Ciência deveria estar no currículo de Jornalismo, mas não tenho esta esperança

Eu canso de viver em meio a citações idiotas. Uma das mais correntes é que "vivemos numa era de informação". Mentira, vivemos numa era de alienação, onde a informação em si é deixada em segundo plano em rol do imediatismo. As pessoas não querem se informar, querem fragmentos de notícias, querem saber quem o Flamengo contratou e vibrar quando o mané (que há pouco tempo fazia juras de amor ao outro time) se debulha em lágrimas dizendo que era flamenguista desde pequenininho. As pessoas querem ler sobre isso e o Mercado sempre dá ao público o que ele quer.

Em algum ponto da insânia humana, achou-se que jornalistas estão aqui para dar informação, para contar às pessoas o que está acontecendo no mundo. Teoria e realidade chocam-se mais uma vez e vemos um desfile de idiotices escritas por gente sem o menor conhecimento do que está escrevendo na hora.

Eu já relatei, briguei, discuti e expus uma imensa quantidade de besteiras ditas pelos jornalistas,a ponto de ter escrito o conto E se futebol fosse noticiado como fazem com descobertas científicas. Mas é uma batalha inglória, pois eles continuarão escrevendo besteira, pois não faz diferença. As pessoas não querem saber Ciência; na verdade, não querem saber nada. No máximo, o crime que ocorreu no dia anterior, como todos os crimes que acontecem durante a semana. Vira-se a página, e vê a foto da gostosona do dia. Ou então, olha-se o horóscopo e o resumo da novela (do capítulo que IRÃO ver no dia. Para que ler o resumo?).

Eu sempre achei que cursos universitários de jornalismo são a coisa mais inútil que existe e um gasto desnecessário de dinheiro se forem de universidades públicas. Não há sentido nenhum em faculdade de jornalismo. Aprende-se o que, lá? Ler e escrever corretamente? eu aprendi isso numa coisa chamada Classe de Alfabetização. Apurar matérias, checar fonte e ter vergonha na cara de não inventar notícia que não existe?

Eu imagino, então, que a função básica seria traduzir para a população em geral terminologias herméticas usadas por diversos profissionais. Não é todo mundo com a capacidade de um Neil deGrasse Tyson de falar sobre o universo de forma tão clara e vibrante, fazendo que até mesmo o brasileiro médio pudesse entender. Muitos especialistas se especializaram tanto que perderam o contato com o quadro geral, ficando inacessível. Outros são como o Marcelo Gleiser, que pode até ser bom cientista, mas tem a empatia de uma estátua quebrada e volta e meia fala besteira sobre o que não entende (particularmente, eu gosto do Dança do Universo, mas o referido livro tem vários erros conceituais). É preciso de alguém que faça perguntas claras de forma que as respostas possam ser bem aproveitadas e escrever uma matéria sobre isso. Mas quando você não entende patavinas do que o especialista (não necessariamente um cientista) está falando, então temos problemas.

Li uma matéria no The Guardian sobre a necessidade de ter aulas de Ciência nos cursos de Jornalismo, onde é dito que o jornalista está, em última análise, escrevendo para e sobre pessoas, bem como em algumas notícias que poderiam ser traduzidas melhor por bacharéis em Matemática, o jornalista não a conseguiu compreender e noticiar direito.

Não é questão de fazermos com que jornalistas sejam cientistas completos, mas quando eu vejo as matérias do Ed Yong e do Carl Zimmer e as comparo com as notícias do Terra e do UOL Notícias, sinto muita vergonha alheia. O máximo que temos que se aproxime é o Reinaldo José Lopes, que escrevia o Visões da Vida no G1 e atualmente integra a equipe do blog Laboratório, da Folha, mas eu acho que é um blog ruim. Mais pretencioso que informativo. Temos o ScienceBlogs Basil, que é composta por pessoas que escrevem sobre Ciência, mas eles não são jornalistas (e muita das vezes eu vejo a perda do contato com a linguagem mais coloquial), e a coluna de Ciência do Meio Bit, mas o Cardoso não é jornalista, mas deveria estar escrevendo para algum jornal. Ah, sim, esqueci. No Brasil visamos mais o gasto do que conteúdo, então, qualquer estagiário serve. Na melhor das hipóteses o auxiliar do estagiário coloca uma notícia estrangeira no Google e pronto. Pelo menos sai melhor que as traduções toscas que o Gizmodo BR cansa de colocar.

