
A descoberta da tumba de Tutancâmon em 1922 foi um choque na comunidade acadêmica e na vida das pessoas. Finalmente pudemos ter um vislumbre do poder, glória e opulência de um rei egípcio, ainda que fosse irrelevante – sim, pois é. A importância de Tut foi ter sua tumba encontrada intacta, com toda a sua riqueza. Agora, o papo é outro, pois outro rei foi descoberto (já falei inúmeras vezes para pararem de chamar reis egípcios de “faraós”). A New Kingdom Research Foundation descobriu a localização da tumba original de Tutmés II.
Original? Sim, leia o texto para entender!
O dr. Piers Litherland é pesquisador do Departamento de Egiptologia da Universidade de Cambridge. Ele vinha explorando os wadis ocidentais perto do Vale dos Reis, no Egito, há mais de uma década, quando descobriu uma escadaria que levava a… bem, a algo.
Ao descer a escadaria deu de cara com uma câmara funerária, e o que viu lá foi… olha, eu mesmo não sei o que é descobrir isso, mas deve ter sido eletrizante. As características arquitetônicas e elementos decorativos eram inequivocamente reais. O tamanho e o teto da câmara funerária, ricamente decorada com ornamentos dignos de reis, confirmaram a magnitude do achado arqueológico, estabelecendo-o como a descoberta mais relevante desde a tumba de Tutancâmon.
A investigação subsequente da estrutura revelou um aspecto intrigante: a tumba encontrava-se completamente vazia, não devido a saques, mas em consequência de uma evacuação deliberada e organizada. Análises posteriores indicaram que a localização da tumba, situada sob uma formação rochosa que canalizava águas pluviais, havia sofrido severas inundações aproximadamente seis anos após o sepultamento inicial do rei.
O processo de remoção do corpo real e do espólio funerário foi realizado através de um corredor secundário, evidenciando o cuidado e a organização dos antigos egípcios na preservação dos restos mortais de seus governantes. A identificação definitiva da tumba como pertencente a Tutmés II foi possível graças à análise minuciosa dos fragmentos de vasos encontrados entre os escombros, presumivelmente danificados durante o processo de transferência do material funerário.
Não se sabe quando Tutmés II nasceu, porque há debates com diversas fontes com diversas informações. Ao que parece, ele nasceu em algum momento entre 1492 E 1502 A.E.C., mas os documentos remanescentes parecem concordar que ele morreu em 1479 A.E.C., ocupando a posição de quarto soberano da XVIII dinastia egípcia.
A cronologia de seu reinado permanece objeto de debates acadêmicos: enquanto o historiador ptolomaico Maneto, em sua obra seminal sobre a história do Egito, registra um período de treze anos de governo, estudos de egiptólogos contemporâneos, baseados em evidências arqueológicas e análises comparativas, sugerem um reinado consideravelmente mais breve, possivelmente não ultrapassando três anos.
A escassez de registros monumentais e inscrições datadas de seu período de governo apresenta um desafio significativo para os estudiosos modernos. Esta limitação documental contrasta notavelmente com a abundância de registros deixados por outros governantes da XVIII dinastia, particularmente seu pai Tutmés I e seus sucessores, Hatshepsut (esposa) e Tutmés III (filho). A ausência relativa de menções a seu reinado nas autobiografias de oficiais do Império Novo – documentos que tradicionalmente constituem valiosas fontes para a reconstrução histórica do período – sugere um governo que, embora legítimo e reconhecido, pode ter sido marcado por menor atividade construtiva e administrativa em comparação com outros reis da mesma dinastia. Ainda assim, Tutmés II deixou a sua marca, já que seu reinado foi marcado por importantes campanhas militares, incluindo expedições à Núbia e à região da Síria-Palestina (obviamente, não tinham este nome na época).
Registros históricos, principalmente no templo de Karnak, indicam que ele conduziu pessoalmente algumas dessas campanhas, mantendo a tradição militar estabelecida por seu pai. Durante seu governo, também foram realizadas importantes obras arquitetônicas, incluindo adições aos templos de Karnak e Deir el-Bahari.
O reinado de Tutmés II representa um período de transição fundamental entre a consolidação do poder iniciada por Tutmés I e a subsequente era de extraordinário desenvolvimento sob Hatshepsut e Tutmés III, contribuindo para a continuidade da linhagem real em um momento crucial da história egípcia.
O período do Império Novo (c. 1550-1070 AEC) caracterizou-se como uma era de extraordinário esplendor na história do antigo Egito, marcada por expansão territorial, prosperidade econômica e grandiosos projetos arquitetônicos. A XVIII dinastia, em particular, estabeleceu os fundamentos desta era dourada, com uma sucessão de governantes que deixaram legados monumentais, tanto em realizações político-militares quanto em expressões artísticas e arquitetônicas.
A descoberta e análise do local foi meio chata, complicada, difícil e trabalhosa. Demorou meses para limpar os detritos da enchente do corredor descendente e, durante esse tempo, ele e sua equipe presumiram que a tumba pertencia a uma esposa real. A decoração da tumba C4 apresenta elementos típicos da arte funerária do início da XVIII dinastia. O céu estrelado, motivo comum nas tumbas reais, simbolizava a jornada noturna do rei através do mundo dos mortos, enquanto os textos do Amduat, um importante livro funerário, descreviam a viagem do deus solar Rá pelo submundo, com a qual o rei falecido deveria se identificar. Estes elementos decorativos seguiam uma tradição estabelecida desde o Império Médio, mas que atingiu seu ápice artístico durante o Império Novo.
A presença de vasos de alabastro com os nomes de Tutmés II e Hatshepsut é particularmente significativa. No Antigo Egito, os vasos canópicos, geralmente feitos de alabastro, eram utilizados para guardar os órgãos internos do falecido durante o processo de mumificação. A identificação destes vasos com os nomes reais segue uma tradição que remonta à IV dinastia, quando a prática da mumificação se tornou mais elaborada. Sim, Tutmés II eesteve ali, embora tenha sido transferido depois para o esconderijo de Deir el-Bahari (TT320) durante a XXI dinastia.
Essa era uma prática comum durante o Terceiro Período Intermediário, um período marcado por uma crescente preocupação com a preservação dos corpos reais, devido ao aumento das atividades de saqueadores de túmulos. E foi esse esconderijo real, para onde Tutmés II foi levado, que fora descoberto em 1881 por Émile Brugsch. Lá continha, não apenas o corpo de Tutmés II, mas também os restos mortais de diversos outros reis importantes, incluindo Ramsés II e Seti I.
A identificação da tumba C4 em Deir el-Bahri não apenas preenche uma lacuna significativa no mapeamento das sepulturas reais do Império Novo, mas também fornece novos insights sobre as práticas funerárias, a arquitetura tumular e as relações dinásticas deste período crucial. A localização desta tumba, adjacente ao templo mortuário de Hatshepsut, sugere uma intrincada rede de conexões familiares e políticas que caracterizaram a realeza egípcia durante o início da XVIII dinastia.
Ó, Grande Rei! Seu local de morada depois que partistes foi encontrado. Podeis descansar no Pós-Vida, se já não reencarnastes. Saúde, Paz e Prosperidade, Ó Grande Rei, filho de Rá, Protegido dos Deuses.

Um comentário em “A Primeira Última Morada de Tutmés II”