Como a Antártida vai afundar o Caribe primeiro

Você provavelmente imagina que quando um imenso bloco de gelo derrete na Antártida, aquela água se espalha uniformemente pelo oceano global, como quando você enche uma banheira e o nível sobe igualmente em todos os cantos. É uma ideia reconfortante na sua simplicidade, quase democrática. O problema é que o planeta Terra tem um senso de justiça absolutamente deplorável e uma predileção preocupante por ironia física.

Enquanto toneladas de gelo derretem no fim do mundo, quem realmente vai sentir o maior impacto são lugares como as Ilhas Marshall, Jamaica e Palau, que ficam a milhares de quilômetros da Antártida e contribuíram praticamente nada para o aquecimento global. É como se alguém quebrasse sua janela e a conta aparecesse na casa do vizinho três quarteirões adiante.

Um novo estudo publicado em novembro de 2025 finalmente mapeou essa geografia com precisão cirúrgica. Cientistas combinaram modelos computacionais do manto de gelo antártico, da Terra sólida e do clima global para entender exatamente como o derretimento no polo sul vai redistribuir água pelo planeta. Os resultados são tão fascinantes quanto perturbadores.

A questão toda começa com gravidade. Mantos de gelo são massivos, realmente massivos. A Antártida contém cerca de 70% de toda a água doce do planeta (ou 90% do gelo mundial, se preferir pensar assim). Essa massa colossal exerce uma atração gravitacional significativa sobre a água do oceano ao redor, puxando o mar em direção ao continente gelado, como a Lua puxa os oceanos nas marés. Quando o gelo derrete e essa massa diminui, a atração gravitacional enfraquece. Resultado? O nível do mar cai perto da Antártida e sobe longe dela. Algumas regiões próximas, como partes da costa sul-americana, podem até ver o nível do mar baixar em termos absolutos, uma peculiaridade geofísica que parece saída de ficção científica, mas que é física pura.

O derretimento também muda a rotação do planeta. Quando você remove massa de um lado da Terra, o eixo de rotação se ajusta, redistribuindo água pelos oceanos de forma não uniforme. Esses conceitos não são novidade, cientistas já os discutem desde pelo menos 2009, mas o que esse estudo traz de inédito é um mapeamento detalhado de onde exatamente cada região vai sentir o impacto, combinando modelos que levam em conta a complexa interação entre manto de gelo, crosta terrestre e oceanos.

Há ainda o fenômeno do rebote isostático. Sob o manto de gelo existe o manto terrestre, que flui lentamente como xarope de bordo (a comparação é dos próprios cientistas). Quando o peso do gelo diminui, a rocha abaixo se expande de volta para cima. Na Antártida Ocidental, esse rebote acontece mais rápido que na Oriental. Em teoria, esse levantamento pode tirar partes do gelo do contato com águas oceânicas mais quentes, mas aqui vem o detalhe crucial: isso só funciona se as emissões forem reduzidas drasticamente e rapidamente. Contar com o rebote isostático para nos salvar sem cortar emissões é como esperar que o airbag funcione depois de desativar os freios.

Os pesquisadores rodaram simulações para dois cenários. No moderado, onde o mundo reduz emissões mas não o suficiente para manter o aquecimento abaixo de 2 graus Celsius, a elevação média causada apenas pelo derretimento antártico seria de cerca de 10 centímetros até 2100 e mais de um metro até 2200. Somando Groenlândia e expansão térmica da água, as projeções gerais chegam a 30-60 centímetros até 2100.

Mas aqui vem a parte inquietante: no cenário moderado, as regiões que vão sofrer a elevação mais dramática, chegando até 1,5 m apenas por causa da Antártida até 2200, são as bacias dos oceanos Índico, Pacífico e Atlântico ocidental. Nações insulares no Caribe e no Pacífico central já veem os impactos devastadores. Muros de contenção já cercam grande parte de Majuro, capital das Ilhas Marshall, enquanto o oceano avança implacavelmente.

No cenário de altas emissões, que felizmente parece menos provável mas permanece uma possibilidade perturbadoramente real, os números se tornam assustadores: 30 centímetros até 2100 e quase 3 metros até 2200 só pela Antártida. Nesse cenário, uma faixa ainda mais ampla do Pacífico ao norte do equador, incluindo Micronésia e Palau, e através do Atlântico, veria elevações de até 4,3 metros até 2200.

Existe ainda um fator adicional que parece ficção científica: a água gelada do derretimento, ao entrar nos oceanos, reduz as temperaturas da superfície no Hemisfério Sul e no Pacífico tropical, aprisionando calor nas profundezas oceânicas e desacelerando temporariamente o aquecimento global do ar. É como se o derretimento criasse seu próprio freio de emergência climático. Mas não se iluda: enquanto o aquecimento pode desacelerar, o nível do mar continua subindo inexoravelmente.

O estudo mostra ainda que altas emissões ameaçam não apenas o Manto de Gelo da Antártida Ocidental, que já está contribuindo ativamente para o aumento do nível do mar, mas também o muito maior e tradicionalmente mais estável Manto de Gelo da Antártida Oriental, cuja desestabilização seria catastrófica em uma escala difícil de compreender.

Grande parte do manto de gelo antártico poderia sobreviver se os países reduzirem emissões de acordo com a meta do Acordo de Paris de 2015, mantendo o aquecimento em 1,5ºC. Mas se as emissões continuarem aumentando, isso causaria derretimento substancial e níveis do mar muito mais altos. A escolha está nas nossas mãos, ou melhor, nas nossas emissões.

O que fica dessa pesquisa é uma lição incômoda: a física não tem compromisso algum com a equidade. O derretimento no polo sul segue as leis da gravidade, da rotação planetária e da dinâmica oceânica, criando um mapa de vencedores e perdedores que parece desenhado para maximizar a injustiça. E enquanto cientistas mapeiam com precisão crescente onde e quanto o mar vai subir, a pergunta que fica é mais política do que científica: vamos agir antes que seja tarde demais, ou vamos continuar testando até onde a paciência da Física pode ir?


Fonte: The Conversation

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