
Histórias misteriosas envolvendo o Sobrenatural de Almeida são algo que sempre apareceram na história da Humanidade, desde que começou a História, ou mesmo antes dela. No caso de Roma, sua cultura e religião estavam tão misturadas que muitos relatos acabam com influência de maldições, milagres, ações de deuses, fantasmas e outros seres do além, do aquém e adonde que véve os mortos. Um exemplo disso é uma carta de Plínio, o Jovem, que escreveu ao seu amigo sobre uma casa mal-assombrada e um cético que resolveu enfrentar os fantasmas que lá habitavam.
Caius Plinius Caecilius Secundus – ou Plínio Segundo, também chamado de Plínio, o Moço, como o chamaremos daqui por diante –, era sobrinho-neto de Plínio, o Velho, o historiador que saiu em missão de resgate na época da explosão do Vesúvio, mas acabou falecendo lá, conforme contei AQUI. Segundinho recebeu o cargo de Questor durante o reinado de Domiciano, e no ano 92 passou para a função de Tribuno da Plebe, para depois ser promovido no ano 95, chegando ao cargo de Pretor. Já no governo de Trajano (98 – 117), Plínio, o Moço foi promovido ao cargo de governador da província de Ponto-Bitínia (atual Turquia). Ele adorava escrever cartas para um monte de gente (e quase todas sobreviveram), mas um que ele se comunicava muito era um senador chamado Lucius Licinius Sura, amigo próximo do imperador Trajano e três vezes cônsul, o que era algo bem raro de acontecer (entenderam por que Plínio sempre estreitou amizade com ele?).
No Livro 7, Carta 27, vemos um interessante relato de Plínio (grifos meus), no qual menciona Curtius Rufus, provavelmente fazendo alusão a Quintus Curtius Rufus, um historiador romano e mencionado por Tácito em seu Anais, Livro 11, cap. 21, no qual alegava que Rufus estava na equipe do Questor da África, e a carta de Plíniozinho menciona isso. Plínio também menciona o filósofo estóico Athenodorus, conhecido como Athenodorus Cananites ou Atenodoro de Tarso. Este Atenodoro será o nosso detetive desta história, o cético que irá investigar os acontecimentos. Grifos em azul são meus!
Vamos à carta!
PARA SURA
O presente recesso dos negócios lhe dá tempo para dar, e a mim para receber, instruções (Plínio sempre pedindo “orientações”, mas sabemos que isso é pra se chegar aos poderosos, porque ele sabia que chefe adora se sentir chefe). Estou extremamente desejoso, portanto, de saber seus sentimentos a respeito de espectros (fantasmas, você sabe), se você acredita que eles realmente existem e têm suas próprias formas adequadas e uma medida de divindade, ou são apenas as falsas impressões de uma imaginação aterrorizada?
O que particularmente me inclina a dar crédito à sua existência é uma história que ouvi de Curtius Rufus. Quando ele estava em circunstâncias baixas e desconhecido no mundo, ele acompanhou o recém-nomeado governador da África naquela província.
Uma tarde, enquanto ele caminhava no pórtico público, ele ficou extremamente intimidado com a figura de uma mulher que lhe pareceu de um tamanho e beleza mais do que humanos. Ela lhe disse que era o Gênio tutelar que presidia a África (uma espécie de profetiza, pelo visto) e que viera informá-lo dos eventos futuros de sua vida: que ele deveria voltar para Roma, onde ocuparia o cargo, e retornar para aquela província investido com a dignidade proconsular, e lá deveria morrer. Cada circunstância desta profecia foi realmente cumprida.
Diz-se ainda que, em sua chegada a Cartago, quando ele estava saindo do navio, a mesma figura o abordou na praia. É certo, pelo menos, que, sendo acometido por um ataque de doença, embora não houvesse sintomas em seu caso que levassem seus assistentes ao desespero, ele imediatamente perdeu toda esperança de recuperação; julgando, ao que parece, a verdade da parte futura da previsão, pelo que já havia sido cumprido; e o infortúnio que o ameaçava, pelo sucesso que havia experimentado (um relato digno da peça MacBeth, de Shakespeare).
A esta história, deixe-me acrescentar outra tão notável quanto a anterior, mas acompanhada de circunstâncias de maior horror; que eu lhe darei exatamente como me foi relatada.
Havia em Atenas uma casa grande e espaçosa, mas infame e pestilenta. Na calada da noite, um barulho, semelhante ao bater de ferros, era frequentemente ouvido, o que, se você ouvisse com mais atenção, soava como o barulho de grilhões; a princípio parecia distante, mas se aproximava gradualmente. Imediatamente depois, um fantasma apareceu na forma de um velho, extremamente magro e esquálido, com uma longa barba e cabelos eriçados, sacudindo os grilhões em seus pés e mãos.
Os pobres habitantes, consequentemente, passavam noites sem dormir sob os terrores mais sombrios imagináveis. Isso, ao interromper seu descanso, os lançava em destemperos, que, à medida que seus horrores mentais aumentavam, provaram ser fatais para suas vidas. Pois, mesmo durante o dia, embora o espectro não aparecesse, a lembrança dele causava uma impressão tão forte em suas imaginações que ele ainda parecia diante de seus olhos, e seu terror permaneceu quando a causa dele se foi.
Por esse meio, a casa foi finalmente abandonada, por ser julgada por todos como absolutamente inabitável, de modo que agora estava inteiramente abandonada ao fantasma. No entanto, na esperança de que algum inquilino pudesse ser encontrado que ignorasse essa grande calamidade que a acompanhava, um aviso foi proclamado, avisando que a casa seria alugada ou vendida.
