Grandes Nomes da Ciência: As computadoras esquecidas de Pickering

Ser mulher no ramo científico e tecnológico sempre foi complicado. Aliás, qualquer atividade profissional sempre foi relacionada com outras profissões (algumas consideradas como a mais antiga delas). Em 1873, o médico senhor doutor Edward Clarke publicou o que seria uma verdadeira cartilha do lar: o livro “Sex in Education; or A Fair Chance for Girls”. Longe de ser um livro de ser educação sexual ou livro de contos pornô (o nome disso é Cântico dos Cânticos).

Nos escritórios do Observatório de Harvard, uma pesquisa lançaria mais luz sobre a Ciência. Ela mudaria como olhar para os céus e ajudaria  a um boxeador escrever seu nome sob a forma de um telescópio espacial.

Edward Charles Pickering nasceu em Boston, uma cidade-trocadilho em 19 de julho de 1846. Eu até escreveria muito sobre ele, mas o pessoal da Wikipédia chegou na frente mais uma vez e dissecou totalmente a biografia do sujeito.

Ele ocupou o cargo de diretor do Observatório de Harvard e cismou que tinha que olhar para os céus. Era o ano de 1881 quando lhe ocorreu um problema: o volume de dados que entram em seu observatório foi superior a capacidade da sua equipe para analisá-lo.

Esta equipe era um único ajudante. Ou seja, largar um estagiário para segurar o pepino não é novidade.

Como qualquer cientista consciencioso para com as necessidades das pessoas e preparado para reconhecer o potencial de cada um, Pickering correu com o seu ajudante e contratou Williamina Fleming. Doutora em astronomia? Não, era a faxineira, mesmo. Ele praticamente promoveu a Tia do Café para fazer os cálculos. E querem saber o pior: ela era muito boa nisso (coloque aqui a piadinha da mulher que é melhor contadora que o homem).

Com o tempo, Pickering contratou outras mulheres. Pressão social? Liberdade entre os sexos? Não, na verdade é porque elas faziam um excelente trabalho com um salário bem inferior ao dos homens. Viam a equipe de Pickering com tanto respeito que chamavam o grupo de “Harém de Pickering”, mas não era misoginia, era brinks.

Algumas dessas mulheres iria produzir um trabalho significativo por conta própria, podendo até gozar de fortuna e glória, guri.  Fortuna e glória! Mas não foi bem assim.

Para falar sobre isso, vamos deixar claro qual foi a grande maravilha que Pickering introduziu. Antes entendamos como era ser astrônomo naqueles idos: o cara apontava um telescópio maior que a fatura do meu cartão de crédito pro céu, se ajeitava numa cadeira, com um cobertor e passava longas, tediosas e incrivelmente chatas horas olhando pra cima, esquadrinhando o céu noturno. Nosso cérebro tem um belo mecanismo para isso. Desenhe um ponto preto numa folha de papel branco e fique olhando pra ele. Você perceberá que, dentro de alguns instantes, você não verá mis o ponto. O cérebro meio que fica de saco cheio e deixa de registrar a informação visual.

Maldito preguiçoso!

Aliado a isso, quando você foca em um determinado ponto, deixa de enxergar o que está ao redor. Isso não é muito legal quando você precisa estar atento para observar muita coisa numa área imensa. Então, Pickering pensou em acoplar uma máquina fotográfica no telescópio. A vantagem é que a fotografia podia ser ampliada e o astrônomo a estudaria em detalhes, além de ir dormir e deixar o treco lá registrando a foto sozinho (ou quase, já que deixava um estagiário para ir trocando as chapas de tempos em tempos pois, o céu muda e as fotos ficariam borradas, por causa da rotação da Terra).

O problema estava que era preciso tirar varias fotos, catalogá-las e analisá-las. O método de Pickering era bom, mas preparar as lâminas de vidro com a solução a ser sensibilizada demandava horas. Não era lá muito prática. Entretanto, quando Richard Maddox inventou a técnica de placa seca, houve uma revolução. As placas não precisavam ser feitas na hora que iam usar. Podiam ser preparadas para depois serem guardadas. A técnica das placas secas também permitiu tempos de exposição mais longos do que as placas úmidas e, por isso, qualidade das fotos passou a ser astronomicamente melhores, em todos os sentidos.

A Astrofotografia veio para ficar e mudou todo um processo científico de coleta de dados. Foi algo tão soberbo que isso causou muitos problemas como organizar a maçaroca de informações. Foi aí que a mulherada mostrou seu valor. Mas este valor ficou obscurecido. Só falavam em como Pickering era o cara e seu trabalho merecia dez, nota dez!.

Mas isso era contra tudo o que se entendia pelo que se achava que era o intelecto feminino. Mulheres não podiam ter os mesmos empregos e salários que homens. Afinal eram burras, inferiores, fracas e só faziam bobagens. Fischer achava que mulheres não podiam trabalhar em laboratórios ou seus cabelos pegariam fogo (Lise Meitner até questionou se a barba dele era à prova de fogo).

A equipe de Pickering era chamada de “computadoras” e eram de suma importância. Mas ainda assim elas eram vistas pouco melhores que faxineiras e auxiliares de escritório, com salários medíocres e reconhecimento nulo pelo seu trabalho. Pickering e suas protegidas foram o alicerce em que Edwin Hubble construiu seu castelo, pois sem a técnica aplicada e melhorada por Pickering e com as informações catalogadas pelas computadoras, ainda estaríamos discutindo se vivíamos em universos-ilha de Kant.

Entre as estrelas do universo de Pickering, a drª Annie Jump Cannon foi a estrela de 5ª Magnitude, desenvolvendo um sistema de classificação de estrelas que é usado ainda hoje. Mas ela nunca fora reconhecida em seu tempo. Não recebeu uma palma, um prêmio. O sistema de classificação de estrelas que ela criou leva em conta as temperaturas dessas estrelas. A União Astronômica Internacional adotou como o sistema de classificação oficial para estrelas, mas ele não leva seu nome. É apenas Harvard Spectral Classification.

É injusto este esquecimento para com tantos avanços na astronomia trazidos pelo trabalho dedicado de mulheres anônimas, relegadas ao esquecimento. Hoje podemos saber mais sobre elas, nosso mundo está mudado… mas não tanto assim. Não há um único elemento químico com o nome de uma mulher. Salvo o Cúrio e o Polônio, em homenagem à Grande Dama Marie Curie. Mas só, e ainda por cima por causa do grande peso do nome de seu marido Pierre, apesar de Mme Curie não precisar disso.

Mas as computadoras, assim como as garotas callutron não serão esquecidas. Estou olhando para a janela agora, vendo as estrelas. Estrelas estas ordenadas em magnitudes, mas nenhuma delas são, foram ou serão tão brilhantes quanto cada uma das estrelas que gravitaram nos escritórios de Edward Charles Pickering.

E enquanto “lá” os livros infantis falam sobre Annie Jump Cannon, aqui… bem, deixa pra lá.


Fonte: Smithsonian Magazine

4 comentários em “Grandes Nomes da Ciência: As computadoras esquecidas de Pickering

  1. Não posso deixar de traçar um paralelo entre a situação das calculadoras de pickering e os funcionários das empresas modernas.
    São eles que fazem todo o trabalho, mas são “consultores” e diretores que nunca aparecem no trabalho.
    Pelo menos Pickering sabia o que queria que as mulheres fizessem.

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