Quando passamos a beber leite?

A bem da verdade, bons mamíferos que somos, jamais éramos parta continuar bebendo leite ao longo dos anos. Intolerantes à lactose seriam a regra e não a exceção hoje em dia, mas houve algo que mudou isso. Claro, se houvesse evolução, a maioria de nós seria tolerante à lactose (como somos), mas somos um processo desenhado por um projetista inteligente, que nos deu partos dolorosos e dores na coluna por causa de nossa posição ereta.

A verdade é que Evolução é fato, larga maioria tem tolerância à lactose e a ingestão do leite, com todas as sua proteínas, sais minerais e vitaminas, mudou nossa história, pois mudou a nós mesmos. Mas, podemos precisar quando isso começou a ocorrer?

Vão até a estante, pois mesmo sendo domingo, sempre é dia de consultar O Livro dos Porquês!

Vamos entender, primeiro, como era antigamente. Você era um lindo bebezinho. Tomava o leitinho de sua querida mamãe, enquanto tudo à sua volta fazia questão de tentar lhe matar. Se você desse sorte de sobreviver até os 4 primeiros anos de vida, seu corpo pararia de produzir lactase, a enzima responsável por quebrar as moléculas de lactose em unidades menores e mais facilmente absorvidas pelo organismo.

Aquele pobre coitado que insistisse em continuar bebendo leite, ganharia de presente cãibras, diarreia, desidratação e, com muita sorte, você não morreria disso. Não era para continuarmos mamando, o que tem todo o sentido biológico (mal aê, Átila). Caso contrário, o espertão não sairia de casa, sugando mamãe até não poder mais, ao invés de ir catar seu próprio alimento (correndo o risco de ser alimento de alguém).

Lá pro ano 10.000 A.E.C., algo começou a mudar, e foi por causa de uma mutação. Afinal, mutação é isso: mudanças. Em algum lugar perto do que hoje é a Turquia moderna, um camarada ganhou de presente uma mutação que lhe possibilitava digerir lactose melhor. Normalmente, mutações assim são espalhadas pelos pais. Normalmente por terem mais parceiras, garantindo que seus genes espalhem melhor. Daí, estes filhos terão outras parceiras, levando a mutação aos quatro cantos do mundo.

Em poucos milhares de anos, a uma taxa de expansão dessa mutação foi enorme, espalhando-se por toda a Eurásia, Grã-Bretanha, Escandinávia, Mediterrâneo, Índia e todos os pontos entre, parando apenas no Himalaia. Houve outro camarada que desenvolveu esta mutação e espalhou pelo pessoal da África e Oriente Médio, mas não nas Américas, Austrália ou no Extremo Oriente. Ainda assim, há muitas pessoas intolerantes à lactose na Índia, e, claro, 80% dos indígenas têm intolerância à lactose. Mas, obviamente, o contato com o homem branco mudou isso, mas não muito.

Com a tolerância à lactose, o pessoal de antigamente aprendeu que podiam usar o leite de animais, como vacas, cabras etc. Assim começou o gado leiteiro sob confinamento, o que até ajudou na produção de espécies que davam mais leite, através de cruzamentos e seleção artificial, como aconteceu com o gado Holstein-Frísia.

Há algumas controvérsias sobre se o leite é realmente necessário para o tratamento da osteoporose, como se ele só servisse para tratar osteoporose. De qualquer forma, alguns arqueólogos estudam restos de dentes que podem ligar o consumo de leite com a formação de cálculo dental, mais conhecido como "tártaro" (molho tártaro não é feito com essas placas nos dentes. Just saying!).

A drª Christina Warinner trabalha no Laboratório de Antropologia Molecular e Pesquisa de Microbioma, além de ser professora de Antropologia da Universidade de Oklahoma. É praticamente uma Bones sem os surtos. Ela estuda restos humanos e praticamente está rodeada de gente morta. Todo o tempo!

Como a universidade tem uma graninha no fundo do bolso da calça, Christina pôde utilizar técnicas baseadas em espectrometria de massa, detectando uma proteína do leite, a beta-lactoglobulina, em dentes antigos com uma crosta de tártaro. Essa proteína é usada para determinar a quantidade de leite ingerido por determinada pessoa. Isso significa que o tártaro foi causado pelo leite? Calma lá, até aí só sabemos que quem tinha tártaro bebia leite. Não é isso que Christine estava procurando.

"O que ela estava procurando?", perguntarão vocês. "Simples", responderei eu: "Ela estava procurando indícios diretos do consumo de leite por determinada população". "Mas isso é estranho", retrucarão vocês. "Isso já sabemos. por que pesquisar isso, quando poderíamos dar leite às populações famintas da África". "Por vários motivos", insistirei eu.

Primeiramente, dar leite pras criancinhas da África vai ser só para ferrá-las de vez, já que asiáticos e africanos ainda têm um grande percentual de pessoas intolerantes à Lactose. Se os derivados de leite não forem fermentados, a probabilidade de causar mais mal do que bem é altíssima. Graças a vários pesquisadores, pelo menos, temos leites isentos de lactose, com o qual podemos aproveitar tranquilamente outros nutrientes do leite.

Mas voltando à pesquisa de Christine, as informações sobre o uso de leite pelas populações humanas vieram de dados indiretos, como cerâmicas, desenhos etc. Não havia uma marcação molecular dizendo "fulaninho bebia leite". Não é uma questão que o leite deu tártaro. Ele teve tártaro por vários motivos, principalmente a praticamente ausência de higiene bucal. O tártaro apenas segurou a proteína do leite, de forma que milênios depois pudessem ser analisados pelos cientistas.

Vocês podem ler o artigo na Nature, pelo qual você ficará sabendo que a evidência direta data o consumo de leite em, pelo menos, mais de 5000 anos. Sabemos que foi antes, mas até agora, o único indício direto é esse, o que não derruba nenhuma pesquisa anterior.

Desde o início, aprendemos a usar nossas peculiaridades ao nosso favor. Entendemos um pouco de nós mesmos e passamos a usar isso de forma a mudar o mundo, criando fado e mudando a História. Algo tão simples como uma mutação produziu enormes fazendas de gado, moldou cidades, construiu impérios e fundou civilizações. Mas, claro, essas mudanças ocorreriam se houvesse mutações e seleção natural, o que não existe. Vivemos num mundo fixista, em que as coisas são as mesmas como eram há 6000 anos, quando o mundo foi criado.


Para saber mais:

Um comentário em “Quando passamos a beber leite?

  1. (Que bom que quase tudo voltou ao normal. Ainda, ao clicar no botão “LOGADO” exibe página de endereço não existente. Vou ao WordPress e logo por lá.)

    Ao texto.

    Todos os mamíferos têm um decréscimo dramático na lactase após o desmame. No mundo todo, os humanos perdem de 90% a 95% dos níveis de lactase ao nascimento no início da infância e existe um contínuo declínio na lactase durante a vida. Entretanto, a prevalência de hipolactasia varia amplamente entre os diferentes grupos étnicos. Estimativas variam de 2% em pessoas no Norte da Europa até quase 100% em adultos da Ásia e americanos indianos. Os negros têm prevalências de 60% a 80% e os latinos, de 50% a 80%.
    A evolução é um fato, mas não pode-se afirmar que “larga maioria” é tolerante à lactose. Ah! lactose é agente cariogênico – por isso encontrado facilmente no tártaro dentário.
    Muito bom o artigo em geral.

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