Cientistas, gente esperta e o ódio que sofremos

Eu vi a postagem do Cardoso no Meio Bit sobre a série Scorpion. Ok, vá lá ler, depois você volta. Voltou? Ótimo! Não voltou? Como você está lendo isso aqui, então?

Essas séries, a bem da verdade, me incomodam um pouco. Não que eu seja criança e ache que estão retratando a realidade. Não estão, nunca irão. Mas algumas coisas me chamam muito a atenção, e é a forma estereotipada com exagero de certos personagens, e isso não é só esta série. Qualquer série em que disponha de alguém mais… espertinho.

Meu comentário no artigo, se você não o encontrou, foi:

Gênio estereotipado como uma pessoa que tem aversão a pessoas comuns ✓

Autista gênio incompreendido ✓

Criança gênio (que por acaso também é autista) ✓

Garçonete burra, peça fundamental pros expectadores se sentirem menos idiotas ✓

Ninguém os leva a sério, mas precisam deles ✓

Engenhocas e "ciência" que funcionam apenas no programa ✓

Resumindo: Big Bang Theory

Agora, estamos com o meme que todo asiático é estudioso; e para o norte-americano médio, asiático significa "chinês" (Big Bang Theory sacaneou colocando um indiano, que também é asiático, caso não saibam), assim como do Texas pra baixo é tudo México e todo mundo fala espanhol, exceto o Brasil, cuja capital é Buenos Aires e a Floresta da Tijuca faz parte da Amazônia.

Eu acho que a garçonete é por causa da frase "Se você não segue explicar algo para uma garçonete, é porque não o compreendeu inteiramente" (paráfrase). Simplesmente é o estereótipo de gente de baixa instrução, para que o público sinta empatia, já que os inteligentes arrogantes causam desconforto.

Toda série o cientista é retratado como tendo algum desvio comportamental. Querem alguns exemplos? Ok! House, Temperance Brennan (Bones), Sherlock Holmes (os das séries e/ou cinema, não o do livro), dr. Lightman (Lie to Me), Dana Skully (confesse: você gostava mais do crédulo Mulder!), Frankenstein (o do filme, não o atormentado cientista do livro), dr. Reid (Criminal Minds), Spock (fizeram dele um verdadeiro alienígena!), Daniel Pierce (Perception), Megan Hunt (Body of Proof), Gil Grissom (CSI, o verdadeiro), Monk (se bem que aqui é pra ser exagerado, mesmo) etc.

Não vou citar Big Bang Theory ou IT Crowd, pois são sitcoms de humor e, ÓBVIO, eles pecarão pelo exagero.

Agora, vamos comparar com Sherlock Holmes (o do livro): ele chega a ser… idiota. Ele nem mesmo sabia que a Terra girava ao redor do Sol, nem se importava com isso. Ele tinha um incrível poder de dedução, mas só. O inteligente mesmo era seu irmão Mycroft. Já, da Agatha Christie, o afetado Hercule Poirot é muito perspicaz e tem conhecimento enciclopédico sobre várias coisas e é extremamente arrogante, certo? Errado! Se você leu os livros, percebeu que ele não é assim com os clientes, mas com os bandidos e com o Hastings, seu amigo. Fica fácil de ver que ele simplesmente fica zoando Hastings o tempo todo, como eu costumo fazer quando digo que os melhores programas do Scicast são os que eu participo e o restante é elenco de apoio (já teve gente levando isso a sério!). Miss Marple começou como uma velha mexeriqueira, mas pelo visto tia Agatha não gostou do que fizera e reescreveu Miss Marple como uma doce velhinha que apenas queria ajudar; além disso, ainda tem um outro personagem pouco conhecido: o Superintendente Battle.

Outro exemplo? Maigret, de Georges Simenon (curiosamente, as obras literárias europeias enfocam mais o lado analítico e intelectual do policial, ao invés de ser chuta-bundas).

Ellie Arroway do livro "Contato" não é a bundona do filme (o desafio dela ao teólogo com um pêndulo de Foucault foi lindo, mas, claro, não tacaram no filme para não humilhar nossos amigos religiosos). Já um personagem bem inteligente e bem resolvido era Jason Gideon (Criminal Minds), chegando a ser mais brilhante que o próprio dr. Reid. Por algum motivo que ainda não entendi, ele foi removido da série, sem nenhum motivo lógico.

