre idiota e infantil. Vide a escolha tomada pela maioria na sua ditadura da maioria.

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      1. @André,

        A Lei de Vacinação Obrigatória não queria saber da vontade da população, que normalmente escolhe o pior.

        É de se pensar se houve falha de comunicação do Governo com a população, se se houvesse melhor divulgação de fatos se teria sido diferente. Creio que não. As pessoas não têm tanto interesse assim em se informar e os mais bem informados tinham interesses políticos e econômicos que as ações do presidente Rodrigues Alves dessem errado

        Exatamente o que eu falei.

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  3. Outro dia,estava vendo um documentário sobre combate a epidemias em várias regiões do mundo atual que mostra claramente o que a ignorância pode fazer.
    Na India,vários pais protestavam contra a vacinção dos filho contra a poliomielite.
    O argumento era que que a doença era uma benção ou um castigo(sei lá,não entendi muito bem)de um deus,e que vacinar as crianças era ir contrar a vontade da divindade.É como você disse André,há momentos em que é preciso olhar o calendário para saber em ano estamos.

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  4. O povo é safadão. Quando li sobre manguinhos e a peste bubônica, me lembrei também da ideia ingênua do governo de pagar por ratos capturados. Resutado, criação de ratos.

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