Contra o preconceito dos preconceituosos que preconceituam

Ontem foi Dia da Consciência Negra. Um dia para lembrarmos de lutar contra o preconceito. Mas há outros grupos, minorias, também sensíveis à ação preconceituosa da discriminação social. São pessoas que a Natureza moldou de uma forma, não foi opção ou vontade deles. Um grupo rechaçado, eu diria "odiado", até; em que já na Antiguidade eles eram mal vistos, apesar de serem tolerados em alguns lugares, em outros foram perseguidos, mortos, queimados vivos nas fogueiras da Inquisição.

Este grupo tenta seu lugar na sociedade que desaprova que eles sejam como são, apesar de quase todos alegarem que "têm um amigo como eles". Não são outros senão os…

Ruivos.

O problema das ações contra o preconceito é que… bem, elas também são preconceituosas.

pre·con·cei·to
(pre- + conceito)
substantivo masculino

  1. Ideia ou conceito formado antecipadamente e sem fundamento sério ou imparcial.
  2. Opinião desfavorável que não é baseada em dados .objetivos. = INTOLERÂNCIA
  3. Estado de abusão, de cegueira moral.
  4. Superstição.

Estado de abusão, de cegueira moral. Isso significa que as pessoas fecham os olhos para determinadas coisas (não importa o que), criando juízos pré-definidos (pré-conceito ou conceito que se faz antes). Qualquer tipo de intolerância é uma ação preconceituosa, provinda de um conceito formado antecipadamente e sem fundamento. mesmo porque, se tivesse fundamento, não seria algo pré-concebido.

Enquanto olhamos para determinados segmentos da sociedade, dando-lhes benefícios, esquecemos que existem outros que também são enxovalhados, menosprezados, xingados, diminuídos, achincalhados e vilipendiados. Vejamos o caso dos ruivos.

  • Quantos ruivos foram/são apresentadores de Telejornal? Pode ser local.
  • Quantos ruivos foram presidentes do Brasil? Estados Unidos? França?
  • Quantas vezes a Holanda *cognominada "Laranja Mecânica" foi campeã da Copa do Mundo?
  • Quantos governadores ruivos Rio de Janeiro, São Paulo e Rio Grande do Sul tiveram?
  • Quantos Primeiros Ministros ruivos a Inglaterra teve?
  • Quantos donos, presidentes, diretores e/ou chefes de seção ruivos existem em empresas grandes, médias e pequenas?

Eu pesquisei o salário médio de ruivos em comparação ao de afro-americanos. O resultado é: http://www.simplyhired.com/a/salary/search/q-african%20americans/q_1-gingers

Não há dados de ruivos. Ruivo é branco? Acho que não, hein? Se ruivo é branco, então o salário de Richard Dawkins deve ser computado no quadro de afro-britânicos, já que ele nasceu no Quênia.

Não há dados brasileiros sobre ruivos. Não existem ruivos no Brasil? Bem, então Mayana Neiva, Camila Morgado e Mariana Ruy Barbosa são o quê? Mulatas? Não, desculpe. Quem disse que era mulatinho e tinha um pé na cozinha foi Fernando Henrique Cardoso. Ele desmentiu depois, depois reafirmou que era mestiço.

Convenhamos, Lula não é ariano, nem oriental, nem caucasiano, nem negro, nem indígena. Ou ele é mestiço ou é ruivo. Qual dos dois? E a Dilma não conta, ela pinta o cabelo. Ruivo Koleston não é ruivo.

O governo dá direito a cota a ruivos? Não, mas dá a afro-descendentes. Bem, minha tatatatatatatatataravó era uma hominídea africana. Eu tenho direito a cota? Até quantas gerações tá valendo? Afro-descendentes têm direito a cota ao tentarem uma vaga no serviço público. O governo entende que são mais brasileiros que ruivos, pelo visto. Mas, espere, o projeto obriga que qualquer concurso público da esfera do Executivo federal estabeleça um mínimo de 20% das vagas a negros e pardos quando aprovado. Deixe-me pensar. Árabes! Árabes são negros ou pardos? Bem, vamos dizer "pardos". Eles têm direito a cota. Mas qual o preconceito que árabes passaram? Oh, bem, a bancada evangélica vai dizer que islâmicos ajudaram os romanos a crucificar Jesus. Não, peraí! Foram os judeus, mas é tudo povo semítico (não fale isso se for a alguma sinagoga ou der um passeio em Jerusalém, ok?)

