Grandes Nomes da Ciência: Ignaz Semmelweis

A mulher em pânico é trazida para a enfermaria. Ela lutava, mesmo com sua enorme barriga, prestes a dar a luz. Ela se recusa a entrar e a enfermeira passa trabalho para contê-la. Outra enfermeira chega, mas a mulher escapa e se ajoelha perante o homem que está à sua frente. Ela não quer morrer. O homem se abaixa e pergunta o que houve e a mulher explica que ficar ali era o mesmo que ganhar uma sentença de morte. Ele lhe diz que na outra enfermaria não havia mais espaço, mas que ele faria de tudo para que ela e o bebê não sofressem nenhum mal.

O homem alto e calvo não conseguiu cumprir sua promessa. A mulher morreu de febre puerperal, o homem ficou no canto, consternado por não ter cumprido sua promessa, mas seu legado contaria uma história diferente. Este homem era Ignaz Semmelweis

Ignaz Philipp Semmelweis nasceu em Budapeste, Hungria em 1º de Julho de 1818, filho de um rico comerciante. Como era comum naquela época, pais ricos davam educação de primeira qualidade aos seus filhos, o que mudou muito pouco hoje. Naquela época, não havia vestibular para Federal, já haviam universidades e universidades, e uma das melhores, mais renomadas e com maior garantia de lhe dar um nome respeitável entre profissionais era a Universidade de Viena, na Áustria; e foi para lá que Semmelweis ingressou para estudar Direito, no outono de 1837.

Não se sabe bem o porque, mas Semmelweis trocou de curso e preferiu estudar medicina; muito provavelmente porque advogado era a meta familiar e Semmelweis queria cuidar do couro das pessoas, não arrancá-lo, como convém a qualquer advogado de sucesso. Um advogado a menos, um médico a mais. O mundo agradeceu efusivamente, ainda mais pelo que Semmelweis seria responsável, mas nem ele mesmo sabia na época que seria isso tudo. Ele estava pensando em se estabelecer com um consultório, dando láudano para madame e ganhando rios de dinheiro com isso e ficando anônimo para todo o sempre. Não aconteceu nem uma coisa, nem outra.

Em 1844, Semmelweis recebe o título de Doutor em Medicina, numa Áustria que não via húngaros com bons olhos, já que xenofobia nunca foi novidade na história humana. Assim, Semmelweis não conseguiu seu consultório, estava sem muito dinheiro e resolveu se especializar em obstetrícia, indo trabalhar no principal hospital de Viena: o Hospital Geral de Viena, que pertencia à Universidade e era praticamente o único da região.

Este hospital foi fundado pelo imperador Francisco José e atendia a população pobre gratuitamente, com a condição que todo mundo ali seria estudado pelos médicos, que perguntavam aos universitários o que estava havendo. Entre os célebres cientistas ali, um deles tinha sido professor de Semmelweis: Karl von Rokitansky, o médico que achava que todas as explicações sobre a morte de um paciente poderiam ser achadas durante aos autópsias. Morreu alguém, ia pra as mãos de Rokitansky e seus auxiliares.

Infelizmente, só se sabia o que ocorria depois do indivíduo morto, mas já era alguma coisa para se trabalhar e elevar os conhecimentos para impedir que os que estavam vivos tivessem o mesmo fim. Isso era o século XIX, a penicilina sequer fora inventada e nem se sabia o que causavam as doenças. Pensava-se em "humores", "maus ares" (de onde vem a palavra "malária" e até "espíritos" (uma expressão usada por substâncias voláteis, como o álcool era chamado de "espírito do vinho").

É uma sensação estranha com todo o nosso conhecimento médico de hoje saber como as pessoas eram tratadas há 100 anos, o que não deixa de nos causar um sorriso amarelo quando o dr McCoy (em Jornada nas Estrelas IV) chama um hospital de "açougue medieval" quando viu uma senhora com problemas de diálise e dá a ela um simples comprimido para resolver o problema. O que se seguirá daqui em diante, todos vocês dirão que é óbvio, mas é óbvio porque sabemos dessas coisas e foram graças a homens como Semmelweis, Rokitansky etc.