A mania de retratar cientistas e gente "esperta" como criaturas sem nenhum tato ou equilíbrio mental/comportamental causa dissabores, como crianças achando que cientistas fazem explosões e venenos etc. Eu relatei isso em Mãe, quando crescer eu quero ser cientista.

Não é o cientista, o "gênio", o brilhante que tem problemas e não gosta das pessoas comuns. São as pessoas comuns que detestam cientistas, odeiam estudo, têm aversão à Ciência, ao aprendizado etc. Não é, dona Denise?

Nem todo gênio precisa ser algum maníaco depressivo, ou obsessivo-compulsivo. Nem todo autista é gênio, sinto muito em tirar essa sua ilusão. Autismo não garantirá a ninguém que seus filhos ganharão prêmios em Matemática, Física de partículas e… Caramba, já disseram que Einstein era tudo; só faltou dizerem que ele era transformista!

Stephen Hawking não é um babaca arrogante que não conhece ironia, sarcasmo ou ofende pessoas não tão inteligentes quanto ele. O problema dele é esclerose lateral amiotrófica, não escrotice. Isso podia estar em voga com Kepler, Tycho Brahe, Galileu e Newton, mas curiosamente o mesmo não acontecia com Christiaan Huygens, Lavoisier, Leibnitz, Edmond Halley, Georges Lemaitre, Heinsenberg, Oswaldo Cruz etc.

Com a TV/Cinema retratando pessoas brilhantes como sendo problemáticas, como ensinar aos nossos alunos a beleza de estudar, de saber mais? As pessoas adoram o House dando esporro, sacaneando e humilhando todo mundo. Seja como ele durante uns… 30 minutos e veja quantos inimigos você fará. Só gostam dele porque gostariam de fazer o que ele faz (mas a vida real é que ele não duraria 1h numa clínica). Todo mundo admira personagens altamente inteligentes, mas você tem certeza que quer que seu filho seja esquizofrênico paranoico como o dr. Pierce? Apesar de todo seu brilhantismo, demorou ANOS para John Nash ser reconhecido e ganhar o Nobel de Economia.

Assim, nessas séries, colocam um estrangeiro (colocar negros como minoria étnica ficou muito batido), uma criança gênio (todo mundo quer ter uma, ou espera que seu filho doente se sobressaia de alguma forma) e uma pessoa que nada mais é do que digna de pena, para que o público médio se identifique, normalmente fazendo algum draminha pessoal e colocando um laço romântico, afinal, temos que agradar as meninas.

Por isso, ainda prefiro o MacGyver: inteligente sem ser afetado, sem ter arroubos de arrogância ou problemas mentais. Mas isso é algo da década de 80, não pega bem pro politicamente correto ter um personagem mais esperto que a audiência.

Porque, no final das contas, as pessoas ainda preferem ouvir seu pai-de-santo, astrólogo, numerólogo etc do que se consultar com médicos. Não é só no Brasil que as pessoas odeiam cientistas; e se você acha que não, pesquise sobre anti-vaxxers e perca de vez a fé na humanidade.


PS. Sobre o Scorpion: muito clichê pro meu gosto. Obrigado, mas não. Obrigado.

3 comentários em “Cientistas, gente esperta e o ódio que sofremos

  1. André,

    Tem um filme de 1971, chamado “O Enigma de Andrômeda”, me parece que as intenções dos produtores doi não esteriotipar, nem fantasiar os trabalhos cientificos, você conhece este filme e tem alguma opinião sobre ele?

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  2. Pelo visto só sobra mesmo o MacGyver como exemplo de herói que usa a inteligência ao invés de força, e se relaciona bem com todos a sua volta.
    E o melhor de tudo, dava vontade de fazer as engenhocas dele em casa, para ver se dá certo, já que ele quase sempre usava coisas do dia-a-dia.
    Hoje qualquer “heroi científico” precisa de um aparato enorme de equipamentos high tech

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