Em 2015 eu escrevi sobre o traumatismo crânio-encefálico. Descrevi o que era e o atendimento médico imediato. Também apresentei um estudo sobre jogadores de futebol americano com genes que lhes dão capacidade de se recuperar mais rapidamente do que outros com lesões semelhantes, e isso se deve à apolipoproteína E. Agora, uma recente pesquisa aponta que níveis elevados da proteína cerebral tau estão associados com um período de recuperação mais longo para os atletas. Por que isso?
A drª Jessica Gill é pesquisadora do Instituto Nacional de Pesquisa de Enfermagem no Instituto Nacional de Saúde dos EUA. Seu trabalho é estudar como diminuir os efeitos do porradão que você tomou na cabeça na última festa de Reveillon, quando mexeu com mulher dos outros, para depois dizer que foi no jogo de futebol americano.
São 3,8 milhões de contusões relacionadas a isso que chamam de esporte que ocorrem anualmente nos Estados Unidos. O problema é que não há uma maneira objetiva para determinar se o atleta está realmente recuperado para poder votar ao jogo, e como patrocinadores não querem esse papo de deixar seu investimento no estaleiro até se ter certeza, pressionam para o Zé Ruela voltar a campo o mais rápido possível (de preferência, no dia seguinte da lesão). Que importa? Não é o patrocinador que terá o cérebro virando mingau, mesmo!
Voltando a jogar antes que o cérebro tenha cicatrizado devidamente aumenta o risco do atleta desenvolver problemas físicos e cognitivos a longo prazo, e esse é o melhor cenário. O pior é que ele fatalmente tomará outro porradão, o que agravará isso. Lindo, não é mesmo? Atualmente, os médicos devem tomar decisões de retorno ao jogo com base nos sintomas subjetivos, auto-relatados de um atleta e seu desempenho em testes padronizados de memória e atenção, mas como estamos falando de uma indústria de bilhões de dólares, a pressão sobre o atleta confirmar que está tudo Ok é enorme. O coitado não terá outra saída.
A drª Gill e seus colaboradores avaliaram as mudanças na proteína tau em 46 jogadores das Divisões I e III que sofreram uma concussão.
Proteínas Tau são proteínas que estabilizam os microtúbulos, estruturas proteicas que fazem parte do citoesqueleto dos neurônios. eu sei que você está acostumado a ver aquele desenho de células animais como se fosse um sacão com organelas dentro, mas não é bem assim. Mesmo essas células não são bagunça, possuindo proteínas bastante estáveis filamentosas ou tubulares dando forma às células, ainda que não sejam nada parecidas com as células vegetais. uma das principais proteínas que formam esse citoqesqueleto são as proteínas Tau, que são abundantes nos neurônios do sistema nervoso central. para se ter uma ideia da importância dessas proteínas, as demências do sistema nervoso, como o Alzheimer e o Parkinson, estão associadas às proteínas Tau que se tornaram defeituosas e não estabilizam os microtúbulos adequadamente. Sentiu o problema?
Gill e seu pessoal mediram os níveis da Tau em amostras de sangue de atletas de vários esportes como futebol, futebol de verdade, basquete, hóquei etc. na pré-temporada e novamente depois de 6 horas após a concussão sofrida. Os atletas foram divididos em dois grupos com base no tempo de recuperação. Os de longo retorno, que levaram mais de 10 dias para recuperar após uma concussão, e os do grupo de “retorno rápido”, que levaram menos de 10 dias para voltar ao esporte.
Os indivíduos no grupo de longo retorno para jogar tinham níveis mais elevados de tau no sangue 6 horas após a concussão em comparação com aqueles no grupo de retorno rápido para jogar. Os atletas de longo retorno também exibiram um salto da concentração da proteína Tau na pré-temporada níveis em comparação com os jogadores de retorno. As análises estatísticas mostraram que concentrações mais altas de Tau no sangue 6 horas após a concussão previam consistentemente que um atleta levaria mais de 10 dias para retomar o jogo.
Com isso, a proteína Tau se tornou um biomarcador confiável pra determinar quando uma pessoa estará em melhores condições em voltar à sua atividade. E não é apenas para atletas. trabalhadores que trabalham em locais mais sujeitos a acidentes, como construção civil, ao se monitorar a proteína Tau, pode-se saber se ele demorará mais tempo para se recuperar em caso de acidente. claro, implica em custo e provavelmente não será usado, relegando o uso da técnica apenas ao esporte, onde se investe diretamente no jogador e ninguém quer perder dinheiro.
A pesquisa foi publicada no periódico Neurology (opa! texto completo liberadão. Aproveitem!)