Arquimedes usou espelhos para atear fogo em barcos romanos ou isso é ficção?

espelho_arquimedes.jpgArquimedes é conhecidíssimo de quem estuda História da Ciência, mesmo que por alto. Ao que se sabe, ele teria nascido em cerca de 287 A. E.C., em Siracusa, na Sicília e, antes que você pense besteira, ele não era mafioso. Muitas histórias rondam Arquimedes, mas sabe-se que ele era um notável matemático e inventor. Uma das mais conhecidas é quando Hierão, rei de Siracusa, mandou fazer uma coroa e ficou desconfiado do ourives. Daí, chamou Arquimedes para resolver o problema. Arquimedes, ao tomar banho de assento imersão viu que a água transbordava e, assim, viu que a quantidade de água transbordante era igual ao volume de seu corpo. Ele saiu correndo pelado pela cidade gritando Eureka e não se sabe o que aconteceu com o ourives, que na certa não teve final feliz.

Outra história comum de Arquimedes diz que ele usou espelhos côncavos para incendiar navios romanos, durante a Segunda Guerra Púnica. Mas, será verdade? Sobre Hierão, não se sabe ao certo, só histórias. Sobre os espelhos… Quem sabe? Até que ponto isso é fato ou boato? É o que uma equipe de cientistas procurou saber, estudando a fundo a ciência envolvida por detrás disso.

As Guerras Púnicas foram um embate (na verdade, vários) entre uma Roma em expansão e o reino bem fundamentado de Cartago. Públio Cornélio Cipião, também chamado Cipião, o Africano, era um general e senador romano e enchia o saco de todo mundo, insistindo em ir à guerra contra Cartago, para (muitos) anos depois ser substituído pelo senador Catão, o Antigo, que proferia sempre as mesmas palavras Delenda est Cartago, Cartago precisa ser destruída! E foi.

Cartago era um grande império comercial, que negociava com todo mundo, inclusive as cidades-estado gregas. Eles eram tão espertos que sabiam que um de seus maiores rivais no comércio era o vinho grego. Assim, eles entraram com tudo e usaram uma técnica de propaganda que faria Washington Olivetto aplaudir de pé: eles rotulavam (rótulo no sentido de entalhar no jarro, mesmo) seu vinho com nomes escritos com caracteres gregos. Show, não é mesmo?

Eles tinham uma marinha muito eficiente e tinham um sistema próprio de encaixar as peças, devidamente marcadas, onde podiam fazer um sistema de produção em série, tal qual Henry Ford bolou na sua fábrica de automóveis, muitos e muitos séculos mais tarde. No mundo comercial, nada se cria. Entretanto, Roma não ia deixar barato e – como muito custo, diga-se de passagem – transformou as agourentas palavras de Catão em uma triste realidade: Cartago foi destruída. Aníbal, que teve a ideia estúpida de levar elefantes para cruzar os Pirineus, não conseguiu êxito. Ok, que ele manteve um acampamento em solo romano por uns 10 anos, mas não passou disso e nem expandiu a tomada de território. Em época de guerra isso significa muito pouco, mas os caras que atravessaram nos elefantes foram corajosos (ou muito burros). Aníbal recebeu notícia que Cipião (o mesmo Cipião citado acima) invadira Cartago e correu pra lá, mas foi derrotado, na batalha de Zama, no norte da África. Foi por tal feito que Cipião ganhou o apelido “Africanus” (O Africano).

Mas, que isso? Onde entra Arquimedes no exército de Aníbal? Não entra. Eu que desviei do assunto. Desculpem. Melhor voltar ao cerne do artigo.

Nosso amigo italiano… Sim, Arquimedes era italiano. Ou pelo menos nasceu no que hoje é terreno pertencente à Itália, mas esta não existia na época., pois só foi reconhecida como “Itália” no início do século XX (uma bela história, por sinal, quando finalmente acabou aquela porcaria de Inquisição… quer dizer, acabou só no nome, mas deixemos isso de lado). Na época de Arquimedes, Siracusa era uma cidade-estado, pertencente ao que os romanos denominaram de Magna Graecia (mas não era “A” Grécia).

