Macacos, robôs e a Copa do Mundo

Em Aliens, o Resgate, Sigourney Weaver entra em campo para sair na porrada com o bicho-feio-babão. Como "na mão" ela não seria idiota de fazer, ela vem com um exoesqueleto imenso. Isso é recorrente em várias obras de ficção científica e nem é mais tão ficção assim, já que engenheiros japoneses mostraram em 2009 que apetrechos assim são plenamente viáveis (vídeo AQUI).

Isso, por si só, já é algo e tanto, mas sempre queremos coisas melhores. É o natural em termos de evolução do conhecimento. Um exoesqueleto assim é muito útil, mas tem problemas por ser grande e desajeitado. Muito bom para serviço pesado, mas deficiente em termos de sensibilidade. Não seria legal se pudéssemos mover máquinas e sentir o mundo através delas, através do mais importante dos sentidos? Sim, seria e é no que o pesquisador Miguel Nicolelis está avançando, conseguindo que macacos tivessem uma real sensação tátil ao manipular objetos que em fato não existem. Mas hein?

Dentre os 5 sentidos aristotélicos, o tato é o mais importante deles. Você pode viver anos a fio sem ter visto um só raio de luz. Você pode nascer surdo, mudo ou os dois juntos, para ficar pior ainda, ou logo cego, surdo e mudo. Hellen Keller teve a sorte de ser "abençoada" por algo semelhante. Mas bênção MESMO foi ter cruzado com Anne Sullivan.

O tato é tão comum a nós que mal nos damos conta dele. Quando queremos procurar por um objeto, "varremos" o ambiente com nossos olhos. Sabemos que estamos vendo. Da mesma forma, ao ouvir algum barulho no ambiente, simplesmente não nos damos conta (em nível consciente) dos inúmeros barulhos que estão ocorrendo simultaneamente. O tato é mais sutil ainda. Ele é característica do maior órgão de nosso corpo: a pele. sentimos a textura das coisas, avaliamos a massa e a possibilidade de pegar objetos. Se um objeto estiver na nossa frente, olhamos para identificar o tamanho, formato e a natureza do material, coisa que nem sempre é simples. Uma batidinha (ops) e ouvimos que ruído ele faz, a fim de saber se é vidro ou madeira, se está oco ou é sólido. Com o tato "vemos" o formato e a textura e a sensação tátil nos diz mais ou menos que que material é feito. Foi através do tato com as "batidinhas" que o ouvido pôde identificar (ou não) outras propriedades do corpo. Até pode-se usar o olfato e o paladar, mas se for uma substância venenosa, isso pode não ser uma boa ideia.

É muito comum tentarmos levantar algo que parece muito pesado, mas o tato nos dirá que é levíssimo, quase fazendo-nos cair pra trás devido à imensa força empregada sem necessidade, afinal. É o tato que nos faz segurar um ovo com delicadeza para não esmagá-lo ou prepararmos para pegar um saco de cimento. Os olhos enganam e só quem tentou um frasco contendo um litro de mercúrio sabe como eles – os olhos – são traiçoeiros (recomendação: não tentem).

As próteses, atualmente, estão muito avançadas e estão disponíveis a todas as pessoas (principalmente as que podem pagar por elas ou que têm coragem de escrever para empresas em busca de patrocínio). O problema das atuais próteses é que elas fazem o que você quer (ou bem próximo disso), mas não dão informação de resposta, ou seja, você "pensa" em pegar um copo d’água, leva a mão até ele e a mão pega, mas não lhe diz que pegou. Você precisa da informação visual. Se for pegar um copo contendo mercúrio (eu já falei para não tentar fazer isso!), você terá muitos problemas. Pensando nisso, a equipe do dr. Miguel Nicolelis pesquisa a respeito de como pode-se gerar informação de retorno (ou feedback, se você aprecia anglicismos), e teve bons resultados que foram mostrados esta semana.

O dr. Miguel Nicolelis é um dos perfeitos exemplos que o Brasil tem membros ilustres na comunidade científica. Ele é um neurocientista que trabalha no seu próprio laboratório no Centro Médico da Universidade Duke, Estados Unidos, chefiando uma equipe no departamento de Neuroengenharia. Se ele estivesse ainda no Brasil, estaria ganhando uma merreca e trabalhando num laboratório sem nem um frasco de álcool, tendo que dar aulas para estudantes vagabundos numa universidade vagabunda, tentando levar adiante um programa vagabundo em algum curso vagabundo como Medicina Homeopática (sim, este câncer existe) ou pior do que isto. Ele poderia estar dando aula na UERJ (ou não, já que aquela bosta vive em greve).

