Culturômica 2.0: Quando computadores poderão prever eventos sociais

Num mundo como o nosso, temos acesso (ou quase) em tempo real a tudo que está acontecendo no mundo. Hoje, a informação viaja mais rápido do que a mídia pode registrar e vemos a História se desenrolando, dependendo diretamente do que podemos ter acesso. Levando em conta a velocidade que as redes sociais possuem em transmitir informações e notícias, muitas vezes temos um panorama geopolítico quase simultâneo. A questão é saber se poderíamos prever eventos sociais com a ajuda da computação, registrando num supercomputador todos os dados e informações que estão chegando a cada momento.

Alguém está ajeitando seus óculos de aros grossos e, emoldurado por vastas costeletas brancas, um sorriso de "eu já sabia" se desenha.

Uma pesquisa publicada esta semana analisa a possibilidade de alimentar um supercomputador com artigos jornalísticos e informações diversas afim de montar uma base de dados que poderia ser processada, de forma a estabelecer previsões de eventos internacionais.

O dr. Kalev H. Leetaru é pesquisador sênior do Instituto para Computação na Área de Humanas, Artes e Ciências Sociais da Universidade do Illinois. Sua pesquisa se baseou em milhões de artigos publicados e detectou uma piora do sentimento geral das nações antes dos recentes levantes no Egito e na Líbia. Este levantamento pode levar a previsões de eventos sócio-econômicos futuros. Analisando dados como as revoluções na Tunísia, Egito e Líbia, incluindo a deposição do presidente egípcio Mubarak, os modelos computacionais chegaram a prever a estabilidade da Arábia Saudita (pelo menos até maio 2011).

O sistema desenvolvido analisou diversas reportagens em termos de sentimento (se ela representava notícias boas ou ruins) e localização (onde eles aconteciam e a localização de outros participantes no artigo). A análise dos elementos selecionados resultou na criação de uma rede com mais de 100 trilhões de interconexões, cujos dados foram colocados em um supercomputador Silicon Graphics Altix, conhecido como Nautilus, na Universidade do Tennessee, com um poder de processamento de 8,2 teraflops (ou trilhões de operações de ponto flutuante por segundo). A pesquisa foi publicada no periódico online First Monday.

Deixando obras de ficção de lado, poderíamos, em princípio, prever eventos sociais de acordo com uma análise estatística completa, bastando alimentar um supercomputador com toneladas de informações e cruzar os dados, na base de: Se A aconteceu, então B terá X% de possibilidade de ocorrer. Parece mais simples do que realmente é, pois só em recolher e catalogar a imensa gama de informações já é complicado. Processar tudo isso em tempo hábil demanda muito poder computacional e ainda tem os chamados fatores caóticos, onde não se tem todas as informações disponíveis e não se pode prever para longo prazo.

O dr. Leetaru diz que seu sistema parece gerar informação de inteligência melhor do que a disponível para o governo americano na época, pois o gráfico egípcio sugere que algo inédito estava acontecendo naquela época. Tomando por base que levantes semelhantes aos que aconteceram na Líbia ocorreram nos Balcãs nos anos 1990, o sistema criado por Leetaru traçou cálculos que mediram o percentual de probabilidade do mesmo ocorrer em seguida.

O mundo da informação está muito diferente do do século XX. Antes, as reportagens iam por rádio ou TV. Muitas vezes por telex e outros por telegramas. Só sabíamos dos eventos meses depois de terem ocorrido, às vezes, nem mesmo sabíamos. Creio ser praticamente impossível uma blitzkrieg acontecer sem que saibamos praticamente na hora, com pessoas fotografando e filmando para jogar na Internet. O Levante do Gueto de Varsóvia seria mostrado em tempo real e não se passariam anos ou mesmo décadas sem termos ideia que coisas como Auschwitz ocorriam.

Em termos de análise, o poder computacional e a base de dados usada por Leetaru e seus colaboradores consegue computar e estabelecer como determinados acontecimentos acontecem e poderão acontecer. Se adicionarmos a essa receita de bolo toda a informação que as pessoas comuns, como eu e você, geram diariamente, o que teremos… bem, eu imagino que o que teremos atualmente é um engasgo e colapso no processamento das informações. Não vejo num futuro de médio prazo um poder computacional suficiente para processar tudo isso. E por "futuro de médio prazo" eu quero dizer "ano que vem". Quem sabe em 2013…


Fonte: BBC Brasil

11 comentários em “Culturômica 2.0: Quando computadores poderão prever eventos sociais

  1. O problema maior não é nem em poder de processamento. Hoje “qualquer um” consegue conectar vários computadores comuns num cluster e ter um bom poder de processamento. Hardware é “simples”; é, na verdade, software. O hardware fica mais rápido mais rapidamente (?) do que nossa capacidade (falo nossa porque sou programador, pois não trabalho nesta área de pesquisa) em criar novas soluções ou colocar as existentes no “papel”, ou computador.

    Estou tendo aulas de inteligência artificial (na verdade na minha graduação é só introdução) e estou pirando meus miolos, pois a coisa é bastante complexa do ponto de vista matemático-lógico. O hardware é “mero detalhe” perto dos problemas de software a serem resolvidos para a criação de um sistema com tal nível de inteligência. IA é uma área que envolve tudo: estatística, biologia, psicologia, computação (logicamente), economia, matemática…

    Ainda não li, mas a série A Fundação não trata de alguma coisa semelhante à ideia da notícia?

    Contanto que computadores não sejam capazes de prever o futuro – pra mim só a Mãe Diná pode -, está bom :-)

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        1. @Fausto Biazzi, Também lembrei na mesma hora, e também não havia notado a passagem citada! Psico-história já não parece algo tão longe da realidade. Na verdade, sempre pensei que um tipo de análise como essa iria acabar surgindo com o avanço da computação. Não imagino até que ponto tais previsões serão confiáveis, mas… A ideia, ao menos como um princípio, sempre soou verossímil para mim.

          O tempo dirá, afinal.

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  2. Alguém está ajeitando seus óculos de aros grossos e, emoldurado por vastas costeletas brancas, um sorriso de “eu já sabia” se desenha.

    André não lhe dou o direito que falar sobre a minha pessoa.

    :mrgreen:

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  3. Tambem tem um outro conto do livro “eu, robô” (conflito evitável) de Isaac Asimov em que a rede de processadores começa a produzir falhas no sistema de controle mundial de propósito a fim de derrubar certas pessoas-chave de seus postos, porque a rede teria previsto que estas pesoas, pelos suas atitudes, poderiam causar algum mal à ordem do planeta, como o início de conflitos, desequilíbrio na produção etc, cumprindo assim a primeira lei da robótica.
    Outro aspecto abordado pela ficção de Phillip K. Dick em “o pagamento” e de que as previsões paradoxalmente poderiam ser o estopim de seu próprio acontecimento.

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  4. Só para constar o cientista político Bruce Bueno de Mesquita tem um algoritmo patenteado há uns 20 anos para fazer previsões de eventos sociais,dizem que com grande precisão.

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  5. Nem se for análisada uma década ou cinco, dos fatores caóticos, os dados seriam suficientes para alimentar o computador e gerar uma previsão de determinado local?

    Quanto a informação das pessoas comuns, acredito que 1/3 do resultado seria puro spam.

    O periódico FirstMonday é bem mais direto (em termos de layout) para apresentar os artigos. Obrigada pelo link!

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