Saiba, ó príncipe, que entre os anos que as águas devoraram Atlântida e os filhos de Ayra subiram ao poder houve uma era inimaginada, com portentosos reinos. Nesse mundo de caos e trevas surgiu ele, Aleksandar Mandic, e tudo ficou diferente.
Na verdade, a grafia certa é “Mandić”, com acento no C, mas vai Mandic, mesmo. Filho de pai sérvio e mãe bielorussa Mandic foi quem apostou na Internet brasileira, mas parece que não é assim para as pessoas. Eu fiquei muito chateado duas vezes. Primeiro, pelo fato do Mandic ter falecido. Ele não já andava bem de saúde desde o ano passado, já que ele foi para a UTI por causa do coronga, mas conseguiu se recuperar. Entretanto, ele volta para o hospital para tratar leucemia e aguardava por um transplante de medula óssea. Não foi dito a causa do falecimento, mas muito provavelmente foi por causa disso.
O segundo motivo é que noticiaram isso como noticiam qualquer um morrendo de qualquer coisa. Deram mais atenção a artista de filme merda, embora famoso, e várias loas tecidas para um cara que morreu de coronga contraído numa festança que ele foi em Angra dos Reis – sem máscara, óbvio –, com aquela desculpa babaca que precisava para a saúde mental, desdenhando de quem usava máscara. Prefiro o Mandic. Ator global festeiro que se foda. Não gostou, não leia o meu blog. Vá ler O Fuxico.
Mandic foi primordial na Internet Brasileira quando não havia internet brasileira e as pessoas acessavam pela Compuserve, via linha discada. Era muito boa a Compuserve. O problema é que o acesso era via telefone numa ligação para os EUA. Mandic, que estava há 17 anos na Siemens e ganhava um salário excelente, viu o potencial de se ganhar dinheiro com a Internet. Aproveitou um quarto vago que tinha em casa, pegou a linha extra que tinha em casa (era da mulher), e em 22 de abril de 1990, o Mandic BBS entrou no ar.
A internet comercial começou em 20 de dezembro de 1994, em que a Embratel estreou seu 1º pacote de acesso, mas estava em fase de teste, mas começou a valer mesmo em 1995. Mandic já estava tranquilo e estabelecido. Isso devida a um computadorzão gigantão que deu pau. Enquanto funcionário da Siemens, Mandic estava trabalhavando num projeto e ganhou de presente uma bomba> consertar um mainframe que estava com problemas. Nessa época, os computadores eram do tamanho de uma geladeira enorme, e o distinto estava parado. Mandicão não conseguiu dar jeito na bagaça e pediu ajuda à matriz. Um técnico na Alemanha acessou o computador remotamente, por uma linha telefônica, e resolveu o problema.
Muitos achariam o máximo, iriam tomar um café e deixar por isso mesmo. Não o Mandic. Ele viu uma oportunidade ali: montar um sistema parecido no Brasil, como um BBS (pergunte ao seu avô) para fazer com que os engenheiros da Siemens pudessem consertar os computadores da empresa sem ter que sair do escritório de São Paulo, se comunicando com os técnicos em cada localidade. Mandic fez projeto e mostrou ao chefe, que achou maravilhoso, mas recusou. Motivo: não queria meter a mão no bolso, já que não tinha um modem, nem linha telefônica. Era o tempo que uma linha de telefone custava o preço de um carro, ou você que ficasse uns 10 anos esperando os planos expansão, a maravilha do tempo da telefonia estatal que o jovem quer voltar, porque acha que as empresas malvadas que cobram um plano de 30 reais com internet e acesso a redes sociais sem debitar da franquia de dados um absurdo.
O chefe deu os parabéns pro Mandic e um bônus. Mas o Mandic queria mais. Pediu pro seu chefe a oportunidade de fazer isso na sua casa (a do Mandic). O chefe gostou e ele começou. Como disse, ele pegou o telefone extra da mulher, um computador 286, um modem de 300 bps (minha internet hoje é de 50 gigabits por segundo. Pega 1024 x 1024 x 1024 e você verá quantos bits tem um gigabit.