Arquimedes era um engenheiro bélico também, o tipo de coisa comum a qualquer inventor que quisesse ganhar dinheiro, pois guerras sempre são lucrativas… menos pra quem morre nelas. Assim, ele projetou várias armas terríveis e, ao meu ver, só seria superado por Leonardo Da Vinci (que também se tornou engenheiro bélico, pois ele sabia muito bem o que dá dinheiro nesse mundo). Ele projetou guindastes e catapultas, mas a arma mais fascinante que ele teria usado seria uma série de espelhos côncavos, com o intuito de concentrar os raios do sol e atear fogo nos barcos romanos. Entretanto, o que se sabe disso detalhadamente por fontes da época é: NADA! Não há uma fonte sequer que confirme isso e, pelo que se sabe, as primeiras referências diretas a tal equipamento provém de escritores medievais.

Os poucos relatos contemporâneos foram do médico romano Galeno, que escreveu que uma das armas de Arquimedes colocara fogo nos barcos romanos, só que ele não descreveu como. Luciano de Samosata, historiador do 2º século da Era Comum (uns 300 anos depois de ter acontecido), relata em sua obra Hippias que Arquimedes teria inventado várias armas de guerra, incluindo catapultas, a terrível “Mão de Ferro” (um guindaste que pegava os navios e os levantava), um “Canhão a Vapor” e aquilo que ficou conhecido como o “Raio da Morte” ou “Raio de Calor” do Império Galáctico, digo de Arquimedes. Entretanto, ao que parece, o uso de espelhos por Arquimedes não está tão próximo da verdade como seu bem conhecido Canhão de Vapor.

De acordo com o historiador Tzestes, Arquimedes teria utilizado um conjunto de pequenos espelhos arranjados numa superfície côncava de modo a conseguir o efeito desejado. Até mesmo os Myth Busters, Caçadores de Mitos, resolveram testar isso. Eles construíram um pseudobarco romano com os materiais da época e tentaram focalizar um espelho feito de pequenos quadrados. Conseguiram algum calor, mas nada muito efetivo; veja a série de vídeos (são 5 e não têm legendas, lamento).

Como podem ver, o espelho inteiriço possui uma ação muito mais eficiente do que o que é formado por pequenos pedaços. Mas os espelhos que captam imagens de grandes telescópios não é formado por pequenos espelhos? Sim, mas eles estão muito bem encaixados, com cortes milimetricamente perfeitos, coisa que Arquimedes não tinha como conseguir na época. O efeito resultante era uma eficiência muito menor. Além disso, os barcos não ficariam caprichosamente parados, esperando serem incendiados Saindo do ponto (ou distância) focal do espelho, nada aconteceria, e os romanos não eram tão inocentes assim.

Os alunos do MIT aceitaram um desafio de fazer funcionar o Raio da Morte,  e o resultado foi… SUCESSO! Vocês podem ver todo o processo no site oficial. Obviamente, com o conhecimento que temos hoje pode-se dizer que é mais fácil. Ainda assim, os alunos de 2009 conseguiram.

Voltando ao tempo de Arquimedes, temos, entretanto, um outro detalhe: água! A água tem alto calor específico. Só para você ter uma ideia do que isso significa, pode-se fazer um copo de papel, colocar água dentro e colocar para ela ferver. O copo não queima. Não acredita? Ok, faz bem não acreditar em qualquer coisa que lhe falem sem provas, como essa aqui:


Não me responsabilizo se você for testar isso em casa.

Isso acontece porque a água possui alto calor específico. Agora, imaginem que aqueles barcos estavam na água e… bem, eu presumo que estavam molhados. E mesmo que apontassem para as velas, bastava se mover um pouco e já era a distância focal, que deveria ser fixa, dado que o espelho deveria ser grande e dar um trabalhão para movê-lo. No máximo, da esquerda pra direita.

