É muito legal ver filmes tipo capa-e-espada, com cavaleiros usando suas reluzentes armaduras, elmos, luvas, espadas, maças e cavalos (que também tinham suas próprias armaduras). Apesar desta visão romanceada, ela… bem, não direi que é falsa, pois não era, mas muito rara de acontecer. Estas armaduras eram muito caras e só nobres e ricaços poderiam pagar por elas, já que eram feitas sob medida e demorava um bocado de tempo e custava uma fortuna, e só nobres tinham as duas (mas nem todos, também). Quanto mais “rica” a armadura, com pintura, desenhos, enfeites e entalhes, mais ricaço ainda era o cavaleiro. Para guerra normal, a peãozada ia protegido com… bem, na verdade se fossem com um escudo de madeira estavam com sorte. E, claro, o nobre não ia na frente. Isso do rei em sua armadura brilhante, montado num cavalo branco, indo na frente liderando é coisa de filme, também.
Sim, cavaleiros negros existiam, porque existiam armaduras negras. Havia de todas as cores que o cliente quisesse (e pudesse) pagar. Algumas chegariam ao preço de um jatinho particular, mas hoje você pode comprar por uns 1000 dólares, que convertendo pra real, com frete e impostos, dá o valor de um jatinho particular.
Algumas dessas armaduras tinham lindos tons de azul, preto e dourado, mas isso remete a um pequeno problema: como os armeiros dos séculos entre XV e XVII conseguiam isso? Magia? Nah, algo um pouquinho mais engenhoso que isso!
A questão começou quando os restauradores do Wallace Collection, em Londres, Inglaterra, estavam trabalhando em manoplas (manopla é o nome das “luvas” de armaduras, que não eram bem luvas, mas coberturas para os dorsos das mãos e dedos) da coleção que pertenceu a Lord Buckhurst em 1587, pouco antes que a Invencível Armada da Espanha resolvesse peitar a Inglaterra, que fatalmente ia se ferrar, se não tivesse dado sorte pela frota de galeões espanhóis afundarem dado um temporal não previsto por ninguém. Elisabeth I ficou tirando onda, a Inglaterra, que estava mal das pernas floresceu como império, a Espanha tomou sério na cabeça e só não foi conquistada pela Inglaterra, porque esta estava cheia de dívidas. Elisabeth I depois faz um acordo com os piratas, entre eles Francis Drake, e o resto é história que um dia contarei, ou este artigo ficará enorme, desviando muito do assunto. Pesquisem vocês aí.
A bem da verdade, o título Lord Buckhurst só apareceu em 1870. na época eles eram chamados Condes de Dorset, e pela data, esta armadura pertenceu ao 1º Conde de Dorset, Thomas Sackville, nascido em Dorset em 1536, tendo ocupado o cargo de Lord High Treasurer, algo como Secretário do Tesouro, e era a terceira pessoa mais poderosa na Inglaterra. Então, analisando as datas, não, Thomas de Sackville nunca usou esta armadura em combate.
Bem, o artigo é sobre a armadura e não sobre o Conde de Dorset, Lord Buckhurst etc. Com podemos imaginar, os restauradores não sabiam como os armeiros que fizeram a referida armadura realizaram a proeza. Pigmento? Não, não era, porque não havia vestígio de pigmento. Feito diretamente no metal? Provável, mas como? Sendo assim, pediram ajuda ao dr. Alex Mellor, do Departamento de Física da Faculdade de Ciências Naturais do Imperial College de Londres, que fica em Londres, também, praticamente virando a esquina.
Mellor fez o melhor que sabe fazer: Usou uma técnica chamada elipsometria
Robert Boyle observou que as cores formadas nas superfícies das bolhas de sabão eram bem relacionadas pela esperrura da referida bolha. Mais tarde, usou-se esta propriedade para se desenvolver uma técnica para medir espessuras de filmes muito finos, e é isso que se chama “Elipsometria”, em que os primeiros aparelhos de medida apareceram na década de 1970, mas só a partir da década de 1990 elipsômetros espectroscópicos começaram a ser usado em pesquisas, assim como como refratômetros elipsométricos.