Em 1846, Semmelweis foi admitido na Primeira Clínica Obstétrica do Hospital Geral de Viena, como assistente de professor Johann Klein. Suas funções eram examinar pacientes todas as manhãs e deixar tudo preparado para o professor fazer a sua ronda, carregando os estudantes a tiracolo. Semmelweis era praticamente um estagiário de luxo, com um salário não tão luxuoso assim. As mulheres admitidas lá não eram de posses, pelo contrário. Normalmente, mulheres de famílias honestas e decentes (cof… cof… cof…) davam à luz em casa, rodeadas de parteiras, médicos e familiares. As que iam para as maternidades eram pobres, mães de filhos ilegítimos, prostitutas etc. elas só estavam lá para servirem de cobaias; ninguém estava muito preocupado com a saúde delas, realmente… ou quase ninguém.

Nessa época, ser admitido num hospital grande como aquele não era sinal que você saísse curado. Se saísse vivo já era uma grande conquista. Por quê? Ninguém sabia. No caso de mulheres grávidas, a situação era ainda pior. Havia imensos casos do que chamavam de "Febre Puerperal", uma doença que causava a morte de 1/3 das mulheres depois do parto e 1/3 das crianças nascidas. Os sintomas começavam com febre, sudorese, delírios e, por fim, morte. Ninguém sabia o porque, só se sabia que era assim. As mulheres sabiam do que estava acontecendo e saibam também que havia uma esperança: ficar na ala das parteiras e não dos médicos.

A ala obstétrica era dividida em dois setores. Um deles recebia a visita dos estudantes de medicina e a outra só era atendida por parteiras, um monte de tias que faziam a mesma coisa há décadas: trazer pessoas ao mundo (que fariam de tudo para voltar para onde vieram quando davam de cara com o lugar onde nasceram). O outro setor recebia os estudantes de medicina com seus lindos trajes tipo paletó, gravata, um avental esporádico e sangue para todo lado!

Na ala das parteiras, o índice de morte era cerca de 1 décimo do que a taxa de mortes da ala que era atendida pelos estudantes, e isso ficou do conhecimento de todas as mulheres que iam para lá. Resultado? Ninguém queria ser admitido para ter seu lindo bebezinho na mão daqueles estagiários e você não será aquele que irá condená-las.

Semmelweis estudou os números. Tinha algo de errado! Sendo aluno de Rokitansky, Semmelweis sabia que não adiantava tratar os sintomas e sim impedir de ocorrer a doença, o que chamamos de profilaxia. Ele mandou anotar passo-a-passo tudo o que acontecia. Então, ele percebeu uma coisa: as parteiras só trabalhavam com as parturientes, enquanto que os estudantes e médicos vinham de outros setores, principalmente depois das aulas de anatomia, onde dissecavam cadáveres. A conclusão foi que os médicos e estudantes traziam alguma coisa dos cadáveres, o que foi chamado de "material cadavérico".

Semmelweis ordenou que todos, sem exceção, lavassem as mãos antes de examinar as mães. Ainda não tinha resolvido muita coisa e, pesquisando, ele ordenou que lavassem as mãos com hipoclorito de cálcio. Fazendo isso, ele quase não teve resultado. O índice de mortes caiu para 1% de todas as mulheres que deram a luz. Todo mundo ficou feliz, menos Klein, que achou que aquilo era um disparate! Como assim chamar médicos de porcos, imundos, cascões, óinc óinc? Ainda mais uma ordem vinda de um húngaro, que disparate! A despeito disso, os resultados falavam por si só: o método de Semmelweis funcionava e era isso que importava… até que parou de funcionar.

Uma nova onda de febre puerperal começou a atacar. Klein usou de toda a sua influência para massacrar o pobre Semmelweis e suas teorias sobre material cadavérico. Semmelweis alegou que algo estava sendo levado pelo ar, mas ele não sabia o que era. Ele não conseguia provar.

