Gosta de filmes de super-heróis? Agradeça ao Tim Burton e seu Batman
Batman é um dos personagens mais icônicos, famosos e queridos da DC. Ele é tão importante que, sem ele, não teríamos os filmes da Marvel (seja da Disney, Fox, Sony ou Universal). E isso se deu ao fato do filme Batman, de 1989.
Claro, você pode alegar que sempre houve filmes de super-heróis, entre eles o Super-Homem. Pode dizer que o primeiro filme cinematográfico feito com apuro e qualidade foi Superman (1978), do Richard Donner, e você não estará errado. Também pode alegar que ele repetiu a dose em Superman II (1980), e daí por diante foi ladeira abaixo, tanto que acabou esquecido, com um Christopher Reeves irritado por ter sido enganado, pois lhe foi prometido um cachê muito bom e uma doação generosa para entidades beneficentes se ele topasse fazer Superman IV (1987). O filme foi péssimo, os efeitos visuais ridículos, a trama sem sentido e atuações pavorosas, com o próprio Reeves não se esforçando muito.
Filmes de heróis estavam em decadência, apesar Superman IV não ter dado prejuízo e faturado 36 milhões de dólares, com um orçamento de 17 milhões; mas estava em baixa o interesse.
Então, Tim Burton lança BATMAN, um personagem que para a mídia de cinema e TV tinha perdido seu apelo por causa da série da década de 60 que era pura galhofa. Não que a série fosse ruim, pelo contrário. Era excelente, com convidados de primeira linha e o César Romero fazendo um Coringa fantástico, embora tenha se recusado a raspar o bigode e tiveram que caprichar na maquiagem.
A baixa resolução dos aparelhos de TV ajudou a enganar
Ninguém pareceu dar muita bola para filmes de heróis, ainda mais o Batman. Dessa forma, quando a Warner fez o anúncio, estampando o bat-símbolo em tudo que foi lugar, perceberam o potencial que seria para a cultura pop.
Entendam. Nessa época, não havia trocentos teasers, trailers, imagens “vazadas”, entrevistas com atores, diretores, produtores e faxineiros. Não chamavam celebridades para opinar sobre algo que nunca tinham visto ou sequer sabiam do que se tratava. Os cartazes eram obras de arte para atrair a atenção das pessoas, mas no caso do Batman, apenas o bat-símbolo foi mais que suficiente para levantar as orelhas do pessoal.
Com o lançamento, a Pepsi patrocinou o filme e aproveitou o marketing, em que as pessoas tomavam o refri, juntavam as tampinhas e podia-se trocar por um copo (de plástico) com o Batman e seu bat-arpão, ou o símbolo. Se desse sorte, poderia ser sorteado e ganhar um batmóvel. Começou a era dos action figures (ou bonequinhos, mesmo), e isso se deveu a um diretor desconhecido e um ator de comédias que ninguém levou fé.
A ideia do filme surgiu muito antes, em 1979, na esteira do sucesso de Superman, do Donner. Benjamin Melnicker e Michael E. Uslan compraram os direitos do filme e queriam emplacar o morcegoso, mas não conseguiram. Ninguém estava interessado, e quando eles falaram que queriam fazer um filme do Batman sendo DO Batman, soturno, sombrio, gótico e violento, vetaram a ideia. Ainda estavam com a série do Adam West na lembrança. Como assim não vai ter SOC, POF, UUUFF? A ideia ficou engavetada, esperando o momento certo, e o momento chegou quando O Cavaleiro das Trevas (1986), de Frank Miller, e A Piada Mortal (1988), de Allan Moore, foram publicadas. Ali estava um Batman violento, mais do que sombrio, vingativo, e totalmente independente da polícia de Gotham, completamente diferente do primeiro seriado do Batman (1943), em que era inaceitável um vigilante mascarado agindo por conta própria; em que o Morcegão virou um agente do governo para manter a lei e a ordem.
