Você aprendeu que muitas religiões saem na piorada entre si, mas budistas são bonzinhos, meigos e puros de coração. Até mesmo Arthur Clarke caiu nesta conversa mole dizendo em um de seus livros que eles faziam parte da religião que nunca entrou em conflito com ninguém. Nada mais longe da verdade. Hoje, temos brigas de monges (mentira, sempre tivemos. Mais ao longo do texto) e até monge budista que propaga terrorismo.
Sim, isso mesmo. Monge zen-vergonha que chegou a receber crítica internacional severa, foi capa da Time e recebeu sérias e rudes palavras da ONU via cartinha. Só que o negócio escalo tanto que o próprio Governo de Myammar mandou dar um basta.
Antes de começarmos, vou logo dizendo que de bonzinhos, os budistas não têm nada, dado o que eles andaram aprontando ao longo do tempo. Isso pode surpreender muita gente, mas não a mim. Motivo: eu sei História. Pelo menos, a História que é ignorada nos programas curriculares estabelecidos nos BNCC da vida. Budistas NUNCA foram bonzinhos. Para vocês terem uma ideia, um camarada chamado Borjigin Barsboladiin Altan, que nasceu na Mongólia no ano de 1507, achou que o destino dele era grande demais para ficar pastoreando por aquelas bandas. O avô dele era Batumongke Dayan Khan, cuja partícula “khan” significa “príncipe”. Já “Dayan” significa “Grande Yuan”, uma referência à dinastia que mandava na região, sendo Batumongke sobrinho de Manduul Khan, que não teve vida tão expressiva quanto seu avô: Kublai Khan, primeiro imperador da dinastia Yuan, e imperador da China (que tinha sido conquistada pelo avô deste: o Príncipe dos Conquistadores, mas mais conhecido como Gengis Khan.
Em outras palavras, Altan se achava com direito de ser nomeado descendente direto de Gengis Khan, o que não é pouca merda. O problema é fazer com os outros aceitassem isso, e amor e carinho não era a forma encontrada.
O budismo tibetano é praticamente dividido em duas facções: os de manto vermelho (formados por três das principais escolas de budismo: Nyingma, Sakya e Kagyu) e os de manto amarelo (escola Gelug). Esses dois nunca se entenderam e estavam numa guerra religiosa. Sabem católicos saindo na porrada com protestantes, apesar de rezarem pro mesmo deus? Algo do tipo.
Altan se tocou que era por aquele caminho: uma reforma religiosa. Algo parecido com o que um camarada chamado Josias fez quando disse que “encontrou” antigos escritos que estabeleciam uma Aliança com um certo deus. Esse deus foi chamado de Jeovah, os escritos eram a Torah e Josias era o manda-chuva do reino de Judá, praticamente criando o judaísmo, mandando aquele migué que “encontrou” os livros. Aham, claro que encontrou. Aham!
Altan estava em franca briga com todo mundo, tentando reformar o sistema governo para um que ele reconhecesse ser melhor: qualquer coisa desde que ele estivesse no comando. Atacou a China com força para subjugar a dinastia Ming, deu um “que se dane” pra Grande Muralha, e os chineses viram que ia dar muito ruim bater de frente com aquele maníaco. Fizeram um tratado de paz com ele em 1571, no que Altan Khan ganhou o título de “Shun-i Wang” (“Príncipe Obediente e Justo”).
Em 1580, Altan fez amizade com os monges de Manto Amarelo, com uma pequena condiçãozinha. O líder da seita reconhecia publicamente Altan Khan como verdadeiro descendente de Gengis Khan, enquanto o chefe da seita recebeu o título de “Dalai Lama”. Altan Khan fez então os budismo do Manto Amarelo a religião oficial e sob esta autoridade, seus monges quase exterminaram os monges do Manto Vermelho. Para finalizar, o neto de Altan Khan se tornou o novo Dalai Lama quando o Dalai Lama original que fez o pacto com Altan morreu. O poder dos Dalai Lamas se tornou tão grande que não demorou muito para que eles se tornassem os líderes absolutos do Tibet não só no campo religioso, mas no secular também. Sim, o Tibet é um país teocrático até que a China invadisse lá, decretasse que o Dalai Lama era criminoso, baniu de lá (mata-lo seria contraproducente), e ele agora usa sua mansuetude e humildade viajando de avião de primeira classe e ficando nos melhores hotéis às custas de um bando de otários.