Os números estavam tão alarmantes que o imperador ordenou que fosse criado uma comissão para investigar o caso. Obviamente, não incluíram Semmelweis, o húngaro abelhudo. A conclusão brilhante foi que, realmente, havia um aumento do número de incidência de febre puerperal no setor aos cuidados dos estudantes e a chave para a solução do problema era: expulsar todos os estudantes não-austríacos! O motivo é que as mulheres examinadas por eles morriam em uma taxa maior que as dos austríacos. Semmelweis se opôs a isso, alegando que o motivo é que os estudantes não-austríacos estudavam mais e trabalhavam em mais setores e faziam mais autópsias. Isso foi levado em conta pela comissão e a decisão deles foi simples: demitiram Semmelweis, pois já tinham problemas políticos demais.

Um dos professores da instituição, dr. Kolletschka, morreu por causa de uma infecção causada por um simples corte de bisturi, causado por um de seus alunos. A autópsia foi realizada por Rokitansky e este determinou que o estado dos órgãos internos de Kolletschka não diferia em nada dos órgãos internos das parturientes mortas, mas mesmo assim Semmelweis não conseguiu provar seu ponto.

Semmelweis contou com aliados, como o dr. Ferdinand von Hebra, fundador da Escola Dermatológica de Viena, que achava que Semmelweis tinha que publicar seu trabalho, mas Ignaz achava que estava fazendo Ciência pelo bem da humanidade, numa tola ilusão que é assim como o mundo funciona. Hebra, desesperado com isso, divulgou o trabalho na revista da Associação Médica de Viena, cujo médico primaz afirmou: "a significação desta descoberta, mormente para os estabelecimentos hospitalares e, em particular, para as salas cirúrgicas, é tão incomensurável, que a torna digna da máxima atenção de todos os homens de Ciência".

Mas ainda assim, nada foi feito. A Antiga Escola, ainda baseada nos ensinamentos idiotas dos gregos em tratar os sintomas e não a causa, a recusa de pensar que algo ali poderia estar acontecendo fora do alcance dos olhos, venceu.

Quando o amigo de Semmelweis, o dr. Skoda conseguiu fazer com que Semmelweis fosse recontratado, este teve o desgosto de ver que todas as suas medidas tinham sido revogadas, e ninguém parecia dar a mínima que as taxas de falecimentos voltaram ao que era antes. Mulheres pobres e desamparadas não passavam de pedaços de carne. Um amargurado Semmelweis volta para Budapeste, abandonando todos em Viena.

Em 1851, um surto de febre puerperal assolou o Hospital São Roque de Budapeste. Semmelweis voltou à carga de seu trabalho, mesmo sem receber salário. Quando suas ações profiláticas não deram resultado, ele foi para outro caminho: examinou as roupas e percebeu que lençóis, vestes, aventais etc eram lavados que nem a cara do responsável por isso. Eles voltavam tão imundos quanto antes, ainda com secreções dos antigos donos. Ele chamou a todos de assassinos e exigiu que houvesse maior critério na higienização de todo o vestuário.

Em 1855 foi nomeado professor de obstetrícia em Budapeste, numa universidade sem nenhum prestígio. Ele implantou um sistema de higienização total e obteve bons resultados. Por causa dos ataques excessivos, Semmelweis acabou tendo um colapso nervoso e ficando paranoico, vendo inimigos por toda a parte. Em 1857, ele tinha se casado com a jovem Maria Weidenhoffe, que ficou grávida no ano seguinte. Infelizmente, o bebê tinha hidrocefalia e morreu pouco depois de nascer. Isso arrasou Semmelweis. Ele publicou mais um artigo "A diferença de opinião entre mim e os Médicos Inglêses sobre Febre Puerperal".E em 1861, Semmelweis finalmente publicou sua obra principal  Die Ätiologie, der Begriff und die Prophylaxis des Kindbettfiebers ("A Etiologia, Conceito e Profilaxia da Febre Puerperal"). Neste livro, ele defende a limpeza total dos locais onde são feitos as cirurgias e completa assepsia dos instrumentos e até dos profissionais.