Bem, nem todas as tribos africanas foram escravizadas (exatamente aquelas que escravizavam OUTRAS tribos e vendiam pros europeus. Mas europeu é que é filho da puta); assim, os descendentes delas não mereciam, em tese, reparação alguma. O Congresso terá cotas para parlamentares negros. Já possui cotas para mulheres. A mulher que for negra terá uma chance maior de ser eleita? Como é isso? E se eu chegar lá e me apresentar como negro? Como? Só de olhar? Take a look:


Sim, temos três crianças negras em primeiro plano.

Como faremos para saber se um indivíduo é exatamente negro? Vamos chamar especialistas e examiná-lo como a um animal? A Justiça ordenará que ele forneça sangue para fazermos um exame de DNA? Ok, a mão cadavérica de Renato Kehl ergue da tumba e faz joinha. Coisa de nazista? Nope, o Movimento Eugênico Brasileiro é de 1910! Entre outras coisas, defendiam que era necessário castração eugênica e controle matrimonial, a fim de "colocar o Brasil na modernidade". Estados Unidos, França e Alemanha apoiavam isso (é, eu sei. Depois, só os krauts é que eram FDP, sendo que nem mesmo campos de concentração foram invenção deles).

Nesse bolo todo, ruivos estavam no meio. Eles sempre foram perseguidos, desde a Idade Média eram taxados de bruxos, vampiros, demônios ou tinham pacto com o Diabo. Na maioria das vezes, eram tudo isso e mais alguma coisa. Ainda hoje, há um fortíssimo preconceito na Europa contra ruivos, principalmente na Inglaterra. É o chamado "Gingerism" (traduzir para "Gingerismo" não é traduzir e sim aportuguesar, o que não faz sentido).

Ruivos na Inglaterra são preteridos na busca de alocação profissional, socialmente, acabando até mesmo em agressão física. Nelson Jones, do New Statement, relata casos de preconceito contra ruivos, que são rudemente chamados de "ginger", sem tradução equivalente ao português, mas equivalente ao "nigger" – "negro" ou "crioulo", em português, e aqui vemos como os idiomas são curiosos, pois "ginger" e "nigger" são palavras compostas pelas MESMAS letras. Se fosse aqui no Brasil, mandariam tirar dos dicionários.

Jones relata que em fevereiro de 2012, dois homens foram condenados em Southampton Crown Court por baixar o cacete em um homem de cabelos vermelhos em New Milton, Hampshire. O ataque foi sem provocação, e começou com insultos "gingeristas" lançadas contra a vítima, James Prior, a partir de um carro.

Mas, mais curiosamente, é como Jones termina seu artigo sobre a lei contra preconceito contra ruivos:

A legislação tornou-se um meio pelo qual o Estado moderno exprime a sua desaprovação moral a certas ações e atitudes. Há bons argumentos para isso. Mas é certamente errado que a lei conceda tratamento a membros de algumas minorias bem-definidos e ignora outras, cujos problemas podem muito bem ser os mesmos. É a própria definição de "privilégio". Tal coisa envia uma mensagem de que algumas formas de preconceito irracional são mais aceitáveis ??do que outros, que um ataque não provocado um alguém seja pior, se ele está motivado pela cor de sua pele, ou por sua sexualidade, do que pela cor do seu cabelo ou o seu peso. Na verdade, há um número infinito de possíveis crimes de ódio. Se o conceito tem algum significado, deve aplicar-se independentemente da característica pessoal, natural ou adotiva, cultural ou indumentária, que inspira o ódio.

Mas apenas 0,6% da população mundial é ruiva. É a minoria entre as minorias e ninguém se importa com minorias, nem mesmo a minoria que não é tão minoria assim. Minoria social? Repito: quantos políticos, presidentes, donos de empresa, capitães de indústria etc ruivos você conhece?

O Gingerism existe e é real. Ruivos se reúnem em passeata pelo Orgulho Ruivo. No Reino Unido, há uma real preocupação com o gingerism. Blogs discutem o preconceito contra ruivos [1] [2] [3]

Nem todos os negros brasileiros descendem de um escravo. Nem todos os brancos foram escravizadores. Nem todos os ruivos têm pacto com Satã, mas com certeza vão dizer que eles não possuem alma e pesam menos que um pato.