Ops, ia esquecendo: tem o Cet.net, o melhor site de divulgação científica do Universo, mas eu sou um ser supremo e estudei num curso universitário de verdade.

O que deveria ter então? Uma disciplina de Ciência Básica nos cursos de Jornalismo? Bem, eles tiveram aula de língua portuguesa desde o Fundamental e – JE-ZUIS! – como escrevem errado! Como suas frases querem dizer pouco (quando dizem algo!). Como as construções frasais beiram o analfabetismo. Mas o público médio, chafurdando em píncaros de imundície cultural inacessível, não se dá conta disso. Um exemplo foi esta "reportagem" do UOL Notícias sobre a evidência de um lago subterrâneo em Marte (e não que foi descoberto água em Marte). Prestem atenção nos comentários.

Viram? É o que aconteceria se os comentários do Cet.net não precisassem de cadastro e nem sem prévia moderação. É para essas pessoas que os jornais escrevem, então, para que qualidade? Para um deputado facilitar a compra de material para pesquisa científica e um babaca dizer que o povo quer remédios e não foram cientistas que votaram nele?

O que é mais que certo é que mesmo que os sites de notícia e jornais tivessem os melhores jornalistas científicos do mundo, as matérias não teriam tanta atenção quanto a vitória do Carajazinho do Oeste sobre o Inter de Pindamonhagaba. Ou, se fôssemos traduzir em uma imagem:

14 comentários em “Ciência deveria estar no currículo de Jornalismo, mas não tenho esta esperança

  1. A mídia em geral não tem a menor idéia do que fala, e nem ao menos se preocupam em pesquisar antes de anunciar ou publicar uma notícia.

    Como advogado já cansei de escutar em Jornais Nacionais da vida coisas ridículas como “indivíduo foi preso por crime de pedofilia”, seria lindo se tal crime existisse em nosso código penal… mas pesquisar para que?

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      1. @El Residente,

        Tenho certeza!

        Nosso código penal teve um crime chamado “pedofilia” ( atração por jovens).

        Algumas condutas que exteriorizam tal atração, como o “estupro de vulnerável” (ato libidinoso qualquer com menor de 14) são considerados crimes.

        Até pq o indivíduo pode sentir-se atraido por menores, e não exteriorzar, mas continuará sendo pedófilo se levarmos em conta a acepção normal da palavra, mas continuará não sendo um criminoso.

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  2. Puxa! Não aguentei e cliquei no link que leva pra “reportagem científica do UOL NOTÍCIAS”! Recomendo não ler os comentários! É perigoso se infartar de desgosto! Engraçado é a maneira que a notícia é repassada aos alienados! Rs…

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    1. @Nélio Dias,

      “Parem para resolver os problemas do nosso planeta , nossa educação que esta com o pé na lama , essa seca destruindo nossa terra e nossos animais . Pouco importa se existe vida em marte , vamos cuidar do que é nosso !”

      “que vergonha, tanta gente passando dificuldades, e els gastando bilhoes com coisas inúteis. isso que é abuzar de pobres ”

      “sera que se tiver vida em marte la tem os ptralhas igual aqui na terra brasilis”

      “DINHEIRO JOGADO NO LIXO!!!!!!!!!!!!!!!! VAMOS NOS PREOCUPAR AQUI NA TERRA!!!!!!!!!!!!OVALOR DESTA EXPEDIÇÃO RIDICULA……SALVARIA MILHÕES NA TERRA EM QUE VIVEMOS!!!!!!!!!!!!!!”

      É… Pois é, né.

      Ai minha angioplastia.

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  3. querem amolecer o cérebro de vez leiam o yahoo noticias! eu me divirto vendo (e comentando) os “comentários” rsrsrsrs!!

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  4. O pior não é entender essa realidade nossa ou aceitá-lá, mas sim reconhecer que não é mais uma “onda do momento”, transformou-se em hábito. Já está enraizado. E não é só no Brasil. América do Norte e Europa (principalmente) estão bem próximos nesse festival de telefone-sem-fio escrito.

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  5. André, tem um site de notícias científicas que costumo visitar, o Inovação Tecnológica.
    Não é voltado para um público mais leigo, mas eu acho que é relativamente bom.

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