Religião e medicina: Pode haver entrosamento entre elas?

Uma pesquisa da psicóloga Wendy Cadge, da Universidade Brandeis, estudou a relação entre a medicina e a religião em casos de crianças cancerosas. Muitos acham que a religião é um empecilho ao tratamento, enquanto outros acham que é necessária para que a família possa lidar com a dor causada, mediante a fatalidade de um diagnóstico de morte iminente. Alguns médicos veem isso de forma pragmática, analisando que a religiosidade da família não ajudará muito na cura da doença, enquanto outros observam como necessário no suporte e consolo para a família.
Foi efetuada uma pesquisa aprofundada com diversos pediatras e oncologistas pediátricos em centros médicos tido como sendo “de elite”. Ela revelou que parte dos médicos de pessoas “mais saudáveis” – no sentido de não possuírem uma doença terminal – enxergam a religiosidade (não confundir com “religião” pura e simplesmente) não deveria, a priori pertencer à esfera médica, pois essa religiosidade não influi em nada no procedimento. No entanto, outros são mais condescendentes, e veem a religiosidade como algo inerente ao processo de cura, mesmo que de uma forma paliativa ou por efeito placebo mesmo. Nesse caso, fica na base do “não atrapalha, então deixem como está”. Outros olham meio torto, pois acabam passando por situações bizarras, principalmente se houver a questão de transfusão de sangue.

Agora, o que chama a atenção é o modo como a maioria dos oncologistas pediátricos observam a religiosidade da família. Eu não sou médico, mas imagino como é dilacerante pro médico dar a notícia a um casal que seu filho pequeno possui câncer e está morrendo de forma acelerada, graças a um processo mesquinho, pérfido e indiferente. Seja para você, estudioso do processo evolutivo, seja para você, que acredita que somos uma obra perfeita de Deus, que nunca comete um único erro e é bom e justo.

Alguém pode argumentar sobre o porque do processo evolutivo gerar tamanha dor às pessoas. Isso é justo? Ninguém mereceria ser assim, tratado como mais uma espécie viva, que vai crescer e morrer, mediante a indiferença da Natureza. Mas se há um ser que nos livrará de todo o mal, por que o câncer? Desígnios misteriosos? Punição para os pais? Pecado Original? Desobediência às Leis de Deus, que determinou que não se devia fazer sexo antes do casamento, numa noite de lua cheia, com velas acesas, túnicas e chicotinhos de couro?

Mas isso é uma questão de fé. Coisa que o médico não estará pensando quando vai dar uma notícia como “Lamento, fizemos tudo o que podíamos”.

A Ciência nunca disse que teria a resposta para tudo. Ela tenta, mas falha, claro. Se ela se dissesse perfeita, que eria a resposta pra tudo e que detém todo o poder do mundo, ela não seria uma organização do saber humano e sim uma religião.

Mas, muito provavelmente, a maioria que recebe esta sentença de morte datada, assinada e com firma reconhecida pelo misterioso processo biológico não terá muito a fazer e precisará de apoio e conforto. A função do médico terminou ali. Não compete a ele tecer conjecturas sobre a outra vida, onde o filhinho lindo daquele casal simpático estará brincando e pulando em verdes campos, sendo recebido pelos seus ancestrais. Psicólogos podem ser úteis, assim como padres/mulás/rabinos/pais-de-santo/whatever.

Há muitos, muitos anos, quando eu era garoto, uma vizinha estava com câncer de mama. O câncer teve metástase e tomou-lhe o corpo. Ela emagreceu absurdamente, perdeu todo o seu cabelo por causa da quimioterapia, foi bombardeada com isótopos radioativos, de modo a conter a evolução da doença. Nada funcionou.

Num dia, eu dei de presente a ela uma coisa que tinha ganho: um livro de Salmos. Ela estava radiante. Disse que iria ler todos os dias, pois era a parte que ela mais gostava da Bíblia. Nenhum psicólogo poderia ter dado o conforto e tranquilidade que eu vi nos olhos dela. Eu jamais seria tão cruel quanto suas células enlouquecidas em dizer que aquilo tudo é besteira. Era a crença dela, algo que lhe deu apoio num momento último de sua vida que estava prestes a se extinguir de modo bárbaro.

A fria mão do processo evolutivo determinou que suas células sofressem mutações, que desregulariam todo o processo de multiplicação, transformando tecidos vivos em algo monstruoso. A natureza nunca disse que era boazinha.

Mas aquele simples livrinho de capa cinzenta deu àquela mulher uma radiante tranquilidade. Não me pergunte o que aconteceu com o livrinho. Nunca mais o vi depois daquilo, pois uma semana depois ela faleceu.

A pesquisa da Drª Cadge demonstrou que a religiosidade quase sempre aparece quando o tratamento médico não cura o paciente. Como um médico explicou, “O velho ditado de que há muito poucos crentes em buracos raposa aplica-se neste contexto também.” O estudo constatou que muitos dos médicos acreditam que as crenças religiosas e espirituais ajudam os pacientes e suas famílias, nem que seja por efeito placebo. Já outro médico disse: “Francamente, aqueles que têm convicções religiosas? Há uma crença? Que há algo além deste mundo, eles parecem lidar melhor, mesmo os pacientes um pouco melhor. E é mais fácil falar sobre a morte com as famílias desses pacientes. Existe uma crença subjacente de que há algo além deste mundo, que é basicamente um mundo melhor. É muito mais fácil para discutir de uma maneira muito mais útil do que com as famílias que não têm.”

“O estudo mostra que os médicos não querem crenças religiosas servindo de assistência médica ou especialização, e ficam frustrados quando essas crenças interferem com as decisões médicas”, disse a Drª Cadge. “Mas no final do dia, quando um ente querido está morrendo ou todas as opções médicas estão esgotadas, os médicos, muitas vezes acham que as crenças são bem-vindas a uma família, porque elas ajudam a dar respostas a uma família para perguntas que a medicina não pode responder”, finaliza.

Eu particularmente acho que cada um tem o direito de acreditar em qualquer coisa, nem que gnomos róseos ou os próprios smurfs estão rezando pela cura do paciente. O que não concordo é quando ridículos, como os pais que deixaram a menina diabética morrer sem tratamento, interpõem-se aos médicos, na esperança que algum ser sobrenatural venha de bata branca, volitando sobre nossas cabeças, curar o paciente. Por mim, o cara pode até ter caveira de burro na mesa de cabeceira, se ele achar que isso vai ajudá-lo na cura. O que não pode é fazer sacrifício de animais para isso, nem para outro tipo de “benesse” divina, como no que eu chamei de “macumba judaica” no Yom Kipur.


Fonte: Baltimore Sun

4 comentários em “Religião e medicina: Pode haver entrosamento entre elas?

    1. Sou partidário que presente só tem graça se é o que a pessoa gosta. Dei de presente de aniversário um pacote com 100 DVDs a um amigo. Ele agradeceu de montão :D

      Pro Sabino, eu daria algo cilíndrico, comprido e de cabeça vermelha, que ele a-do-ra-ri-a…

      Um batom. ;)

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