Martha Brossier: o caso do primeiro exorcismo investigado cientificamente

O inusitado, o bizarro, o sobrenatural de Almeida. Tudo isso gera interesse na maioria das pessoas, que são atraídas para isso como insetos são atraídos pela luzinha azul. Você pode pensar que filmes e peças de terror são uma novidade. Os filmes de terror são só novidade porque o cinema é recente perto de outras mídias, como peças de teatro, música e apresentações ao vivo de pessoas endemoniadas, e numa dessas tinha uma notória pessoa com um espetáculo itinerante se mostrando possuída pelo demo. Seu nome era Martha Bossier.

Martha Bossier nasceu em algum lugar em Romorantin-Lanthenay, França, em algum momento do ano de 1556. Conhecida também como Madame Brossier, seu espetáculo itinerante era um furor na França da década de 1590. Podia ter até espetáculo semelhante, mas não como o dela. E isso porque ela era a prova viva de uma pessoa possuída pelo demônio.

Martha se contorcia horrivelmente, ruídos estrondosos vinham de debaixo das costelas, espasmos na coxa esquerda. Ela estendia a língua excessivamente e rangia de dentes, para então contorcer a boca como se tivesse convulsões, enquanto desfigurava o rosto, revirava os olhos e parecia mostrar profunda irritação e tormento, exibindo uma aparente agonia de subserviência demoníaca.

A contorção de corpo de Madame Brossier era algo que nunca tinham visto e a única explicação é que ela estava sendo controlada por forças espirituais malignas. Do interior do seu corpo, uma voz gutural medonha surgia, mesmo com sua boca estando fechada. O público estava fascinado; não havia espetáculo itinerante como o de Madame Martha Brossier!

O pai de Madame Brossier era um simples tecelão na comuna francesa de Romorantin, e ficou chocado quando sua filha Martha começou a apresentar um comportamento… estranho. Aliás, vários comportamentos esquisitos. Com toda a alta sabedoria do século XVI, a resposta para aquilo só podia ser uma coisa: o Cão, o Pé-de-Bode, o Cramunhão.

A família achou que aquilo era obra de uma vizinha que achavam ser uma bruxa, e muito certamente fez alguma feitiçaria. Qualquer pessoa (extremamente religiosa) acharia que o mais acertado seria levar Martha pro primeiro padre para que ele resolvesse aquilo, mas papai Brossier achou que o bom mesmo era criar um espetáculo e capitalizar em cima, e é assim que muitos começaram a suspeitar, mas não o público, lógico. Como não havia TV, rádio e muito menos Tik Tok, a vida era chata e precisavam se entreter com algo.

Papai e filhinha viajaram por toda a França, chocando o público com os comportamentos bizarros da menina. Alguns sacerdotes se prontificaram a tirar o demônio dela, o que até deu certo… por um tempo, mas a entidade sempre voltava. Bem, fazer o quê? Bóra continuar com o espetáculo!

Por fim, os dois (ou três) chegaram a Paris, o que proporcionou mais oportunidades de interesse público e maior escrutínio. Perturbado com a atração, o dr. Michel Marescot, que por sinal era o médico pessoal do rei Henrique IV de França (que viria ser pai de Luís XIII, o qual continuaria com a dinastia dos Luíses de França) foi encarregado de examinar a condição de Brossier. E é aqui que suas alegações de ser dominada por espíritos malignos começaram a desmoronar como um castelo de cartas.

Marescot era esperto e resolveu aplicar princípios de investigação científica no que viria a ser chamado mais tarde de Método Científico. Brandindo um pedaço da “Verdadeira Cruz” – que seria um fragmento de madeira que acreditavam ter vindo da crucificação de Jesus – Marescot pairou sobre Brossier, que sibilou de aparente dor diante da iconografia religiosa em angustioso sofrimento. Bem teatral e convincente, por sinal. O problema é que “a Verdadeira Cruz” era só um pedaço de madeira comum, mesmo. Não satisfeito, Marescot tinha usado um pedaço do que seria a “Verdadeira Cruz”, mesmo (se eles achavam que era, então era), como abaixador de língua na boca de Brossier, o que não lhe causou nenhum desconforto.

Os padres então tentaram conversar com Brossier em latim. O demônio, dissera Brossier, falava todas as línguas, mas curiosamente, o capeta que se apossou de Madam Brossier não deve ter frequentado a escola, já que não conseguia responder em Latim, ou mesmo sequer entendia o que estavam lhe dizendo, mas não importava. Ela se contorcia com um esgar de nojo, ódio e revolta enquanto amaldiçoava os clérigos que estavam recitando as palavras em Latim, que deveriam ser algo como:

Exorcizamus te, omnis immundus spiritus, omnis satanica potestas, omnis incursio infernalis adversarii, omnis legio, omnis congregatio et secta diabolica, in nomine et virtute Domini Nostri Jesu Christi

Só que, na verdade, não era nenhum texto bíblico ou manual de exorcismo, mas um poema de Virgílio, o poeta latino.

Mas calma que a tortura aplicada ao ser das trevas que dominava Madame Brossier não parou. Os exorcistas ofereceram água benta para Brossier beber e ela se retorc… não, péra. Ela nem percebeu. Deve ser porque não falaram para ela que era água benta, e a distinta bebeu bem tranquilamente; mas quando ela foi encharcada com água normal que disseram ser água benta, ela surtou demoniacamente.

Tudo isso foi prova suficiente para teólogos e médicos decretarem que Brossier era uma fraude, o que a levou à prisão por vários meses. Claro que aqueles que pagavam avidamente para assistir aos shows de Brossier recusaram estes testes, poios tinham certeza absoluta que a pobre Martha estava sendo torturada física e psicologicamente, já que a coitada estava, sim, possuída pelo demo.

A Igreja foi contra a prisão de Martha Brossier, pois, julgava que ela ainda tinha que ter irrestrita e exclusiva atenção sobre o caso. Os “fãs” de Brossier também não estavam totalmente convencidos, mesmo depois de repetidos desmascaramentos, já que as pessoas precisam acreditar, e, claro, ninguém queria admitir que foi enganado.

Quando Brossier foi libertada tempos mais tarde, pegou seus panos de bunda e foi fazer seu show nos ambientes mais underground de uma sociedade já bem underground, realizando sessões espíritas para o público cativado em pequenas cidades, captando o imaginário de muita gente, apesar de algum tempo depois ter sumido na obscuridade, mas não totalmente.

Um certo escritor ficou sabendo de tudo isso e demonstrou vívido interesse sobre o caso. Seu nome era William Peter Blatty, autor de O Exorcista.

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