Eu não sou ruivo, nem negro, nem europeu escravagista. Mas sei que não podemos medir o preconceito, não podemos determinar qual xingamento é pior, se chamar um garoto de "viadinho" ou o porteiro de "Aê, negão!". Teremos que dimensionar, pois podemos ter uma mulher branca grávida de um mulato com uma loira xenófoba lésbica com um negro  que humilha seus empregados e passou a mão na bunda da faxineira, que é casada com um nordestino, que xingou uma senhora idosa de "velha desgraçada".

TODOS NÓSA somos preconceituosos. Todos nos temos um pré-conceito a algo. Eu fui parar duas vezes na lata do lixo quando era garoto, porque era CDF (não havia o termo "nerd" na época). Tudo bem que eu bati em alguns e xinguei meninas de fofoqueiras.

Isso é bonito? Não, mas estranhamos aqueles que estão fora do nosso grupo social e os hostilizamos. Soltem um arquiteto no meio de engenheiros, técnico de enfermagem perto de médicos, peões de obra perto de madames chiques etc. Como disse o filósofo exterminador, é nossa natureza nos auto-destruirmos.

Mas lutar contra isso não é excluir determinados segmentos por serem "menor quantidade" ou porque negros recebem menos. Não há dados sobre ruivos, que estão na mesma panela que brancos. Mas o que vocês não sabem é que o IBGE possui grandes dores de cabeça, pois ele mesmo não sabe quantos negros o Brasil tem, pois a entrevista não é direcionada, o que o entrevistado diz é o que o pesquisador tem que colocar. Então vem "chocolate", "marrom-bombom" e outras insânias. Notem O próprio indivíduo negro, muitas vezes se posiciona como "pardo",  uma denominação que eu não acho que fala sentido, mas falar "mestiço", apesar do dicionário, é preconceituoso, e o Brasil prefere reescrever dicionários.

O Prouni concede bolsa de estudo de forma integral e parcial em instituições privadas de ensino superior, criado por meio da Lei N°11.096/2005. Já se passaram 8 anos. Se nesses anos tivessem EFETIVAMENTE criado escolas de excelência, começaríamos a colher os frutos hoje, com a nata de alunos indo para as melhores universidades do país, que poderiam ter sua qualidade intensificada, melhorando nosso quadro no cenário educacional mundial. Mas isso não garante votos. Uma canetada, pobre feliz (desempregado, mas feliz) e pronto.

Nisso, um pobre garotinho ruivo chora. Ele não tinha a cor de cabelo certa e o tom de pele adequado para passar no vestibular. Sorte nossa que estamos acabando com o racismo.

Para finalizar: Tim Minchin:

8 comentários em “Contra o preconceito dos preconceituosos que preconceituam

  1. Ao ler “ruivos” e “preconceito” no início do texto logo fiquei “ouriçado” pensando em enviar o link do vídeo do Tim Minchin; por um momento, na minha humilde inocência, achei que o André poderia não conhecer esse artista fantástico (ao qual a única palavra que eu consigo pensar para descrever é GÊNIO), entretanto mais um belo post mostrando os “esquecidos” da população.

    Menos inteligente, porém, até que engraçado:

    Um salve pus mano Red Head!!!

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  2. André , tem transmimento de pensação aqui. Pqensei justamente se você não faria um artigo sobre o tema.

    Entre as coisas mais estúpidas que um partido corrupto #%£|{} … como o PT poderia fazer foi a criação de cotas. Institucionalizaram o racismo. Agora racismo é lei. E tem muita gente que apoia e acha lindo. Em vez de corrigir a distorção social dando oportunidades de crescimento , não , cria-se privilégios. Mais um dentre os milhares no Brasil. Privilégios de associações , creas , sindicatos, funcionários públicos , condomínios etc e tal.
    Em Campinas é feriado!! Pode?
    Meu sangue ferve só de ouvir falar nisso.
    E depois vem com as estatísticas furadas querendo estabelecer relações de causa e efeito inexistentes. Alegam , por exemplo, que negros morrem mais que brancos por mortes matadas (assassinatos). Claro, quem mora mais nos bairros ” risca facas” das cidades? Pobres. E quem são os mais pobres por motivos culturais ? Negros. Mas não , a explicação subliminar é que até os bandidos preferem matar mais negros que brancos. Bandidos também são racistas. Arghhh!

