A iconografia cristã tem horas que é… como direi?… curiosa. Entre várias iconografias esquisitas, dessa vez vamos citar a iconografia de Maria, mãe de Jesus, mostrada amamentando. Esse tipo de iconografia é chamado Virgo Lactans ou Madonna Lactans (em latim), Madonna del Latte (em italiano), Γαλακτοτροφούσα (em grego, Júnior!) ou Млекопитательница (em russo). Em português, o termo é Virgem Amamentando, mesmo, e foi uma temática muito em voga durante a Idade Média, representando Maria como uma mãe, e Jesus apenas como um bebê como outro qualquer.
De início, nem isso o Cristianismo inovou. Pelo contrário. Ele pegou da mitologia egípcia, com várias representações de Ísis amamentando Hórus.
A última, como podem ver, não é uma arte egípcia, mas romana. Foi encontrada numa tumbado século 2. É uma representação de Ísis e Harpócrates, a versão helenizada de Hórus. De Hórus, foi adaptado para Harpócrates (o Deus do Silêncio) e dali para Jesus. A associação com Jesus vem de Lucas 11:27
E aconteceu que, dizendo ele estas coisas, uma mulher dentre a multidão, levantando a voz, lhe disse: Bem-aventurado o ventre que te trouxe e os peitos em que mamaste.
Claro, isso não implica que Jesus tenha sido uma cópia descarada de Hórus, como alguns autores (como Ascharya S.) querem supor. O problema é que não é só Ísis. Imagens da deusa maia Mayahuel amamentando seu filho Mimich, transformado em peixe, Quetzalmimich, são muito comuns, aparecendo em vários códices, e nem por isso iremos dizer que Jesus é um kibe de Mimich, o que não significa que Jesus não tenha sido inspirado em outros personagens mitológicos, lendários, históricos ou heróicos. Isso é assunto para outros artigos.
Retratar Maria amamentando Jesus teve muitos adeptos, desde Leonardo daVinci até Van Eyck. Mesmo porque, o que seria melhor para retratar o amor materno para com seu filho do que dar-lhe alimentação via leite dos próprios seios? Não é à toa que algumas estátuas da deusa Ártemis possuem seios, algumas, múltiplos seios.
Muitas fontes trazem exemplos de estátuas de mulheres (normalmente com motivos divinos ou angelicais), de cujos seios brota a água; nesse caso, os seios simbolizam ser fonte da vida. Então, pintar a Virgem Maria amamentando teve no gosto popular e ela foi retratadas de várias maneiras. Algumas delas o menino Jesus está até fazendo fom-fom (sério, vejam só abaixo).
Entretanto, há uma coisinha peculiar na nossa história, e tem a ver com um certo Bernard de Clairvaux (aportuguesado para Bernardo de Claraval). Vamos fazer um resuminho:
Bernardo nasceu em Borgonha (na época era possessão francesa), em 4 de dezembro de 1090. Bernardo participou do Concílio de Troyes, em 1128, que determinou as regras monásticas para o que seriam conhecidos como Cavaleiros Templários; acho que você ouviu falar deles. Em 1129, Bernardo organizou o Segundo Concílio de Latrão, e em 1141, o Papa Inocêncio convocou o Concílio de Sens para tratar da denúncia de Bernardo contra Pedro Abelardo, um de seus desafetos. Bernardo foi incumbido pelo próprio Papa para pregar a Segunda Cruzada (1147 – 1149), mas ela deu muito errado e, com isso, colocaram a culpa nele. Bernardo passou, então, o resto dos seus dias enclausurado numa abadia em Claraval, França. Por todos os seus esforços e trabalhos pela Igreja, Bernardo de Claraval foi canonizado e recebeu o título de Doutor da Igreja.
Mas calma, este resumo é para lhe situar no que realmente nos interessa que são as visões que Bernardo tinha quando estava enclausurado. As diferentes histórias das visões de Bernardo mudam nos detalhes, mas basicamente era a Virgem Maria aparecendo para ele e borrifando leite dos seus seios direto na boca de Bernardo. Aqui, algumas representações.
Meio inusitado, não? Claro que não sabemos que isso realmente aconteceu, mas você não estaria neste site aqui se acreditasse nessas coisas. Ou acredita e veio averiguar. De qualquer forma, é muito inusitado a forma que fazem representações artísticas de certas ocorrências. Alguns podem alegar blasfêmia, mas o que seria mais natural que Maria amamentar o menino Jesus? Entretanto, o mais legal é Bernardo de Claraval ter visões de ele tomando um leitinho maneiro direto dos peitos de Maria, seja na base do jato ou in loco. Vão alegar que isso é blasfêmia também? Se fosse, ele não seria listado como um dos doutores da Igreja Católica
Essas imagens são o tipo de coisa que me fazem perguntar, depois de vê-las, como é que se saiu de algo tão naturalmente representativo para um puritanismo sem noção. Porque, claro, sempre vai ter alguém olhando pra peças hagiográficas como essas e pervertendo tudo, dizendo que as mães retratadas nas estátuas e pinturas eram umas meretrizes querendo chamar atenção. De mais a mais, eu diria que as visões de Bernardo advieram do desespero – onde mais um bebê se sente mais protegido, a não ser no colo de sua mãe?
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E eu achando que veria algo absurdo mas no fim das contas foi algo mais do que natural.
Natural mas que eu tenho plena certeza que a estupidez artificial do Meta/facebosta/istragão cortaria na hora por tratar-se de nudez.
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