Uma pequena história de membros cortados e substituídos

Ser um primata é ótimo, ainda mais simiiforme, com polegar opositor e o escambau. Poder usar ferramentas e nossas mãos SEREM as ferramentas é algo incomparável. Entretanto, tem um pequeno probleminha: ter membros alongados implica em eles estarem expostos a todo tipo de dano. Alguns desses danos são irreparáveis e visando mal menor, bem maior, eles acabam tendo que ser removidos. Chamamos este processo de “amputação”. A necessidade de substituir estas partes do corpo levou a uma corrida de como poder criar algo que possa ser útil e eficiente. Foi uma corrida atrás do que chamamos próteses.

As amputações e o uso de próteses têm uma história tão antiga quanto a própria civilização humana. Evidências arqueológicas sugerem que essas práticas remontam ao Antigo Egito, onde foram encontrados os primeiros indícios de membros artificiais sofisticados.

No Egito Antigo, a mais antiga prótese conhecida data de aproximadamente 950-710 A.E.C. Trata-se de um dedo do pé artificial, descoberto em uma múmia feminina em Tebas. Este artefato, feito de couro e madeira, não apenas servia como um substituto cosmético, mas também era funcional, permitindo que o usuário caminhasse com mais facilidade.

Na Grécia Antiga, Heródoto menciona no capítulo 37 do seu livro “Histórias” o caso de Hegesistratus, um adivinho que escapou da prisão cortando parte de seu próprio pé e posteriormente usando uma prótese de madeira. Este relato, datado do século V A.E.C., é uma das primeiras menções escritas a uma prótese funcional, embora as técnicas de amputação na nesta época ainda serem primitivas e frequentemente fatais.

Hipócrates, no século V A.E.C., recomendava a amputação apenas em casos de gangrena avançada, quando o tecido já estava morto. Ele aconselhava cortar na linha entre o tecido vivo e morto para minimizar a dor e o sangramento.

Os romanos também contribuíram significativamente para o desenvolvimento de próteses. O naturalista Plínio, o Velho, em sua “História Natural”, fala sobre o general romano Marcus Sergius (ou Marco Sérgio) que recebeu uma mão de ferro para substituir a que havia perdido em uma batalha durante a Segunda Guerra Púnica (218 – 201 A.E.C.), de forma que ele pudesse segurar seu escudo em batalha.

Ninguém – pelo menos na minha opinião – pode corretamente classificar qualquer homem acima de Marco Sérgio, embora seu bisneto Catilina envergonhe seu nome. Em sua segunda campanha, Sérgio perdeu a mão direita. Em duas campanhas, ele foi ferido vinte e três vezes, com o resultado de que ele não tinha utilidade em nenhuma das mãos ou pés: apenas seu espírito permaneceu intacto. Embora incapacitado, Sérgio serviu em muitas campanhas subsequentes. Ele foi capturado duas vezes por Aníbal – um inimigo nada comum – de quem ele escapou duas vezes, embora mantido em correntes e algemas todos os dias por vinte meses. Ele lutou quatro vezes apenas com a mão esquerda, enquanto dois cavalos que ele montava foram esfaqueados abaixo dele.

Ele tinha uma mão direita feita de ferro para ele e, indo para a batalha com isso amarrado ao seu braço, levantou o cerco de Cremona, salvou Placentia e capturou doze acampamentos inimigos na Gália – todas as façanhas foram confirmadas pelo discurso que ele fez como pretor quando seus colegas tentaram impedi-lo de participar dos sacrifícios por ser enfermo. Que pilhas de coroas ele teria acumulado diante de um inimigo diferente!

Esta descrição sugere que os romanos já possuíam habilidades avançadas na fabricação de próteses metálicas.

Ainda no Império Romano, o médico Aulo Cornélio Celso (25 A.E.C. – 50 E.C.) descreveu técnicas mais avançadas de amputação em sua obra “De Medicina”. Ele recomendava a ligadura de vasos sanguíneos e o uso de um torniquete para controlar o sangramento, representando um avanço significativo na prática cirúrgica.

Na Idade Média, as amputações continuavam sendo procedimentos de alto risco, frequentemente realizados por barbeiros-cirurgiões. A introdução da pólvora na guerra europeia no século XIV levou a um aumento dramático nas lesões que exigiam amputação, impulsionando o desenvolvimento de novas técnicas.

Um avanço significativo ocorreu no século XVI com Ambroise Paré (1510 – 1590), considerado o pai da cirurgia moderna. Paré reintroduziu a ligadura de artérias em vez da cauterização com ferro quente, reduzindo significativamente a mortalidade pós-operatória, também fazendo contribuições importantes para o desenvolvimento de próteses. Ele projetou uma mão mecânica com dedos móveis e uma perna artificial com joelho articulado. Suas inovações estabeleceram as bases para o design moderno de próteses.

No Renascimento, o interesse renovado pela anatomia humana levou a melhorias nas técnicas cirúrgicas. Leonardo da Vinci, por exemplo, realizou estudos detalhados da anatomia humana que influenciaram o entendimento médico da época.

Um exemplo notável de prótese renascentista é a “mão de ferro” de Götz von Berlichingen, um cavaleiro alemão do século XVI. Esta prótese complexa, capaz de segurar objetos, representa um marco na engenhosidade protética da época.

No século XVII, o cirurgião holandês Pieter Verduyn desenvolveu a primeira prótese de perna abaixo do joelho com dobradiça. Este design permitia um movimento mais natural e maior conforto para o usuário.

O século XVIII viu avanços significativos na compreensão da fisiologia humana, o que levou a melhorias nas técnicas de amputação. O cirurgião francês Jean-Louis Petit introduziu o uso do torniquete de parafuso, permitindo um melhor controle do sangramento durante as cirurgias.

No início do século XIX, o cirurgião escocês James Syme desenvolveu uma técnica de amputação do tornozelo que preservava o calcanhar, permitindo que o paciente suportasse peso diretamente no coto. Esta técnica, conhecida como amputação de Syme, ainda é utilizada.

A introdução da anestesia em 1846 por William T. G. Morton revolucionou a prática da amputação. Pela primeira vez, os cirurgiões podiam realizar procedimentos mais longos e complexos sem causar dor insuportável ao paciente. Isso abriu caminho para técnicas cirúrgicas mais refinadas e resultados melhores.

Hoje, nós conseguimos fazer maravilhas. Há próteses computadorizadas, ou com materiais mais leves e resistentes, sem inibir uma vida normal. Senhores, nós temos a tecnologia. Só precisamos fazer chegar até as pessoas.

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