O dia em que tampinha de garrafa trouxe o Inferno: A Febre 349 da Pepsi

Existe um momento mágico na história corporativa em que uma empresa consegue transformar três dígitos inocentes em combustível para violência urbana, protestos generalizados e pelo menos duas mortes confirmadas. Parece roteiro de comédia distópica, mas é terça-feira normal no departamento de marketing da Pepsi dos anos 90, que muito provavelmente funcionava na base daquele pó que passarinho não cheira. O caso de hoje é como um concurso simples gerou um verdadeiro caos institucional num país estilo shithole.

Bem-vindo ao caso do número 349, uma saga filipina que prova que o inferno não são os outros. O Inferno é quando uma multinacional decide fazer sorteio sem checar o estoque de tampinhas.

A história começa em 1992, quando a Pepsi estava desesperada para tirar a Coca-Cola do trono refrigerante global (ok, como sempre). A estratégia escolhida foi das mais sofisticadas: suborno disfarçado de promoção. Batizada de “Pepsi Number Fever”, a campanha era simples: cada tampinha tinha um número de três dígitos embaixo, e se você desse sorte, ganhava de 100 pesos (algo como 4 dólares na época) até 1 milhão de pesos (40 mil dólares, o suficiente para comprar dignidade e uma casa nova nas Filipinas dos anos 90). A empresa despejou propaganda agressiva mostrando vencedores reais saindo da pobreza, numa estratégia de marketing que basicamente gritava: “Beba nosso xaropão carbonatado e fique rico!”

Spoiler: você provavelmente ficaria apenas diabético.

Bem, ninguém pode dizer que não funcionou. Funcionou espetacularmente! As vendas mensais saltaram de 10 para 14 milhões de dólares. A fatia de mercado da Pepsi cresceu de 19,4% para quase 25%. Os números vencedores eram anunciados no rádio e nos jornais, transformando cada abertura de garrafa numa experiência de adrenalina pura. O problema é que a febre não era só metáfora: as pessoas desenvolveram sintomas reais de histeria coletiva. Uma empregada doméstica foi presa acusada de roubar a tampinha vencedora da patroa. Dois vendedores da Pepsi foram assassinados numa briga por tampinha. E você achando que aquela discussão sobre quem comeu o último pedaço de bolo na geladeira do escritório foi intensa.

Mas tudo isso era apenas o aperitivo do caos. O prato principal chegou quando a Pepsi, empolgada com o sucesso, decidiu estender a promoção e escolheu o número 349 como um dos novos vencedores do prêmio máximo: 1 milhão de pesos. O plano era imprimir pouquíssimas tampinhas com esse número para que fosse raridade absoluta. Detalhe crucial que ninguém na empresa checou: o 349 já estava em circulação. Era um número perdedor, o que significa que havia literalmente milhares de pessoas com aquela sequência debaixo da tampinha guardada feito relíquia de família.

Quando a Pepsi anunciou o 349 como vencedor no rádio e nos jornais, o caos foi instantâneo e absoluto. Multidões se reuniram nas engarrafadoras exigindo o milhão prometido. Não estamos falando de filas educadas; eram hordas furiosas de pessoas que tinham acabado de descobrir que eram milionárias! Imagine a cena: centenas, depois milhares de filipinos convergindo para as fábricas da Pepsi, tampinha na mão, olhos brilhando com a certeza de que a vida tinha virado do avesso. A empresa percebeu o erro monumental e entrou em pânico corporativo total.

A resposta da Pepsi foi um masterclass em como não fazer gestão de crise. Primeiro, anunciaram que “ah, na verdade só os 349 novos são vencedores, e tem um código de segurança na tampinha que diferencia um do outro”. Era como jogar gasolina num incêndio usando um avião pulverizador. O público filipino não engoliu, e com razão! As propagandas diziam claramente que o número de três dígitos era o critério de vitória. Ninguém tinha mencionado códigos de segurança obscuros antes. Era como se você ganhasse na loteria e o governo virasse e dissesse: “Sim, mas você leu as letras miúdas em aramaico no verso do bilhete? Então, azar o seu”.