Ainda havia forte resistência e muito pouco foi feito. Seus inimigos disseram que Semmelweis estava fora da razão. Em meados de 1865, seu comportamento tornou-se cada vez mais irritante e embaraçoso para os seus associados. Ele também começou a beber demasiadamente, ficando cada vez mais longe de sua família. Os amigos foram se afastando e os inimigos convenceram que Semmelweis estava totalmente fora de si, conseguindo que ele fosse internado num sanatório, onde Helbra disse a Semmelweis que ele iria ser instalado lá para melhorar as condições, mas na verdade era um asilo para doentes mentais.

Diz o mito que Semmelweis morreu por causa de uma infecção causada pelo corte em um dedo, mas não é verdade. A verdade é mais triste: ele foi tratado como um doente mental qualquer e o tratamento não era com roupas limpas e cuidado. Ele foi agredido pelos guardas pouco depois de ter chegado e um mês depois estava morto, dando o fim  ao trabalho de um homem que dedicou sua vida em melhorar as condições dos hospitais.

Ignaz Semmelweis nunca descobriu quem foi o seu algoz. Triste, louco e desacreditado, ele sucumbiu ao mais torpe dos problemas humanos: Ego. Ele não tinha nome famoso nem padrinhos poderosos. Ele morreu sem conhecer os trabalhos de Louis Pasteur e Joseph Lister. Ele nunca soube de microorganismo e, em especial o Streptococcus pyogenes, a bactéria que causava a febre puerperal.

Um simples comprimido ou algumas injeções teriam poupado muita dor e lágrimas àquelas pessoas. No ano que Semmelweis foi internado no asilo para loucos, Joseph Lister usou uma gase embebida em ácido carbólico (o que hoje chamamos de Fenol) na perna fraturada de uma criança, impedindo que aquela criança não só não perdesse a perna, mas sequer tivesse morrido. Louis Pasteur criara os métodos de pasteurização e dali a algumas décadas, Fleming descobriria a penicilina.

Não podemos, entretanto, negar que seu trabalho foi de suma importância para entender as doenças e o que as causam, e se hoje um simples machucado de uma criança que estava brincando não se transforma em óbito para ela e dor e angústia para seus parentes, se parturientes não têm mais medo de ir a uma maternidade, sem a dúvida que sairá de lá num caixão, acompanhada da vida extinta de seu bebê, e se cirurgiões no mundo todo salvam vidas, começando seus trabalhos simplesmente por lavar as mãos, é graças aos trabalhos de Ignaz Semmelweis, que hoje é honrado com a universidade localizada no lugar onde era a antiga Escola de Medicina da Hungria. Hoje, ela é a Universidade Semmelweis.

A UNESCO determinou que o ano de 2015, entre outras coisas, deverá ser um ano de comemoração dos 150 anos do falecimento de Ignaz Philipp Semmelweis, um dos Grandes Nomes da Ciência.

3 comentários em “Grandes Nomes da Ciência: Ignaz Semmelweis

  1. A intuição e a visão acima das coisas comuns são combatidas pela maioria de nós, cientistas, que queremos provas concretas e artigos publicados em revistas especializadas com revisão de pares e estudos randomizados para ser aceita e valorizada.
    Semmelweis estava absolutamente correto em sua intuição e via algo invisível mas, como não tinha padrinhos e nem como publicar seus artigos com provas concretas, foi ridicularizado e finalmente internado como louco. Fazemos isso diariamente, quando um “Zé Ruela” nos apresenta uma idéia exótica e não tem como prová-la, NÓS TODOS o ridicularizamos e não damos nenhuma chance ao Zé. Somos os primeiros a perguntar em qual publicação científica ele se baseia e ai, então, detonamos o Zé – quando ele diz: “Em nenhuma, tirei da minha idéia”.
    Quantos Semmelweis foram ridicularizados e não reconhecidos? Nosso ego é muito esperto mesmo.
    Seu texto, André, deu um brilho a mais na vida de Semmelweis.

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