Walter Summerford: o homem que virou para-raios humano

Se você acha que tem azar na vida, prepare-se para conhecer Walter Summerford, um sujeito que transformou o ditado “o raio não cai duas vezes no mesmo lugar” numa piada de muito mau gosto do Universo. Este major britânico conseguiu a proeza de ser atingido por raios com mais frequência que político muda de partido, e olhe que estamos falando de um período em que a meteorologia ainda engatinhava e ninguém ficava grudado no celular consultando aplicativos de previsão do tempo.

Walter Summerford nasceu em 1871, na Inglaterra vitoriana. Cresceu numa época em que a eletricidade ainda era vista como algo quase mágico e os trovões eram mais temidos do que compreendidos. Ironia fina do Destino: décadas depois, a eletricidade faria dele literalmente seu brinquedo favorito. Com espírito aventureiro e disciplina militar, Walter ingressou no exército britânico, onde fez carreira e chegou ao posto de major. Foi nesse contexto que a guerra o levou até os campos encharcados da Bélgica, durante a Primeira Guerra Mundial.

A saga começou em 1918, quando Summerford cavalgava tranquilamente pelos campos belgas. Imaginem a cena: um oficial britânico, provavelmente pensando em chá, scones e em como sobreviver a mais um dia no inferno das trincheiras, quando de repente – CRACK! – Zeus resolve dar uma demonstração gratuita de sua artilharia elétrica. O primeiro raio deixou nosso protagonista paralisado da cintura para baixo, numa época em que “reabilitação” significava basicamente torcer para que o corpo se lembrasse de como funcionar, já que a Medicina da época pouco podia oferecer além de massagens improvisadas e muito repouso.

O exército britânico, com sua pragmática cortesia imperial, se livrou dispensou Summerford dos serviços, porque, convenhamos, um soldado que atrai descargas elétricas não é exatamente o que se deseja numa trincheira, além de não ter que ficar pagando salário a alguém que não fará nada no sentido “morrer pelo Rei”. Walter, então, se aposentou em Vancouver, no Canadá, cidade que escolheu provavelmente pela reputação de lugar chuvoso, arborizado e, portanto, teoricamente mais seguro para alguém com sua peculiar relação com os fenômenos atmosféricos.

Vancouver, no início do século XX, também era um destino de muitos veteranos de guerra que buscavam recomeçar a vida em um cenário mais pacífico e, aparentemente, Walter pensou que a chuva constante seria um bom disfarce para seus problemas com o céu aberto.

Durante alguns anos, a vida seguiu relativamente normal. Summerford passou por um lento processo de reabilitação, voltou a andar e chegou a se considerar “curado”. Ledo engano! Em 1924, apenas seis anos depois – porque aparentemente o destino tinha um cronômetro interno programado – ele estava pescando placidamente à beira de um rio quando decidiu se acomodar sob uma árvore. Má escolha de sombra, péssima escolha de árvore.

O segundo raio chegou como um visitante inconveniente, atingindo a árvore e saltando para Summerford com a pontualidade de um relógio suíço. Desta vez, ele perdeu toda a sensibilidade do lado direito do corpo. Se fosse nos dias de hoje, Walter provavelmente teria virado influencer digital especializado em “como sobreviver a raio” , ganhando dinheiro via mendigagem virtual ou fazendo publi de capas de chuva e guarda-chuvas à prova de choque.

Mais uma vez, milagrosamente, Walter se recuperou. E aqui reside um dos aspectos mais fascinantes – e tragicamente irônicos – da História: em vez de se tornar um eremita ou se mudar para o deserto do Atacama, Summerford virou um entusiasta ainda maior da vida ao ar livre. Era como se tivesse desenvolvido uma síndrome de Estocolmo meteorológica, apaixonando-se justamente pelas atividades que o colocavam em contato direto com seu algoz celestial.

Pesca, acampamentos, caminhadas… Summerford abraçou todas essas atividades com o fervor de quem não aprendeu absolutamente nada com a experiência. Ou talvez tenha aprendido demais: há uma linha tênue entre coragem e teimosia, e Walter parecia ter escolhido residir permanentemente nessa fronteira. Seus vizinhos provavelmente o viam como aquele veterano excêntrico que, apesar de já ter levado choques cósmicos, continuava passeando tranquilamente sob as árvores, como se fosse imune a qualquer estatística.

Em 1930, pontualmente seis anos após o segundo incidente – porque até mesmo os caprichos do Destino têm sua regularidade matemática –, Summerford foi atingido pela terceira vez enquanto caminhava num parque de Vancouver. Este raio, aparentemente cansado da brincadeira de gato e rato, resolveu encerrar a diversão de forma definitiva: Walter ficou completamente paralisado, da cabeça aos pés.

Os médicos da época, com aquela sobriedade típica da profissão, declararam que era um “milagre” ele ter sobrevivido e que as chances de alguém ser atingido por raios três vezes eram ridiculamente pequenas. Walter Summerford havia se tornado uma anomalia estatística ambulante, o equivalente humano de ganhar na loteria três vezes seguidas, só que no sentido inverso da sorte. Para se ter uma ideia, hoje em dia a probabilidade de uma pessoa ser atingida uma única vez é de cerca de 1 em 15 mil por ano. Três vezes? É como ganhar na Mega-Sena, só que com trovões em vez de milhões.

Durante dois anos, Walter permaneceu acamado, numa batalha diária pela sobrevivência que finalmente perdeu em 1932. A esta altura, qualquer pessoa sensata pensaria: “Bem, pelo menos agora ele pode descansar em paz”. Qualquer pessoa sensata não conhecia Walter Summerford.

Cerca de quatro anos após seu sepultamento no Cemitério Mountain View, sua lápide foi atingida por um raio. Quatro raios, quatro vezes, numa regularidade que desafiava não apenas as leis da probabilidade, mas também o bom senso cósmico. Era como se Walter tivesse assinado um contrato vitalício com as forças atmosféricas. Se acreditarmos em Thor, Zeus ou Iansã, todos parecem ter decidido manter o “clube de fãs” de Summerford ativo mesmo depois da morte.

As teorias abundaram entre os conhecidos de Walter. Alguns falavam em azar, outros em maldição. Havia quem especulasse se ele não teria, de alguma forma, ofendido a Mãe Natureza; talvez pisado numa flor sagrada, insultado uma nuvem particularmente sensível ou simplesmente ter sido escolhido como mascote pessoal dos céus. A regularidade quase metronômica dos ataques (a cada seis anos) sugeria um padrão que transcendia o mero acaso, como se o Universo tivesse um alarme configurado para lembrar: “Hora de eletrocutar o Walter de novo”.

Mas talvez a explicação mais simples seja também a mais humana: Walter Summerford era daqueles sujeitos que, mesmo diante do absurdo, continuam vivendo. Não aprendeu a temer o céu aberto, não se rendeu à paranoia, não se transformou num recluso. Continuou pescando, caminhando, aproveitando a vida ao ar livre com uma obstinação que beira o heroico – ou o completamente maluco.

No final das contas, Walter Summerford nos deixa uma lição curiosa sobre a natureza humana: às vezes, a verdadeira coragem não está em enfrentar o perigo uma vez, mas em continuar vivendo plenamente mesmo quando o universo parece ter uma conta pessoal com você. E se isso não é uma metáfora perfeita para a condição humana, então raios que me partam.

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