Aconteceu que Athenodorus, o filósofo, chegou a Atenas nessa época e, lendo o proclama, verificou o preço. O preço extraordinariamente baixo levantou suas suspeitas, no entanto, quando ouviu a história toda, ele estava tão longe de ficar desanimado que se sentiu mais fortemente inclinado a alugá-lo e, em suma, realmente o fez!
Quando a noite chegou, ele (Athenodorus, e não o fantasma) ordenou que um divã fosse preparado para ele na parte da frente da casa e, depois de pedir uma luz, junto com sua pena e tabletes, ele ordenou que todo o seu povo se retirasse para dentro. Mas para que sua mente não pudesse, por falta de emprego, ficar aberta aos terrores vãos de ruídos e aparições imaginárias, ele se dedicou a escrever com todas as suas faculdades (traduzindo: para não cair no sono, ele ficou escrevendo).
A primeira parte da noite passou com o silêncio habitual; então, começou o tilintar de grilhões de ferro. No entanto, ele não levantou os olhos, nem largou a caneta, mas fechou os ouvidos concentrando sua atenção. O barulho aumentou e avançou mais perto, até que pareceu na porta e, finalmente, no quarto. Ele olhou em volta e viu a aparição exatamente como lhe havia sido descrita: estava diante dele, acenando com o dedo. Athenodorus fez um sinal com a mão para que esperasse um pouco e se curvou novamente para escrever, mas o fantasma sacudiu suas correntes sobre sua cabeça (a de Athenodorus) enquanto escrevia, ele olhou em volta e o viu acenando como antes. Com isso, ele imediatamente pegou sua lâmpada e o seguiu.
O fantasma caminhou lentamente, como se estivesse sobrecarregado com suas correntes; e tendo se virado para o pátio da casa, desapareceu de repente. Athenodorus, estando assim abandonado, marcou o local com um punhado de grama e folhas. No dia seguinte, ele foi até os magistrados e os aconselhou a ordenar que aquele local fosse desenterrado. Lá, eles encontraram ossos misturados e entrelaçados com correntes; pois o corpo havia se decomposto por muito tempo deitado no chão, deixando-os nus e corroídos pelos grilhões. Os ossos foram coletados e enterrados às custas do público; e depois que o fantasma foi devidamente afastado a casa não foi mais assombrada.
Acredito nesta história com a afirmação de outros; eu mesmo posso afirmar aos outros o que agora relato. Tenho um homem liberto chamado Marcus, que tem alguma tintura de letras (mesmo escravos e ex-escravos podiam ser alfabetizados, dependendo de onde foram capturados). Uma noite, seu irmão mais novo, que dormia na mesma cama com ele, viu, como ele pensou, alguém sentado no sofá, que colocou uma tesoura em sua cabeça e realmente cortou o cabelo do topo dela. Quando amanheceu, eles encontraram a cabeça do menino tosquiada e o cabelo espalhado pelo chão. Após um curto intervalo, uma ocorrência semelhante deu crédito ao primeiro.
Um menino escravo meu estava dormindo entre vários outros em seus aposentos, quando duas pessoas vestidas de branco entraram (como ele conta a história) pelas janelas, cortaram seu cabelo enquanto ele estava deitado e se retiraram da mesma forma que entraram. A luz do dia revelou que esse menino também havia sido tosquiado e que seu cabelo também estava espalhado pelo quarto.
Nada de notável se seguiu, a menos que eu tenha escapado da acusação; processado eu deveria ter sido, se Domiciano – em cujo reinado essas coisas aconteceram – tivesse vivido mais. Pois uma informação registrada por Carus contra mim foi encontrada em sua escrivaninha (Domiciano morreu em 96 E.C., o que não deu tempo para as acusações de Carus surtirem efeito. Isso nos ajuda a datar o documento). Portanto, pode-se conjecturar, uma vez que é costume que pessoas acusadas deixem seus cabelos crescerem, que esse corte de cabelo de meus servos era um sinal de que eu derrotaria o perigo que pairava sobre mim.
Peço, então, que você aplique aprendizado a esta questão. Ela merece sua consideração prolongada e profunda; e eu mesmo não sou um recipiente indigno de seu conhecimento abundante (a boa e velha bajulação). E embora você deva, à sua maneira, argumentar em ambos os lados; ainda assim espero que você jogue suas razões mais pesadas em uma balança, para que você não me descarte em suspense e incerteza, enquanto eu o consulto de propósito para determinar minhas dúvidas. Adeus.
Não temos a resposta de Lucius Licinius Sura a Plínio. qual o motivo desta carta? Saber a opinião sobre o Sobrenatural? Estreitar laços, ainda mais que mencionou como Carus queria prejudicá-lo? Ou apenas vários relatos fantasmagóricos e misteriosos? A verdade é que não sabemos, mas os elementos de contos de terror, com fantasmas, aparições, poltergeists etc. ainda hoje usamos estes elementos assustadores para entreter e contar histórias.
Mas e os relatos? São verdadeiros? Eu não sei, ninguém sabe, não temos os relatos de Athenodorus, mas nem creio que isso é importante e sim como elementos culturais vão passando de sociedade para sociedade até chegar até nós, nos dias de hoje, mesmo sem nos darmos conta disso.
A esses elementos chamamos… memes, termo cunhado por Richard Dawkins.

Um comentário em “O caso dos memes e dos fantasmas romanos”