
Os límpidos olhos cinzentos contemplam o momento. Empertigado em seu traje de gala, o corpo ereto, as costas firmes, o queixo decisivo. Seu nome é chamado junto com seus companheiros. Passo a passo, eles entram no local da cerimônia e seus movimentos são registrados graças à sua maior invenção, seu trabalho, suas pesquisas. Um daqueles homens era o homem mais velho a receber o prêmio Nobel até então, e o prêmio recebido – apesar da injustiça cometida no dia – é mais do que merecido, pois sem a referida pesquisa, o mundo como você conhece não existiria.
O idoso que entrou contava com 97 anos de idade ,a época e é um revolucionário, mas um revolucionário de verdade, não algum adolescente com camisa imunda e cheiro de 5 dias sem banho. O homem é John Goodenough, e sua pesquisa é boa o suficiente para dizermos que ele mudou o mundo.
John Bannister Goodenough nasceu em Jena (pronuncia-se “Iena”) – uma cidadezinha simpática na Turíngia, Alemanha – em 25 de julho de 1922, filho do teólogo e acadêmico da História das Religiões Erwin Ramsdell Goodenough – cujo principal trabalho foi sobre as influências gregas no Judaísmo, o que deu origem ao que muitos estudiosos chamam de Judaísmo Helenístico – e Helen Miriam. John era irmão do falecido Ward Goodenough, que era antropólogo, e meio-irmão de Ursula Goodenough, professora emérita de Biologia na Universidade de Washington, e Daniel Goodenough, professor emérito de Biologia na Harvard Medical School. Como podemos ver, é uma família de acadêmicos.
John recebeu um bacharelado em Matemática pela Universidade de Yale, carregando debaixo do braço um summa cum laude. Serviu na Segunda Guerra Mundial como meteorologista e completou seus estudos na Universidade de Chicago com um PhD em Física, para depois se interessar por Engenharia de Materiais.
O pesquisador que era muito melhor que bom o suficiente ainda serviu como membro do corpo docente na Cockrell School of Engineering por 37 anos, ocupando a Cátedra do Centenário de Engenharia da Virginia H. Cockrell, estudando diferentes materiais para a fabricação de baterias, já que em sua época elas tinham muito pouca duração. Sua abordagem era estudar os problemas fundamentais de materiais em estado sólido para criar do zero toda uma nova geração de baterias recarregáveis.
Goodenough resolveu estudar o comportamento dos íons de lítio, bem como a produção de baterias recarregáveis mais eficientes e mais baratas. Junto com seus colaboradores, John chegou no conceito da pilha Metal-Lítio (sim, eu sei que o lítio também é um metal, mas esta expressão se refere a outro metal além do lítio).
As pilhas mais usuais em sua época eram as pilhas de Leclanché, também chamadas “pilhas comuns” ou ainda “pilhas secas”. Esta pilha é baseada num invólucro de zinco, com uma pasta em seu interior contendo dióxido de manganês, carvão em pó, cloreto de amônio, cloreto de zinco e água. Um bastão de grafite era inserido nesta pasta para servir como catodo e o invólucro de zinco é o ânodo.
A reação global da reação química é:
Zn(s) + 2 MnO2(aq) + 2 NH4+(aq) → Zn+2(aq) + Mn2O3(s) + 2 NH3(g)
Esta reação é irreversível. Acabou a pilha, joga fora; e não, não adianta colocar na geladeira para recarregar. Química não é como seus avós acham que é. Sinto muito, essa é a verdade, porque Química é a Verdade, o Caminho e a Vida, afinal, é Exatas.
Goodenough preferiu outros materiais, até que chegou na bateria feita à base de óxido de lítio e cobalto III (o III é o número de oxidação do cobalto, não a quantidade de átomos de cobalto ali), ou LiCoO2 ou ainda LCO, com a colaboração do engenheiro com doutorado em eletroquímica Rachid Yazami.
