
Existe uma pequena cidade na Alemanha que conseguiu o feito raro de ser simultaneamente a coisa mais fantástica e mais absurda do mundo. Nördlingen não é apenas uma cidade medieval perfeitamente preservada, pois, isso seria banal demais até para os padrões alemães. Não, ela teve que ir além e se instalar no meio de uma motherfucking cratera de meteoro de 15 milhões de anos, construir suas casas com pedras cravejadas de diamantes microscópicos e ainda por cima servir de campo de treinamento para astronautas da NASA. É como se alguém tivesse decidido misturar Game of Thrones com Armageddon e jogado um pouco de 2001: Uma Odisseia no Espaço só para dar aquele toque de sofisticação científica.
A história oficial de Nördlingen começa no 898, quando alguém achou que seria uma boa ideia fundar uma cidade numa depressão circular de 25 km de diâmetro. Por mais de mil anos, os habitantes viveram felizes e despreocupados, construindo suas casas com pedras locais e achando que habitavam apenas mais um vale alemão comum. Coitados. Eles não faziam ideia de que estavam literalmente vivendo no epicentro de uma das maiores pancadas que o nosso planeta já levou.
Os alemães, claro, não perderiam a chance de dar um nome à altura do acontecimento. Se dependesse do entusiasmo linguístico local, a cidade se chamaria algo como Stadtgebautwegeneinesfelsbrockensderherunterfielundeinriesigeslochindenbodenriss. Felizmente, ficaram com Nördlingen mesmo, o que facilita bastante na hora de comprar a passagem de trem.
O meteoro que criou a cratera de Nördlinger Ries tinha aproximadamente um quilômetro de diâmetro e resolveu fazer sua entrada triunfal na Terra há cerca de 14,5 milhões de anos, viajando a módicos 70.000 km/h. Para você ter uma ideia do estrago, o impacto foi tão violento que criou nada menos que 72.000 toneladas de microdiamantes. Não é todo dia que um acidente cósmico deixa uma herança de pedras preciosas, mas o universo às vezes tem seus momentos de generosidade perversa.
O mais delicioso de toda essa história é que durante séculos os habitantes de Nördlingen construíram suas casas, igrejas e muralhas com uma pedra local chamada suevita, sem saber que estavam literalmente decorando a cidade com diamantes. A Igreja de São Jorge, por exemplo, contém cerca de 5.000 quilates de diamantes microscópicos incrustados em suas paredes. É o tipo de ironia que só a geologia consegue proporcionar: uma cidade inteira coberta de diamantes… e ninguém sabia!
A verdadeira origem da cratera só foi confirmada nos anos 1960, quando cientistas provaram que aquela depressão circular não era resultado de vulcanismo, como se pensava, mas sim de um impacto meteórico. Imagine a cara dos moradores ao descobrirem que viviam sobre os destroços de um acidente cósmico pré-histórico. É como descobrir que sua casa foi construída sobre um sítio arqueológico, só que, neste caso, o sítio arqueológico veio do espaço.
E o mais incrível: esse cenário medieval e extraterrestre continua sendo usado como laboratório da ciência espacial. No início dos anos 1970, astronautas das missões Apollo 14 e 17 desembarcaram na tranquila cidade bávara para aprender a identificar rochas e praticar coletas de amostras. Era o único lugar na Terra onde podiam simular uma caminhada lunar sem precisar sair do planeta. A ligação entre o lugar e as viagens espaciais continuaria décadas depois: Charles Duke, da Apollo 16 – embora não tenha treinado em Nördlingen – trouxe amostras lunares reais que hoje podem ser comparadas às suevitas da região no Museu da Cratera Ries. Uma conexão improvável entre o solo lunar e o chão das ruas da Baviera.
O que torna essa cratera ainda mais especial é que ela é um dos raríssimos exemplos na Terra do que os cientistas chamam de “cratera de rampa”, um tipo de formação normalmente encontrado em Marte. É como se Nördlingen fosse um pedacinho de planeta vermelho que decidiu fazer turismo aqui na Terra e acabou gostando tanto que resolveu ficar.
E se você acha que a história não poderia ficar mais absurda, saiba que até hoje a NASA e a Agência Espacial Europeia continuam usando Nördlingen como campo de treinamento para astronautas. Desde 2016, o programa PANGAEA (Planetary Analogue Geological and Astrobiological Exercise for Astronauts), da ESA, com participação da NASA, utiliza a cratera de Nördlingen como um de seus principais laboratórios ao ar livre. O objetivo é preparar astronautas para missões à Lua e a Marte, ensinando-os a identificar rochas, interpretar terrenos e aplicar técnicas de amostragem, tudo isso em condições geológicas que imitam as de outros planetas.
O curso do PANGAEA é dividido em fases teóricas e práticas em locais análogos, como Bletterbach Canyon (Itália), Lanzarote (Espanha), Lofoten (Noruega) e, claro, o Ries. Lá, os astronautas estudam crateras de impacto, procuram minerais como quartzito chocado e fazem simulações de coleta de amostras. Algumas das missões recentes incluíram:
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2021: Treinamento com Andreas Mogensen (ESA) e Kathleen Rubins (NASA), com foco em coleta de amostras lunares.
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2023: Participação de Thomas Pesquet (ESA), Takuya Onishi (JAXA) e Jessica Wittner (NASA), com testes da Handheld Universal Lunar Camera (HULC).
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2024: Rosemary Coogan (ESA), Arnaud Prost (ESA) e Norishige Kanai (JAXA), em simulações voltadas ao polo sul lunar.
O RiesKraterMuseum e o Centro para Pesquisa de Crateras de Impacto (ZERIN) oferecem suporte técnico, laboratórios e orientação científica. Embora o treinamento técnico dos astronautas também ocorra em outros ambientes simulados, a parte geológica que acontece em Nördlingen é considerada essencial para as futuras missões Artemis de retorno à Lua.
Hoje, Nördlingen é uma das apenas três cidades alemãs que ainda preservam completamente suas muralhas medievais. Ironia das ironias: a cidade que nasceu da mais violenta das destruições cósmicas conseguiu preservar suas estruturas humanas de forma quase intacta. É um paradoxo que até mesmo os roteiristas de Hollywood achariam exagerado.
Os turistas que visitam Nördlingen podem caminhar pelas muralhas, subir na torre da Igreja de São Jorge e contemplar a vista circular da cratera, sem imaginar que estão pisando sobre bilhões de diamantes microscópicos. É o tipo de experiência que só a realidade consegue proporcionar: um museu a céu aberto onde a arquitetura medieval convive com mineralogia extraterrestre, e onde cada pedra conta uma história que vai desde a Idade Média até os primórdios do sistema solar.
Nördlingen permanece como uma das pegadinhas mais elegantes que o universo já pregou na humanidade: uma cidade onde o passado medieval se encontra com o futuro espacial, onde diamantes microscópicos adornam igrejas góticas, e onde astronautas vêm aprender a pisar na Lua. É prova de que, às vezes, a realidade é mais fantástica que qualquer ficção científica… e infinitamente mais irônica.

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