A técnica de elipsometria, basicamente se trata de medir a mudança do estado de polarização da luz incidente, após reflexão sobre a superfície. Quando uma luz atinge um determinado meio, ela se reflete de forma polarizada, ou seja, ao invés da onda eletromagnética vibrar em todas as direções, passa a vibrar em uma única direção. As medidas consistem em irradiar a superfície de uma amostra em um ângulo de incidência bem conhecido, com uma luz de comprimento de onda bem definido, e determinar a diferença entre os estados da polarização dos feixes incidentes e refletidos, analisando os três ângulos: de incidência, de reflexão e de polarização. Sem colocar aqui um festival de equações matemáticas que só são úteis para pessoas como o dr. Mellor, basta saber que as leituras do ângulo de incidência, comprimento de onda, ângulo de reflexão e do plano de polarização, bem como uma tabela relacionando com padrões estabelecidos com diferentes superfícies, cientistas conseguem dizer o que tem ali na amostra-problema.
Em outras palavras, de maneira mais bruta possível (tão básica que o pessoal especializado vai querer comer o meu fígado): você escolhe uma luz qualquer, faz PEW PEW PEW no que você quer analisar, mede o ângulo do feixe que acertou a peça, o ângulo que “ricocheteou” (EU SEI!) de lá e o quando a polarização girou pro lado. Essa bagaça toda vai pro computador, que vai comparar esses números todos com um banco de dados de diversas superfícies conhecidas, bem como a seção da amostra (sim, se a área da peça e seu formato influenciam) e a impressora começa a cuspir o resultado. Dá pra fazer manualmente, mas por que não automatizar? Em que tempo você pensa que está? Na porcaria do século XVI?
Mellor analisou a assinatura da manopla com modelos matemáticos pré-estabelecidos e determinou que a manopla… preparados? Era de aço medieval, aquecido a um ambiente rico e, oxigênio graças a grandes foles bombeando ar pra dentro da fundição que estava a 250ºC, fazendo com que o aço do ferro se combinasse com o oxigênio formando óxidos como hematita e magnetita, sendo esta última o que deu o tom azulado da peça. UFA!
Não, péra, péra. Ok, que isso explica o tom azulado. Mas e as partes douradas?
Excelente pergunta! Sabe-se que o processo de douração era puramente químico. Não, não se usava ouro por vários motivos. Primeiro, porque ouro é caro e não se usava assim, sem mais nem menos. Em segundo lugar, ouro é uma bosta de metal molenga que você amassa com os dentes. Se esta porcaria de metal sem graça fosse usado, lascaria fácil, fácil e… eu falei que ele era, é e vai continuar caro por algum tempo, né? Sendo assim, o que se usava era… cobre.
Primeiro, a peça era protegida e depois tratada em certas partes com decapagem ácida. Depois, aplicação de cobre e uma amálgama de ouro em mercúrio. Traços de ouro ajudam a dar a tonalidade adequada ao cobre que, dependendo da impureza, acaba com um belo tom dourado, como se toda a parte aplicada fosse inteirinha de ouro. Depois de tudo posto no lugar, o mercúrio era evaporado e ficava a mistura de cobre e ouro, com um belíssimo resultado. Fico pensando aqui se o rei, cavaleiro etc pensavam que tudo aquilo era ouro e pagava caro pela peça com ouro que seria necessário para fazer os ornamentos, com os armeiros e artesãos embolsando a diferença de ouro, depois de ter aplicado só uma pequeníssima quantidade.
A armadura de Lord Buckhurst ficou para a posteridade. Seus segredos de manufatura, dia-a-dia estão sendo descobertos. Muitas das tecnologias do século XVI se perderam e o que não se sabe está se descobrindo com a tecnologia do século XXI. Me faz pensar que muito do que fazemos hoje será perdido daqui a alguns anos e arqueólogos e cientistas do século XXX descobrirão com suas peças, ferramentas e equipamentos e pensarão o quanto éramos engenhosos.
Isso se não nos matarmos até lá. Aí, só no século LI, quando aliens estiverem visitando o planeta no qual já não estamos mais.
Hummmm…. acho melhor eu deletar o histórico do meu navegador.
Fonte: Imperial College