    E falando em cotas e privilégios , outro dia ouvi um cidadão, que faz trabalho de assistência social em presídios , querer passar uma lei para obrigar empresas a reservar vagas para detentos , assim como foram destinadas vagas para deficientes. E deslavadamente citou a lei de cotas para negros. Porque não cotas para presidiários então ?
    Bem , como ninguém é perfeito agora eu vou ser preconceituoso: o cara era evangélico. Hehehe.
    Também faço ações para ajudar os detentos, mas o pessoal é, em grande parte, barra pesada e se eles puderem ficar vagabundeando eles vão. Imagine se tiverem estabilidade?
    E pelos noticiários do mensalão , dalhe mais privilégios , agora para os coitadinhos condenados a prisão semi-aberta, principalmente para o dodói do Genuíno.
    Arghhh de novo.

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  3. Bom, um dos argumentos a favor das cotas é a dívida histórica da sociedade (!) para com os negros.
    Ok, quando a escravidão foi abolida, os negros foram deixados na marginalidade, analfabetos, sem estrutura e muitos preferiram permanecer como “escravos” a fim de sobreviver (empregadas domésticas são um resquício do evento). O problema, anquela época. poderia ser resolvido com uma reforma agrária. Mas essa permanece eternamente nas gavetas de algum lugar desconhecido.
    Ok, tivemos os ciclos migratórios, quando europeus e orientais dos mais diversos segmentos sociais, das mais diversas profissões (lícitas ou não) desembarcaram no Brasil, e receberam seus subsídios, seus pedaços de terra para trabalharem, gerando impostos em troca, numa relação ganha-ganha com o governo. Tenho uma amiga descentente de japoneses que recentemente vendeu um terreno que seu avô recebeu naqueles tempos por mais de 2 milhões. Mas nem todos tiveram esse benefício, vale ressaltar. Favelas não se tornaram exclusividade de negros, como podemos perceber ao longo da formação dos cortiços até se transformarem no que são hoje.
    Aí os pró-cotas jogam na mesa as estatísticas. O pequeno número de negros nas classes mais altas da sociedade. A diferença salarial média deles para os brancos. E usam estes e os demais argumentos acima para construir uma idéia de inclusão social: “não estamos chamando negros intelectualmente inferiores, mas queremos colocá-los nas mais altas esferas sociais, em maior número, para que no futuro não haja distinção por cor na hora em que haja necessidade de escolha entre um candidato negro e outro branco”, eles dizem. “Apenas investir na educação pública de base não vai corrigir esse problema social, pois todos competiriam com as mesmas chances”, eles argumentam para diferenciar cotas de ensino público de qualidade.

    Com algum esforço para validar esses argumentos, e mais alguns descritos no livro sobre cotas do Joaquim Barbosa….caimos na premissa exposta na postagem do blogueiro: qual o critério para diferenciar as pessoas pela cor? Minha vizinha loira filha de negro com branca tem esse direito? Porque se não tiver, a política de cotas se apóia na mesma ignorância aplicada nos tempos de escravidão. Ignorância quanto as origens da espécie humana, antropologia, etc.

    A escravidão foi um triste episódio da história da humanidade. Mas simplesmente não há como corrigir este erro no presente, sem que se cometa outro erro, e sabe-se que um erro não justifica o outro. Voltar no tempo não existe. Então, que se pense em fazer o básico, investir onde se deve investir de modo que se inclua o máximo de cidadãos possível independente de raça, nacionalidade, etc…e que se deixe a natureza se encarregar do resto. A miscigenação está aí, o mundo globalizado também.

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  4. Bem, se ruivos são uma das minorias numéricas, é consequente que eles sejam minoria política, mas nunca vi alguém ser parado pela polícia por suspeita de ter assaltado o próprio carro – mas um negro bem sucedido já. Ora, a maioria da população brasileira admite haver preconceito contra negros – porém, sempre por parte de parentes, amigos, vizinhos, nunca por parte de quem responde à pergunta. É o pior preconceito – o silencioso.

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  5. Muito bom o tema! Sua argumentação teve um tom mais leve, mesmo que politicamente incorreto. Gostei disso!!! Comeu pelas beiradas, mas foi muito interessante.

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