O corpo lívido, sem vida, estava submerso na água serena numa casa às escuras e só a luz trêmula do banheiro banhava de uma luz amarelada o que ocorrera. Seu corpo nu e belo, alvo mesmo quando era viva, não veria a luz do sol novamente, mas em contrapartida não indicava sinais de violência. Uma morte em paz, sem dor ou desespero… ou assim parecia. Sapatos engraxados adentraram o banheiro, sujando-o. Outra pessoa, com o pijama encharcado, mostrara a cena. O homem do sapato engraxado parou em frente à cena; sim, ela está morta, senhor. Outros sapatos chegaram, analisaram criticamente o que estavam vendo. Não havia sinais de crime, mas algo não parecia certo perante aquela visão que poderia ser vista como uma foto artística, mas era um acontecimento bizarro por causa dos detalhes que pareciam não se encaixar.
Eram 23 horas e 30 minutos do que parecia ser uma noite calma do dia 3 de maio do ano de nosso Senhor de 1957. Elizabeth Barlow então desprovida da luz de seus olhos, jazia morta em Bradford, Yorkshire, no Reino Unido. E ninguém sabia como… ou por quê. Se era um crime, era um crime perfeito.
Kenneth Barlow, marido de Elizabeth encontrou o corpo que jazia imóvel na banheira. Tentou reanimá-la, molhando-se com a água da banheira. Não conseguiu. Chamou um médico e este confirmara o óbito. Chamou a polícia e prestou depoimento, contando o supracitado. Entretanto, os policiais acharam que alguma coisa errada não estava certa, mas o caso foi apresentado como um possível afogamento acidental. Possível? Talvez.
Talvez não.
Kenneth contou aos investigadores que Elizabeth, 30 anos, estava grávida e doente; ela estava no 8ª semana de gestação e não se sentia muito bem. Elizabeth, então, resolvera tomar um banho de banheira para ver se sentia melhor, ainda segundo Kenneth. O exame do local mostrou que pela posição, era provável que ela tivesse adormecido, escorregou na banheira até a água cobrir-lhe o rosto, acabando por se afogar assim, sem apresentar nenhum sinal de violência. Uma morte tranquila e serena.
O exame post-mortem confirmou o afogamento, mas as perguntas permaneceram. A polícia não estava disposta a simplesmente aceitar aquilo não fazia sentido! Como explicar uma jovem saudável se afogar no banho sem quaisquer sinais aparentes de reação à água inalada. Estava dormindo? Ela teria acordado; mas, não! Ela ficou lá, deitada, como se estivesse dormindo, mas sem esboçar nenhuma reação à água que começava a invadir seus pulmões. Não havia nenhuma das conhecidas respostas fisiológicas humanas que lutam contra o afogamento. Nenhuma descoberta de angústia ou luta contra o afogamento. Ela simplesmente deitou, dormiu e assim foi o seu fim.
A conclusão da polícia foi que Elizabeth não estava apenas dormindo, mas inconsciente! Só isso poderia explicar. Kenneth fez outro depoimento afirmando que Elizabeth estava suando profusamente e vomitando. Por isso ela foi tomar banho, apresentando “grande dilatação das pupilas”, fato que foi observado pelo peritos.
O problema que isso chamou a atenção da equipe de Medicina Forense. Esses sinais sugeriam que Elizabeth estava perigosamente hipoglicêmica. Os níveis de açúcar no sangue deviam estar muito abaixo do que deveria, mas não havia nenhuma evidência adicional para apoiar esta condição. Foram feitos testes toxicológicos. Nada! O que estava acontecendo?
Reexaminaram o corpo de Elizabeth em melhores condições, poucos dias depois, e foram encontras duas marcas de injeção hipodérmica em cada nádega. Isso não parecia nada de mais, já que Kenneth era enfermeiro. Estava acostumado a aplicar injeções. Ao analisarem o tecido subjacente às marcas de injeção, foram encontrados vestígios de insulina. A insulina é o hormônio que regula a taxa de açúcar no sangue, pois sem ela as células não podem receber a glicose, já que seus receptores específicos para este carboidrato são naturalmente fechados, diferente dos receptores de frutose. Quem regula esta “abertura” é a insulina. Sem ela, a célula não recebe a glicose e esta inunda o sangue e causa sérios problemas. O pâncreas é o responsável por secretar insulina e isso foi descoberto pelo pesquisador Fredderick Banting.
Voltando ao crime, as coisas estão ficando bem sérias para Kenneth Barlow. Ele negou veementemente ter injetado insulina em Elizabeth, que era sua segunda esposa. Kenneth alegou que as injeções eram de maleato de ergometrina, remédio usada para induzir e controlar o parto. Sim, ele e Elizabeth, que não queriam ter filhos, estava forçando um aborto. O problema com este argumento é que não foram encontrados vestígios de maleato de ergometrina no sangue de Elizabeth. Para fechar de vez a tampa no caixão da defesa de Kenneth, uma análise muito cuidadosa apontou que o tecido abaixo das marcas de injeção apresentava distribuição desigual da insulina. A única conclusão para isso: a secreção era exógena, ou seja, a insulina ali contida não fora produzida por Elizabeth. Ela fora assassinada.
Kenneth Barlow foi a julgamento e depois de 5 dias, o corpo de jurados deu-lhe o veredicto de culpado por assassinato, em que o Meritíssimo Senhor Juiz Justice Diplock (sério!) o sentenciou à prisão perpétua em 13 de dezembro de 1957, mas acabou saindo em liberdade em 1984. Este fora o primeiro uso de insulina como arma do crime, ainda hoje considerado algo difícil de detectar, podendo muitas vezes ser tido como o crime perfeito.
Só lembrem que crimes perfeitos não deixam suspeitas. Seja elas quais forem.
Muito bom o artigo. Pena que valorizariam mais em algum cataclique da vida. Hoje não pesa muito o que você fala e sim o como você fala.
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Eita!!! Até insulina em excesso pode ser fatal. Já não bastava água ser assim.
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