Mandic começou divulgando entre os amigos, depois aos poucos foram se interessando e assim nasceu o Mandic BBS. Pessoal trocava arquivos, programas, jogos, jogava conversa fora, e em seis meses já tínhamos mais de 40 usuários por dia. Até então, era de graça. Mandic começou a cobrar pelo serviço 30 reais Largou o emprego na Siemens e meteu as caras. O Mandic BBS deu um passo adiante em 1995, quando a Embratel mostrava os potenciais do seu plano de acesso; e Aleksandar Mandic estreava o site Mandic Internet, que não demorou muito para ter 10 mil usuários e ficou famoso pelo seu chat.
Muitas pessoas se encontraram lá. Muitas pessoas começaram namoros que acabaram em casamento. De lá o Mandic saiu e se juntou a outro projeto: o iG, então Internet Grátis, um provedor de acesso à internet totalmente gratuito.
Mandic dizia entre risos que ele era o Santo Casamenteiro da Internet. Graças a ele, o processo de expansão da internet brasileira foi acelerado, o que ajudou a baratear até mesmo as linhas de telefone, que passaram por uma alavancagem estupenda, já que as pessoas podiam comprar uma linha telefônica a um preço decente depois da privatização. Todo mundo queria acessar a internet e se olhamos pra internet hoje, ela existe graças ao Mandic e gente como ele.
Eu sou muito grato ao Mandic. Eu usei seu site. Eu conheci muita gente lá. Por causa dele, eu pude ter internet, pois ele foi quem deu o ponta-pé inicial, já que antes a Internet estava nos laboratórios e empresas, ele foi o Prometeu que trouxe o fogo para os homens. Zeus achou que a internet era boa e diferente de Prometeu, não puniu Mandic. Fiquei triste por saber que não existem mais blçogs de tecnologia e os que tem hoje são apenas jornais disfarçados de blogs mandando aquele Hello My Fellow Kids, mas dão notícias vazias de emoção e reconhecimento para uma personalidade tão marcante quanto Aleksandar Mandic, cuja trajetória virou caso de estudo na Havard Business School, onde Mandic deu uma palestra. E nos arremedos finais, Aleksandar Mandic disse:
Não fiz faculdade, não virei uma enciclopédia ambulante, mas sim um índice. Sempre fui um escovador de bits, um cara técnico, mão na massa. Mas sempre soube, também, da importância de trabalhar com especialistas em todas as áreas. Não manjo de tudo, por isso gosto de ter por perto gente melhor do que eu. Não quero um pato, um bicho que nada, voa e anda e faz as três coisas muito mal… Quero um lince. Meu diretor financeiro tem de entender de finanças muito mais que eu. Eu tenho que entender da estratégia, onde quero chegar com o negócio. O resto, os outros cuidam melhor do que eu. E não há problema algum com isso. Negócio próprio não é lugar de vaidade, é de resultado. Vaidade é consequência. O importante em qualquer negócio, em qualquer coisa, é fazer. Mesmo que, depois, seja preciso consertar.
Obrigado, Aleksandar, você foi um exemplo, uma inspiração e um herói para todos nós, ainda que os mudernos blogueirinhos de tequilojia – que queriam ser jornalistas mas nem pra isso prestaram – apenas relatem seu passamento como quem fala de uma receita de bolo, mas uma receita nunca traduzirá o sabor e a satisfação de quem fez e de quem prova, assim como aqueles velhos como eu que acessaram as letrinhas verdes numa tela de computador sabem o valor e significado que você deu a todos nós.
A história do Mandic é contada com mais detalhes, junto com outras histórias no excelente livro Os Bastidores da Internet: a história de quem criou os primeiros negócios digitais do Brasil , disponível sob a foma de eBook na Amazon, totalmente digrátis. Você poderá lê-lo no leitor online ou no app do Kindle ou no próprio dispositivo Kindle.
Um falso profeta é reconhecido em todos os lugares. No Brasil, pioneiro de negócios digitais num deserto virtual não é.
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