Entenderam quem são os budistas daquela região? Pois é. Um desses membros é um sujeito chamado Win Khaing Oo, que é um verdadeiro psicopata (o da imagem de abertura). Esta criatura abjeta e desprezível usa o nome religioso Ashin Wirathu, sendo um monge budista terevada, e se Israel fica de pé atrás com muçulmanos e Trump acha que boa parte deles é terrorista, Wirathu os considera algo a ser exterminado. Lá pelas bandas de Myammar, o grupo étnico muçulmano é a rohingya. Sabem os curdos sendo perseguidos de forma implacável por… bem, por praticamente todo mundo? Os rohingya estão em muito pior situação. Se os curdos não estivessem ocupados fugindo de serem exterminados de vez, seria bem capaz de eles também perseguirem os rohingya. Se você for para lá (o que alguém iria fazer em Myammar?), não diga que é rohingya. Este é o meu segundo conselho. O primeiro é não ir para Myammar.
Chacinas de populações rohingya é ordem do dia em Myammar. Você sabia disso? Não, né? Também nunca ouviu falar do Genocídio de Myammar. As constantes tentativas de limpeza étnica foram classificadas como genocídio pela ONU, com 25.000 mortes até agosto de 2018. Os rohingya tentam fugir, mas sudeste asiático tem o probleminha de ser majoritariamente budista e a Religião Boazinha odeia aquele pessoal, e não, terrorismo não é uma desculpa, já que estão um pouco longe do Afeganistão. Os rohingya não são bem vistos nem por outros muçulmanos. Mas você não sabe disso. Não sabe que a Primeira Ministra, Aung San Suu Kyi, foi criticada severamente (por carta) por órgãos como Anistia Internacional. Ninguém quer criticar uma maníaca psicopata, que só perde em grau de perversidade para Wirathu.
Ah, sim. Aung San Suu Kyi ganhou uma Medalha de Ouro do Congresso e um prêmio Nobel da Paz. Aliás, isso é recorrente no Nobel da Paz. Antes, ganhadores deste prêmio eram pessoas que lutavam pela paz no mundo. Atualmente, se você faz um powerpoint e fala coisas óbvias e um documentário exagerado, ganha um Nobel da Paz. Se você manda toneladas de Democracia Americana par Afeganistão e Síria, ganha Nobel da Paz. Se você é líder de organização terrorista, tendo sido diretamente responsável pela morte de várias pessoas inocentes, você ganha o Nobel da Paz.
Agora, o maníaco Ashin Wirathu está ferrado, pois o governo de Myammar expediu uma ordem de prisão contra ele. Não, não por defender a aniquilação de qualquer gente que tenha um tapete decorado e reze pra Meca. A ordem veio por criticar abertamente o governo. Motivo da crítica? O governo, que caga e anda pro que acontece com os rohingya, mandando uns soldados barbarizarem a população, não está barbarizando o suficiente. Isso faz com que Ashin Wirathu seja um ferrenho opositor do governo.
Não, você não está lendo errado. O governo que massacra uma população de etnia que consideram pior que lixo, e é criticado (pero no mucho) por todo mundo (exceto por artistas, que acham que não há nada demais aterrorizar famílias), é criticado por não fazer um trabalho mais eficiente em varrer da face da terra aquelas pessoas.
Só que um governo autocrático não é um governo autocrático decente se deixa você criticar o governo. Já expediram a ordem de busca, prisão e umas porradas no monge psicótico, mas a polícia de Mandalay deu com os ombros na base de “não sei de nada, não, senhor”.
O que vai dar nisso? Pouca coisa. Em 2003, Wirathu foi em cana e viu Buddah nascer quadrado por 7 anos. Saiu como sempre foi: um maníaco assassino.
Os rohingya dormem com dois olhos abertos e o terceiro fechado que não passa nem uma agulha. Não é uma questão se haverá outro genocídio. Mas quando.
Fonte: O Globo