Briga de vizinhos sempre é desagradável, desde a Idade Antiga. Algumas vezes, acaba até em guerra (guerra, guerra mesmo), em outras dá umas querelas meio doidas. Entretanto, uma coisa é certa: se você for arrumar um problema com alguém, tenha certeza que esse alguém não seja Antêmio de Trales, o sujeito que, para dar uma lição num vizinho inoportuno, projetou logo uma máquina que produz terremotos.
Antêmio de Trales era grego, nascido em 474 EC, em Trales, hoje Aydin, na Turquia. Antêmio era matemático, geômetra, engenheiro, arquiteto e inventor. Se mudou para Constantinopla, capital do Império Bizantino a convite do imperador Justiniano I. Sua incumbência era coisa simples: projetar uma catedral, mas tem que ser “A” catedral, e a grana ia rolar solta para a construção. Em parceria com Isidoro de Mileto, Antêmio Trales concluiu o trabalho. Ele e Isidoro projetaram simplesmente
Hagia Sofia.
Antêmio de Trales era um homem ocupado. Escreveu vários tratados matemáticos e estudou como a luz era uma peça de construção de forma que ela fosse usada na composição de uma atmosfera mágica nas construções. Para tanto, ele estudou fenômenos ópticos, como refração e reflexão, estudando como espelhos poderiam ser um aliado na composição de seus projetos arquitetônicos.
Antêmio tinha um problema ao estudar óptica: ter uma fonte intensa de luz para se fazer estes e estudar óptica, e como estamos no século 5 da Era Comum, só se podia contar com o Sol, mesmo. Antêmio criou um anteparo com uma fresta por onde os raios do Sol passavam e assim estudar o comportamento da luz. Foi assim que Antêmio pôde descrever a construção de um refletor elíptico com um foco na abertura e o outro no ponto para o qual o raio deve ser refletido. Tanto os raios de inverno quanto os equinociais eram considerados, de forma que a luz sempre estava no ângulo bem definido para seus experimentos.
Mas o grande problema que Antêmio tinha em sua vida não eram as intrincadas reflexões usando espelhos de diferentes formas e tamanhos e sim o seu vizinho, um certo Zeno, e este nome é o máximo que sabemos dele.
Zeno e Artêmio não se bicavam. O clima entre os dois era de cortar de faca, e mal se toleravam. Ok, eles efetivamente não se toleravam, e se conseguiram algum nível de civilidade, era algo tênue, já que Antêmio usava espelhos para iluminar a casa de Zeno, o que deve ter sido isso que causou algo que daria a ruptura. Toda a civilidade acabou definitivamente quando Zeno construiu uma parede que bloqueava a luz nos quartos de Antêmio; e como não havia Twitter para xingar muito nem Tik Tok para fazer dancinha com muita denúncia e reclamação, Antêmio protestou formalmente, indo ter com Zeno, que o ignorou solenemente.
Antêmio deve ter saído da conversa puto da vida, levantando a mão espalmada dizendo “pode aguardar, isso não vai ficar assim”. Na verdade, não sei se ele fez isso, mas vou afirmar mesmo assim, porque casa muito bem com a situação e você não tem como provar que não aconteceu desse jeito.
Antêmio botou Zeno no pau, levando o caso à magistratura (sim, o “pau” é figura de linguagem, mas é sempre bom reforçar porque estamos falando de gregos), mas perdeu. Tentou outras instâncias e deu com os burros n’água. Antêmio deve ter dito I’ll be back e se meteu em seu escritório, e já sabia como iria se vingar.
Um dia, quando Zeno estava tranquilão porque tinha programado para dar um jantar aos seus amigos, e Antêmio não ia perder a chance. O Matemático trouxe vários caldeirões grandes para seus aposentos e os encheu de água. Cobrindo cada caldeirão, ele os conectou a um cano envolto em couro que subia até o teto do apartamento.
Assim que os convidados de Zeno chegaram, Antêmio acendeu fogueiras sob os caldeirões. O vapor subia pelos canos até atingir o couro que cobria suas extremidades; e aí, incapaz de escapar, e assim a pressão interna aumentava, e à medida que a pressão do vapor aumentava, os canos começaram a pulsar e vibrar, sacudindo toda a casa.
Zeno e seus convidados ficaram apavorados, já que terremotos não eram pouco comuns e quando aconteciam, era do tipo arrasa-quarteirão, o que serve pro sentido figurado e real. Zeno não ia jogar com a sorte e meter o pé, junto com todo mundo, e todos foram correndo para a rua, gritando que estava acontecendo um terremoto, com a vizinhança toda achando que eram um monte de malucos.
Antêmio ficou na janela, mostrando os dois dedos médios e gritando ‘Toma, otário”, o que muito certamente não ocorreu, mas também irei defender que foi assim por falta de conhecimento melhor de como Antêmio agiu.
Isso tudo aconteceu mesmo? A verdade é que não sabemos com certeza, só relatos e fofocas, mas Antêmio realmente tinha conhecimento de mecânica e máquinas térmicas simples, além de um compêndio sobre uso de lentes para concentrar raios do sol e produzir fogo. Eu prefiro acreditar que sim, porque eu já tive um vizinho chato à beça e se pudesse, também teria uma máquina de terremotos para lhe dar uma lição.
Um comentário em “Antêmio de Trales: um vizinho que você não gostaria de importunar”