O dr. Nicolelis é um ícone da Ciência e é bem conhecido lá fora (aqui o pessoal, no máximo, sabe quem é o artilheiro do Campeonato Brasileiro, informação esta que eu ignoro completamente e não faço questão de saber), e se eu fosse apostar em alguém que fosse ganhar o prêmio Nobel, eu colocaria todas as fichas no bom dr. Nicolelis (pena que isso depende também de outros fatores, pois o ser humano é um animal político também).

Esta semana, o ilustre dr. Miguel demonstrou primeira de uma interação de duas vias entre um cérebro de primatas e um corpo virtual, dois macacos treinados da Universidade Duke aprenderam a manipular membros virtuais na tela de um computador. Isso pode parecer pouca coisa, já que macacos já manipularam braços mecânicos reais (você viu a reportagem linkada logo no primeiro parágrafo, não é?). A diferença é que à medida que eles manipulavam os objetos virtuais, o computador retornava informação direto aos seus cérebros, de forma com que eles sentissem o que estavam "tocando". A pesquisa foi publicada na revista Nature.

O tato funciona por meio de corpúsculos espalhados pela pele.  O Corpúsculo de Vater Paccini nos dá a percepção da pressão, o de Meissner é responsável pela percepção do tato leve quando passamos, por exemplo, a ponta dos dedos por uma superfície, assim como os Corpúsculos de Merkel. O Corpúsculo de Krause nos informa se um corpo é frio, enquanto o Corpúsculo de Ruffini trata da percepção do calor. Sim, eu sei que parece estranho um corpúsculo informar se algo está frio enquanto outro diz se está quente;mas coloque a mão esquerda numa tigela de água quente e a direita numa tigela de água bem gelada. Em seguida, coloque as duas numa tigela com água morna e veja que você sente frio e calor ao mesmo tempo.

Terminações nervosas livres chamadas de nociceptores não formam corpúsculos, mas são responsáveis por sensações desagradáveis, registrando evento como dor. Como cada corpúsculo tem uma ação diferente, as sensações são processadas em paralelo e não são misturadas. É por isso que o corpo consegue diferenciar um corte de uma queimadura.

O dr. Nicolelis — dirão fanáticos da religião Vegan — é um porco especista, pois fez experiências com macaquinhos indefesos, mas é claro que seres vivos com nível evolutivo maior que um protozoário consegue ver a maravilha disso. Nessa pesquisa, o dr. Nicolelis demonstra que os macaquinhos manipulavam os referidos objetos virtuais através de eletrodos implantados em seus cérebros, enquanto outros eletrodos traziam informações de volta. Isso, em termos mais simples, significa que, para os macaquinhos, eles manipulavam objetos REAIS, pois eles sentiam o tato.

O que é "real"? Como você define o "real"? Se está falando do que consegue sentir, do que pode cheirar, provar, ver… então, "realidade" não passa, simplesmente, de sinais elétricos interpretados pelo cérebro.

— Morpheus, em MATRIX.

Nenhum dos corpos manipulados pelos macaquinhos era real, mas eram "reais" em termos de tato. A atividade elétrica do cérebro fez com que os pequenos primatas usassem mãos virtuais sobre uma superfície virtual, manipulando objetos virtuais mas, em todo este processo, eles tinham sensações do que estavam fazendo. Como fazer a diferença entre o que é virtual e o que é real, então? Visualmente, os corpos eram iguais, da mesma forma que seria igual eu colocar um bloco de madeira e um de cimento revestido de madeira na frente de uma pessoa. Ela só saberia a diferença mediante a manipulação dos mesmos. Abaixo, vocês podem ver um vídeo do procedimento:

A textura dos objetos virtuais foi expressa como um padrão de sinais elétricos transmitidos emitidos para o cérebro dos macaquinhos. Três diferentes padrões elétricos correspondiam a cada uma das três texturas de objetos diferentes. Eles foram adestrados para procurar por uma textura específica e, como puderam ver, conseguiram, o que demonstra que o sistema de retroalimentação de sinais estava funcionando perfeitamente.

Vamos juntar as duas pesquisas citadas e ver no que dá. Podemos resolver problemas de saúde, dando esperanças a pessoas que perderam a capacidade de se locomover, de explorar o mundo, o seu mundo! Pessoas mutiladas poderão ter próteses melhores que retornem informações diretamente aos seus cérebros, de forma que possam medir e sentir o que estão fazendo. É praticamente o objetivo do projeto Walk Again.

Imagine agora um cirurgião tendo que operar uma pessoa a milhares de quilômetros de distância. Ele se vale de seu tato, de sua experiência de todas as informações possíveis e imagináveis que possam chegar ao seu  privilegiado cérebro, de forma a traduzir isso em movimentos com a delicadeza e precisão necessárias para a sua função. Imaginem uma sonda indo para Vênus. Cientistas poderiam se valer de tecnologia de realidade virtual para explorar o mundo, sem sofrer o ambiente mais do que inóspito. Ele sentiria pelo tato o ambiente, tendo um sistema filtrando sensações dolorosas. Imaginem a cura de doenças que afetam o sistema que controla as sensações táteis.