Dessa forma, parece que temos um mito nessa história. Ao menos é o que pensa Cesare Rossi, um engenheiro mecânico da Università degli Studi di Napoli Federico II, autor do livro Ancient Engineers’ Inventions: Precursors of the Present (download AQUI).

Para Rossi, é muito mais provável que Arquimedes tenha usado um canhão a vapor, que lançaria esferas de barro com uma mistura incendiária, conhecida como fogo grego, que consistia basicamente numa mistura de óxido de cálcio (CaO), betume, nitrato de sódio (o chamado “salitre”), enxofre e nafta. Como podem ver, é quase a fórmula da pólvora negra e foi muito usada pelos bizantinos, mas parece que eles se inspiraram em alguns escritos gregos.

Evidências indiretas para o canhão de vapor também vem historiador Plutarco, que conta a história de um dispositivo que obrigou os soldados romanos a fugir em um ponto das muralhas de Siracusa. Rossi calculou que canhões poderiam ter disparado uma bala de canhão pesando cerca de 6 kg, a velocidades de cerca de 60 metros por segundo, o que não é pouco com tal tecnologia rudimentar. Isso permitiu que os canhões para, eventualmente, acertar navios a distâncias de cerca de 150 m, mesmo usando uma trajetória quase plana, mas não totalmente, já que projéteis seguem trajetórias parabólicas.

Usando a força de vapor d’água, é muito fácil conseguir tal propulsão. Se vocês prestaram atenção nas aulas, sabem que 1 mol de qualquer gás nas CNTP (utilizando pressão atmosférica de 1atm a 0 ºC) ocupa 22,4 litros. Isto significa dizer que 18g de água vaporizada (nas CNTP, reafirmando) ocupa mais de 22 litros, e se levarmos em conta que com o aumento da temperatura há expansão volumétrica, vemos que 20 litros de água podem fazer um estrago, o que pode ser evidenciado por qualquer um que não limpou sua panela de pressão direito, encheu até a metade com água e colocou no fogo. O próprio Da Vinci projetou canhões a vapor, creditando a Arquimedes a invenção.

Mesmo que a história do uso de espelhos possa ser um mito, nada depõe contra o gênio de Arquimedes, que tanto nos ensinou na Matemática, Geometria, Engenharia e Física. Arquimedes também é um dos Grandes Nomes da Ciência.


Fonte: Live Science

17 comentários em “Arquimedes usou espelhos para atear fogo em barcos romanos ou isso é ficção?

  1. Segue a 1ª parte da revisão do mito de Arquimedes. Eles levaram o pessoal do MIT para tentar reproduzir o feito do vídeo. Os videos são dublados.

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  2. Eu já fiz esse espelho. Colei um monte de espelhinhos de 2 cm² numa antena sky. Colocava fogo em papel facilmente. Muito legal!!!

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      1. @André, Como num pensei nisso antes? Muito mais simples. Aff

        Aproveitando o assunto: André, vc já ouviu falar de um motor de imãs que não é necessário combustível? Está sendo desenvolvido por japoneses.

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  3. “Se vocês prestaram atenção nas aulas, sabem que 1 mol de qualquer gás nas CNTP (utilizando pressão atmosférica de 1atm a 0 ºC) ocupa 22,4 litros. Isto significa dizer que 18g de água vaporizada (nas CNTP, reafirmando) ocupa mais de 22 litros”

    Isso nao faz qualquer sentido, já que nas CNTP, a água não está vaporizada. Se vc quer dar um exemplo melhor, estou com uma tabela termodinâmica aqui por perto. A 1 atm, ao vaporizar, cada kg de água passa a ocupar 1,16 m^3, ou seja, 1160 litros. Fazendo pra 18 gramas como vc fez, isso dá 20,88 litros. O resultado deu próximo, mas o problema está no argumento, e nao no valor. Além disso, gás ideal nao é uma boa aproximação pra modelar vapor d’água.

    Continue com seu bom trabalho.
    Sempre leio o seu blog e espero poder contribuir qd possível.