Enquanto Goodenough trabalhava nas reações do lítio para gerar eletricidade, Yazami investigava os eletrodos de grafite. Yazami demonstrou que íons de lítio poderiam ser inseridos eletroquimicamente no grafite usando um eletrólito sólido em 1980. Até a inovação de Yazami, eletrólitos orgânicos se decompunham em grafite durante o carregamento, o que era um obstáculo para o uso de grafite para o eletrodo negativo.
Como assim? Ele já não era usado como eletrodo na pilha de Leclanché? Sim, era, mas como eletrodo positivo, e não negativo. O eletrodo negativo na pilha seca é o zinco, que doa elétrons. Yazami fazia o lítio doar elétrons (polo negativo) no grafite, e o composto de óxido de lítio e cobalto III (o LiCoO2) é o polo positivo. Daí sua maior eficiência.
Fazendo um resumo, as baterias à base de íons de lítio mais comuns têm um ânodo de grafite, a variedade alotrópica do carbono que conduz eletricidade. Durante a reação, o cobalto e o oxigênio se unem para formar camadas de estruturas de óxido de cobalto octaédricas, separadas por “folhas” de lítio; essa estrutura é importante para que os íons cobalto alterem seus estados de valência entre Co+3 e Co+4 durante o processo de descarga e recarga, sendo esta uma reação reversível, isto é, você pode recarregar a bateria e usá-la de novo.
A reação global é: C6Li + CoO2 ⇄ C6 + LiCoO2
De todas as várias baterias de íons de lítio experimentadas até então (nenhuma delas era recarregável), a bateria com cátodo LiCoO2 têm a maior densidade de energia, e é por isso que foi largamente usada em dispositivos eletrônicos, como notebooks, celulares, câmeras digitais, brinquedos etc.
A patente foi vendida em 1991 para a Sony e deixou os dois pesquisadores bem ricos.
Agora, vem os probleminhas, pois nada é perfeito assim. A principal desvantagem é sua instabilidade térmica. É comum os ânodos superaquecerem, e como estamos falando de um metal alcalino bem reativo, a reação é exotérmica, o que aumenta ainda mais a temperatura e faz o catodo de óxido de cobalto se decompor, produzindo oxigênio. Oxigênio nascente é altamente reativo, e com lítio presente, não da boa coisa. Como podemos resumir isso? KABUM!
Outro problema é o processo de carga e recarga que vai se tornando cada vez mais ineficiente, e isso só foi resolvido com as baterias de lítio-polímero. Ainda assim, a pesquisa de Goodenough e Yazami foi extremamente revolucionária, dando maior tempo de uso aos equipamentos. Lembro-me que muitos celulares como os tijorolas da vida passavam 12 horas carregando para terem um tempo de uso de cerca de 2 horas. As baterias de [óxido de lítio e cobalto III mudaram isso e foi o raiar do dia para termos baterias cada vez melhores.
Em 2014, Rachid Yazami, John Goodenough, Yoshio Nishi e Akira Yoshino receberam o Prêmio Draper da Academia Nacional de Engenharia por serem pioneiros e liderarem as bases para as baterias de íons de lítio atual; e em 2019, a Real Academia Sueca de Ciências concedeu o Prêmio Nobel de Química a John Goodenough e Stanley Whittingham por seus catodos e Akira Yoshino pelo primeiro protótipo de trabalho, mas omitiu a importância do ânodo de grafite inventado por Rachid Yazami, o que nos mostra que nem sempre as premiações são justas.
John Bannister Goodenough faleceu neste último dia 25 de junho, em Austin Texas, na idade de 100 anos. Seu trabalho, junto de muitos outros (e alguns não tiveram o reconhecimento merecido) remodelaram o mundo da eletrônica e vários produtos foram melhorados, ou mesmo foram possíveis de serem criados por terem um simples conjuntinho fornecendo a tão necessária eletricidade aos circuitos ávidos por energia.

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