Enquanto algumas pessoas ficam no canto da sala resmungando por que não puderam ser abençoadas com uma vida normal, outras trabalham para DAR esta vida normal aos deficientes. A expectativa é que nos próximos anos, as interfaces cérebro-máquina-cérebro estejam acessíveis à maioria da população, coisa que não acontecerá na totalidade por causa de interesses políticos e econômicos, mas a tecnologia já deu provas que isso é possível, assim como é possível acabar com a fome na África.

Com apenas 4 (Q-U-A-T-R-O!) tentativas para dominar o sistema. Um ser humano faria isso com um pé nas costas (se for paraplégico, use outra metáfora). Com nove tentativas, eles (falo dos macacos, ainda não fizeram testes com humanos ao que se sabe) manipulavam os objetos virtuais mediante suas texturas sem errar. Agora, basta partir para a construção de um exoesqueleto e construção de um sistema para ser usado por humanos. A equipe científica internacional propôs recentemente realizar a sua primeira demonstração pública de um exoesqueleto autônomo durante o jogo de abertura da Copa do Mundo de 2014, a ser realizada no Brasil. Pena é saber que é o mesmo país onde pessoas morrem de dengue, que seria facilmente aniquilada ao se matar a bosta de um mosquito.

Einstein era um gênio, mas todo gênio comete erros. A imaginação NÃO VALE mais que o conhecimento. No futuro distante do filme Alien, a tenente Ripley usou um tosco exoesqueleto de metal. Em Missão Marte, astronautas tiveram que se expor aos problemas do Planeta Vermelho. Em Tropas Estelares, militares mutilados estavam condenados a cadeiras de rodas não muito diferentes das atuais. A Ciência venceu novamente. A imaginação é estática, o conhecimento evolui e eu fico feliz que seja assim.


Fonte: Press Release da Universidade Duke e do site do dr. Nicolelis, o qual ele poderia pedir para fazerem algo melhor. Site em Flash não é coisa de Deus.

6 comentários em “Macacos, robôs e a Copa do Mundo

  1. “O dr. Nicolelis — dirão fanáticos da religião Vegan — é um porco especista, pois fez experiências com macaquinhos indefesos”

    Pensei a mesma coisa na hora que ele disse que usou macacos para fazer a experiência. Lá vem mimimi dos verdinhos condenando a experiência do Doutor Nicolelis mas nunca dando uma alternativa ao uso dos símios.

    O estranho é que, até agora, o nosso Vegan de estimação não deu um piu sobre essa experiência.

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  2. O dr. Nicolelis deveria ser melhor reconhecido por aqui. Ele já foi capa da Scientific American e se não me engano tem um projeto educacional em Natal-RN.

    “aqui o pessoal, no máximo, sabe quem é o artilheiro do Campeonato Brasileiro, informação esta que eu ignoro completamente e não faço questão de saber”

    De acordo completamente. Futebol sucks!! Tenho mais orgulho do bom dr. Nicolelis do que perder tempo vendo a tosca seleção brasileira. Valeu por mais um artigo genial!! :)

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  3. E eu, quando li, pensei primeiro naquele filme O Demolidor, onde o sexo havia sido abolido e as pessoas só o faziam “virtualmente”, por capacetes que passavam as sensações diretamente ao cérebro. Espero que até lá eu ainda seja um camarada que prefere o estilo tradicional :-) (e que já saiba usar as 3 conchas).

    Não é difícil prever que, embora o uso inicial destas tecnologias seja militar e medicinal, não demorará a aparecerem usos comerciais destas pesquisas. Talvez os primeiros a adquirir sejam o pessoal do Second Life. Acho que quem joga este jogo nem vai se preocupar com o fato de o método ser bastante intrusivo. Acho que, hoje em dia, nem seria mais aquele conector bizarro de Matrix, mas algo tipo um USB 7.0 logo atrás do ouvido. Além de útil serviria como piercing. Ou talvez algo sem fio, já que hoje é bastante comum. Wi-brain-fi ou blue-brain-tooth. Só espero que tenham driver pra Linux.

    Quando a tecnologia já deixar de ser tão intrusiva (talvez na forma de um capacete), será a vez da indústria pornográfica, já que a Regra 34 não falha nunca , o que me faz pensar que ela talvez seja uma constante do universo. Serão os filmes pornos interativos. Tudo faz mais sucesso neste mercado.

    Como em futurama, as empresas de publicidade utilizarão esta tecnologia para inserir propagandas diretamente no cérebro das pessoas.

    É, dá pra inventar bastante uso pra estas tecnologias. Mas, como o André disse, tudo indica que as coisas serão bem diferentes do que os filmes e livros indicavam. Como diria Renato Russo, “o futuro não é mais como era antigamente”.

    Viajei total. Sorry :-)

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