As Filipinas se transformaram num campo de batalha. Protestos explodiram por todo o país; e quando digo explodiram, não é metáfora. Multidões cercaram as fábricas engarrafadoras atirando pedras, garrafas e qualquer projétil disponível. Policiais e soldados foram convocados para conter as hordas, mas o clima era de revolução popular. Caminhões de entrega da Pepsi só saíam às ruas com escolta armada, como se estivessem transportando ouro ou segredos nucleares em vez de refrigerante.

Ameaças de bomba viraram rotina tão comum que a Pepsi provavelmente criou um formulário padronizado para lidar com elas. Executivos começaram a andar com seguranças 24 horas porque, aparentemente, ser responsável por frustrar sonhos milionários de milhares de pessoas simultaneamente não é profissão de baixo risco.

Enquanto isso, a Pepsi tentava apagar o incêndio oferecendo 500 pesos para cada dono de tampinha 349, uma espécie de “desculpa aí pelo transtorno existencial que causamos, aqui está o equivalente a vinte dólares para você superar a perda dos seus sonhos”. Quinhentos pesos quando você estava mentalmente gastando um milhão, planejando a reforma da casa, pensando na escola dos filhos e na aposentadoria antecipada, é o equivalente a ganhar um cupom de desconto de 10% após ser atropelado. Mas o desespero da empresa era tanto que essa migalha de boa vontade custou quase 10 milhões de dólares, porque havia muita gente com o número 349.

Alguns aceitaram os 500 pesos porque precisavam de qualquer dinheiro imediatamente. Outros, mais esperançosos ou mais teimosos, guardaram suas tampinhas como bilhetes para a revolução judicial que estava por vir. E essa revolução se organizou rapidamente. Grupos de protesto brotaram como cogumelos após a chuva, alguns legítimos, outros duvidosos, todos surfando na onda de indignação coletiva. Esses grupos começaram a coletar processos judiciais, reunindo cerca de 10 mil queixas de pessoas exigindo que a Pepsi honrasse a promoção. A estratégia era levar tudo para os tribunais americanos, onde imaginavam que teriam mais chance de vitória contra a matriz da empresa.

Mas aqui a situação fica verdadeiramente filipina no seu melhor estilo de capitalismo terceiro-mundista. Alguns desses grupos de protesto começaram a cobrar taxas de adesão dos participantes. Outros exigiam que os membros concordassem em entregar 30% de qualquer indenização futura. Era um esquema digno de filme de máfia: “Nós vamos lutar pelos seus direitos, mas primeiro você paga a mensalidade e nos dá um pedaço da sua vitória hipotética”. Gente vendia os próprios pertences para pagar o transporte até Manila e participar dos protestos nas grandes cidades.

Outros, ainda mais empreendedores, compravam tampinhas 349 de pessoas desesperadas por dinheiro imediato, apostando que a Pepsi seria eventualmente forçada a pagar o valor total. Surgiu um mercado negro de tampinhas. Sim, um mercado negro de tampinhas de refrigerante. Deixa isso afundar por um momento.

A violência escalou de forma previsível e trágica. Coquetéis molotov eram jogados contra fábricas e caminhões de entrega. A Pepsi virou sinônimo de opressão corporativa, e o caso 349 foi absorvido por um sentimento anti-americano mais amplo que já existia nas Filipinas; afinal, eram décadas de domínio colonial recente na memória coletiva. Muitos viam o incidente como mais um exemplo de multinacional explorando país em desenvolvimento, prometendo sonhos e entregando pesadelos burocráticos.

A situação ficou tão tensa que até o time de basquete Pepsi Cola Hotshots mudou de nome para 7-Up Uncolas, numa tentativa desesperada de distanciamento da marca tóxica. Imagine a humilhação corporativa: seu patrocínio está tão queimado que os atletas preferem ser associados a literalmente qualquer outra bebida.