Robin is not amused
Também estava longe do Bat-West, com pancinha de chopp, colorido e dançando música em meio a uns LSD. Antes de Burton e Keaton, houve quem idealizasse que o filme cinematográfico do Batman fosse com Bill Murray e Eddie Murphy atuando como Batman e Robin, já pensando na galhofa, mas não foi levado adiante. Escolheram o Tim Burton para a direção, vindo do sucesso Os Fantasmas se Divertem (1988) já que o referido filme foi um sucesso, lucrou um bocado (73 milhões só em casa, com orçamento de 15 milhões de dólares) e Burton ainda custava barato. Foi escolhido, a contragosto de muita gente, Michael Keaton que também atuou em Os Fantasmas se Divertem. Ele não era muito alto (1,75m), não era fortão, não era o que se esperava de Bruce Wayne/Batman; só que um filme não é apenas um ator, é a direção, os figurinos e direção de arte (quesito esse que deu Oscar ao filme do Batman). A interpretação do Keaton também surpreendeu, em que ele absorve tanto o personagem que sua interpretação está nos mínimos detalhes, como o bat-turn mesmo sem a roupa:
A verdade, é que Keaton saiu melhor que o esperado, mas ele nem foi a primeira escolha. Outros foram convidados, como Mel Gibson, Charlie Sheen, Dennis Quaid e até Harrison Ford. Só depois de todo mundo recusar é que chamaram Keaton, e o restante é história.
O filme custou 35 milhões de dólares e só na semana de estreia faturou 40 milhões. No total, faturou mais de 250 milhões de dólares só em casa, terminando com uma arrecadação total (em casa + resto do mundo) de 411,6 milhões de dólares e mostrou o potencial para se ganhar dinheiro com filmes baseados em super-heróis. Foi seguido por Batman, o Retorno (1992) e Keaton só não fez o terceiro porque rolou discussão entre ele e o Joel Schumacher, que não aceitava um Batman sombrio, sem cor, sem “vida”. Keaton viu que ia ser a maior roubada e acabou desistindo. Chamaram Val Kilmer e Chris O’Donnell para fazer Batman Eternamente (1995). De um orçamento de 100 milhões, faturou 184 milhões em casa e 152,5 milhões no exterior. Ainda estava dando lucro, mas isso não duraria muito.
O problema é que o Schumacher estava produzindo filmes que não estavam no interesse dos fãs, só no dele, sendo que filmes vivem de bilheteria. Veio Batman & Robin (1997), substituindo Val Kilmer por George Clooney e não tão coloridinho assim, mas, mesmo assim Schumacher achou uma boa ideia manter a galhofa, o que não foi perdoado.
Sim, o Schumacher cometeu isso!
Foi um custo desvencilhar o Batman do seriado dos anos 60, trazendo um personagem adulto, com uma trama madura e o Schumacher resolveu ser piadista e botou tudo a perder. O resultado foi péssimo: O filme flopou em casa. A produção foi orçada em 125 milhões, mas em casa faturou só 107 milhões, mais 130 milhões no exterior. Pouco, se levarmos em conta que o orçamento da produção de um filme não leva em conta o custo de sua divulgação.
Anos mais tarde o Schumacher admitiu que se arrependeu daquilo, mas era tarde demais. Demorou um pouco para o Batman voltar às telas. Só reapareceu em 2005, pelas mãos do Christopher Nolan. Nolan fez uma trilogia própria, com início (Batman Begins), meio (The Dark Knight) e fim (Dark Knight Rises), sendo o último o pior, com vários problemas de roteiro, ainda mais que o personagem que teria grande importância não pôde ser usado. Hedge Ledger, que fez o Coringa em The Dark Knight, faleceu e o Nolan não quis usar outro ator, dando maior enfoque ao Scarecrow ajudando Bane, mas nem de longe seria épico na cena do “julgamento”. Nolan deu uma cartada de mestre, em que se alguém quisesse fazer um outro filme do Batman, queria que rebootar o personagem, não podendo aproveitar o material dele. Eu não acho que foi uma estratégia ruim. O que não falta é autor de quadrinhos fazendo isso.