    Abraço

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    1. Não está vaporizada? Por causa de quê? Do ponto de congelamento? Sim, eu posso ter água em estado de vapor a 0 ºC, talvez menos. Este é o maravilhoso mundo do equilíbrio metaestável. :)

      Eu posso modelar um gás ideal com água, pois o nome já diz: é ideal, uma ideia, não existe tal coisa no mundo real. Preferi usar água por ser substância comum, onde qualquer um com um mínimo do mínimo conhecimento pudesse me acompanhar, sem prestar atenção a detalhes sobre qual substância é.

      Mas eu aceito sua observação de qualquer forma, pois vc não está errado (na verdade, nem eu, mas como vc falou, é uma questão de argumento). O que eu quis mostrar foi que mesmo com o aumento gradativo da temperatura, eu poderia ter larga expansão. Em fato, isso faz sua observação melhor ainda e me mostrou uma deificiência de uma falta de continuidade no meu pensamento. :D

      Eu realmente deveria ter desenvolvido melhor o raciocínio (diabos, por que eu não coloquei um gráfico mostrando a expansão volumétrica?). Obrigado, prestarei mais atenção e conto com suas observações/correções em qualquer artigo, de modo que ele fique o mais claro possível.

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  4. “Não está vaporizada? Por causa de quê? Do ponto de congelamento? Sim, eu posso ter água em estado de vapor a 0 ºC, talvez menos. Este é o maravilhoso mundo do equilíbrio metaestável.”

    Existe um princípio termodinâmico que diz que podemos definir o estado termodinâmico de qualquer substância com apenas duas propriedades, ou seja, se vc deu pressao e temperatura, a energia interna específica, entalpia específica, volume específico, enfim, todas as outras propriedades sao definidas pra essa temperatura e pressao. Então, ao dizer que algo está nas CNTP, vc definiu completamente o estado termodinamico da substancia. No caso da água, nas CNTP ela é liquido ou sólido ou uma mistura bifásica dos dois. A água pode ser vapor a 0C, com certeza. Porém não nessa pressão.

    “Eu posso modelar um gás ideal com água, pois o nome já diz: é ideal, uma ideia, não existe tal coisa no mundo real.”

    Falha minha. Pra fins didáticos não há problema. É que disse isso pensando em projetos mesmo. Não é uma boa aproximação considerar a energia interna dependente só da temperatura (gás ideal), pro caso da água, mas pro ar é uma ótima aproximação. Em todo caso, esqueça esse comentário, só expliquei pq disse isso, mas o teu modelo serviu ao propósito proposto.

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    1. Se vc não consegue abstrair algo de forma a ver que outras pessoas que sequer imaginam o que é um estado termodinâmico possam acompanhar um simples raciocínio (e que é totalmente irrelevante à questão), a culpa não é minha. A explicação não era pros que sabem e sim pros que não sabem. Isso não afeta em nada o conhecimento, pois isso é uma explicação grosseira e nem era o ponto do artigo, pelo qual vc se apegou tão ferrenhamente.

      Eu poderia continuar esta questão dizendo perguntando a temperatura e pressão da água a uma altura de 4 km. Em seguida, perguntaria: pq há vapor de água lá, já que toda a água deveria ter se condensado. São questões irrelevantes e não entrarei mais no mérito do assunto. Caso encerrrado

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  5. Muito bom o artigo, sempre achei que a idéia era bem “possível”, mas não prática.
    Tem um conto, que é uma homenagem a essa arma do Arquimedes, um verdadeiro Raio da Morte, do Arthur C. Clarke, não me lembro do título em português, mas era maomeno assim: um paisinho fanático por futebol arranja um jogo com um rival, o juiz é de fora e os nativos sabem que ele “pode” roubar, então armam um esquema tipo “abertura da NFL” onde os torcedores tem um “cartaz”.
    O tal cartaz não forma uma imagem, mas tem um espelho no verso e, a um comando, todos viram o espelho e refletem o Sol no juiz, à la matar formiga com lupa.

    Arthur C. Clarke. “A Slight Case of Sunstroke”

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