Quase um ano depois do incidente inicial, a violência atingiu seu ponto mais trágico. Uma bomba caseira foi jogada contra um caminhão da Pepsi num mercado de Manila. A bomba ricocheteou e matou uma professora e uma menina de cinco anos, ferindo outras cinco pessoas. Um mês depois, uma granada explodiu numa fábrica da Pepsi, matando três funcionários. Eram pessoas inocentes pagando com a vida por um erro de planilha corporativa.

Meu detalhe favorito, num sentido mórbido e absurdo? Um manifestante de 64 anos prometeu: “Mesmo que eu morra aqui, meu fantasma virá lutar contra a Pepsi”. Respeito a dedicação sobrenatural, mas sinceramente, se me oferecerem descanso eterno ou assombrar eternamente uma engarrafadora, eu escolho o primeiro, mas cada um tem suas prioridades.

Aqui a história ganha camadas dignas de thriller conspiratório. Reza a lenda que a Coca-Cola financiou secretamente alguns dos grupos de protesto, transformando a disputa de refrigerantes numa guerra fria por procuração travada nas ruas de Manila. Há até quem diga que executivos da Pepsi pagaram infiltrados para promover violência nos protestos, deslegitimando as queixas genuínas e pintando os manifestantes como lunáticos terroristas. Se isso for verdade, significa que a Pepsi estava simultaneamente pagando pessoas para beber e para bombardear seu produto. Estratégia de marketing verdadeiramente visionária, digna de estudo em escolas de negócios especializadas em apocalipse corporativo.

Enquanto isso, a batalha judicial seguia seu curso glacial. Os grupos de protesto conseguiram levar os 10 mil processos até Nova York, imaginando que os tribunais americanos seriam mais simpáticos à causa. Surpresa: não foram. Um tribunal de Nova York rejeitou os casos e mandou tudo de volta para as Filipinas, basicamente dizendo “esse problema é de vocês, se resolvam aí”. Os processos voltaram para Manila, onde tramitaram na velocidade de uma tartaruga sedada. A Pepsi, enquanto isso, mobilizou uma frota de advogados caríssimos para garantir que cada vírgula processual fosse contestada, cada prazo esticado ao máximo, cada recurso explorado até o limite da criatividade jurídica.

Só em 2006 — mais de uma década depois do incidente — um tribunal filipino finalmente decidiu que a Pepsi não tinha sido negligente e não devia indenização a ninguém. Fim de história? Não exatamente. Para os milhares de filipinos que gastaram anos lutando, vendendo pertences, pagando advogados e grupos de protesto, foi uma derrota amarga que confirmou o que muitos já suspeitavam: corporações multinacionais simplesmente têm mais fôlego e mais recursos para esperar você desistir. A Pepsi sobreviveu, claro, porque empresas desse porte têm mais vidas que gato de desenho animado e mais proteção legal que chefe de estado.

No fim das contas, tudo isso por causa de um número. Três dígitos que transformaram sonhos em fúria, tampinhas em armas políticas, refrigerante em combustível revolucionário e as Filipinas num cenário de guerra corporativa. Se você acha que humanos são criaturas racionais guiadas pela lógica, lembre-se: nós somos a espécie que mata por tampinha de garrafa, que cria mercados negros de plástico impresso e que acha perfeitamente sensato vender a mobília de casa para protestar contra uma empresa de refrigerante.

O caso 349 não é apenas sobre ganância corporativa ou incompetência logística; é um espelho bizarro mostrando o que acontece quando esperança, desespero e capitalismo selvagem se misturam numa panela de pressão tropical. E a Pepsi? Bom, eles aprenderam a lição. Provavelmente. Talvez. Ou não.

Não, não aprenderam.


Fontes

Um comentário em “O dia em que tampinha de garrafa trouxe o Inferno: A Febre 349 da Pepsi

Deixe um comentário, mas lembre-se que ele precisa ser aprovado para aparecer.