The Dark Knight foi lançado no mesmo ano que Homem de Ferro, entrando no mundo dos lucros bilionários. Apresentou um Coringa maníaco, psicopata, caótico e terrorista. Alguns o consideram o melhor Coringa por causa da interpretação do Ledger (pela qual ganhou Oscar de melhor ator coadjuvante), mas eu concordo com Jack Nicholson, o Coringa de Batman, de 1989: se tivessem feito um roteiro para ele daquela forma, ele teria se saído igual ou melhor que o Ledger. Eu concordo, Nicholson é um excelente ator. Entretanto, para mim, não dá para comparar os 3 Coringas. O Coringa do Romero é o melhor Coringa criminoso. O Coringa do Nicholson é o melhor Coringa louco e o Coringa do Ledger é o melhor Coringa psicótico-assassino. São três visões diferentes, como costuma acontecer em quadrinhos, em que cada autor dá uma personalidade um tanto diferente aos seus personagens. O Batman de Allan Moore é um Batman com tantos problemas mentais quanto o próprio Coringa, já o do Miller é um velho cansado de tudo e resolveu usar mais de força do que inteligência, quase perdendo tudo por isso, até voltar a ser o Batman estrategista.
O Coringa é o principal antagonista do Batman, a figura anárquica contra o herói investido de ordem e Justiça. O Coringa é louco, o Batman extremamente metódico, são dois personagens que se completam, se odeiam, lutam entre si, mas ambos têm mais coisas em comum do que julgam.
A importância de Batman de 1989 é mais que uma geração de filmes foi produzida, houve impacto nos quadrinhos e até na forma como vemos o Coringa. Burton brinca com o personagem fazendo com que Jack Napier tenha sido o assassino que matou os pais de Bruce, ainda menino. O menino que cresceu com raiva e se tornou o Batman; Batman esse que ao perseguir o mesmo criminoso Jack Napier, este cai em tanques de produtos químicos, fica com o rosto deformado, enlouquece e se torna o Coringa. O círculo está completo, e isso é percebido no final, com Bruce percebendo que aquele que o criara foi criado por ele mesmo. Foi um toque de gênio, no mesmo molde do que eu chamo da Martha Ex-Machina que muitos detestaram em Batman x Superman, mas que comentarei um outro dia.
O sucesso em todos os sentidos de Batman 1989 levou a Warner a produzir Batman: The Animated Series, a série animada que durou de 1992 a 1995 e que juntou todos os Coringas supracitados num único personagem: o Coringa interpretado pelo Mark Hamill. Uma série tão icônica que fez um passo ao contrário do que costuma acontecer: enquanto normalmente personagens de quadrinhos viram personagens de filmes e desenhos, Batman: The Animated Series produziu um personagem que pulou da animação para os quadrinhos e, depois, para uma série de TV (Birds of Prey, de 2002) e os filmes: a drª Harleen Quinzel, que se torna a vilã Arlequina.
A série animada foi tão bem recebida que em 1993 foi lançado em home vídeo o longa animado: Batman: A Máscara do Fantasma, o primeiro de muitos longas animados saindo diretamente em DVD/Blu-ray, mantendo uma qualidade desde a série animada que, se não é a mesma coisa que a série animada do Super-Homem de Max Fleischer, tem uma qualidade de filme noir semelhante, com roteiros ótimos e atuações excelentes. Isso inspirou a Marvel a seguir a linha das animações também, mas sem nunca alcançar a mesma qualidade. Pode-se dizer que os únicos desenhos animados com personagens da Marvel que prestam é o do Homem-Aranha da década de 60, o Quarteto Fantástico (produzido pela Hanna-Barbera, que pertence à Warner, dona da DC) e os X-Men.
Ainda assim, todos os filmes de super-heróis de hoje só existem por causa de dois produtores que ficaram dez anos para tentar emplacar o filme do Morcegoso, até conseguirem leva-lo às telonas. Apesar de ter patinado, isso foi o bastante para fazer Bryan Singer entrar em campo com os X-Men, em 2000 e Sam Raimi trazer, em 2002, o primeiro filme do Homem-Aranha. Tudo graças a um garoto rico com problemas, muitos problemas.
Long live the bat!
“Batmans” do Tim Burton e Batman Animated marcaram minha infância. Muito bom relembrar.
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Excelentes observações. Mas já sabe disso…..
Já pensou em colocar esse material no YouTube?
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Para ninguém ver?
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Se eu não me engano essa trama do Batman gerar o Coringa foi inspirada no Batman – A piada mortal do Allan Moore, que eu me lembre, o que Burton faz é fechar um ciclo entre os dois; “Coringa” mata os pais do Batman e o Batman gera o Coringa.
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