Grandes Nomes da Ciência: Kathleen Drew-Baker

O casal está em casa. É sábado e a noite está convidativa para ficar em casa. Obviamente, não tem nada na TV que preste, mas com serviços de streaming e a Locadora do Paulo Coelho, basta escolher um filme qualquer para passar. Seria legal pedir alguma coisa, né? Claro! Comida japonesa? Pode ser. A encomenda é feita e algum tempo depois chegam os sushis, os temakis e outras iguarias. Algo trivial e comum, mas pratos como sushis e temakis só são possíveis de fazer graças a um tipo particular de alga. E essa alga só é possível graças a uma mãe zelosa.

O que para nós é apenas um petisco no fim de semana, para japoneses é fonte de subsistência e economia. O processo de industrialização no Japão começou em 1868. O governo passou a investir em educação, infraestrutura e indústria. O problema do Japão é que, sendo uma ilha vulcânica, tem sérios problemas de recursos naturais e, por isso, a velocidade de sua industrialização foi bem menos acelerada. Eles ainda eram um país fundamentalmente agrícola, mas dependiam mais de sorte do que técnicas industriais e/ou científicas.

Bem, já que o Japão não tinha recursos naturais, mas os outros tinham, é uma excelente ideia expandir o território. Claro, ninguém quer sair por aí invadindo países de forma tão rápida quanto um relâmpago, então, vamos por partes.

Em 1876, o Japon bonzinhu se aproveita que o império coreano estava se esfacelando e assina com eles o Tratado de Ganghwa. Japon bonzinhu manda representantes e autoridades militares e econômicas para a Península Coreana. Em 1905, é assinado então o Tratado de Eulsa, no qual o moribundo (mas naquela altura ninguém sabia disso) Império Coreano se tornou um protetorado do Japão. Em 1910, Japon bonzinhu deixou de ser bonzinho ao assinar unilateralmente o Tratado Japão-Coreia (nenhum coreano tinha assinado ou sequer concordado que haveria aquele tratado), que significava na prática “esta bagaça é minha, coreano-san”.

Mas calma! Se ter a Coreia era legal, ter o outrora Império do Centro era melhor ainda! Em 18 de setembro de 1931, o exército imperial japonês marchou para a Manchúria. Começou aí o domínio japonês na China e só terminou com o fim da Segunda Guerra Mundial.

Aliás, falando em Segunda Guerra Mundial, o Japão achou que seria uma excelente ideia se juntar ao Eixo e, para isso, era preciso intensificar sua industrialização bélica, o que foi feito a toque de caixa e isso acabou sendo um desastre.

Você me viu dizer que eles melhoraram as técnicas agrícolas? Pois é, não melhoraram. O cultivo era praticamente ainda o mesmo de séculos atrás, principalmente na colheita de nori, folhas formadas por algas que vinha pelo oceano e se depositavam na costa. O nori era chamada pelos japoneses de “grama da sorte” porque a única coisa que eles faziam para poder colher nori era contar com a sorte, mesmo, pois eles não o cultivavam; fincavam varas de bambu amarradas com redes no fundo do mar costeiro e esperavam que o nori se acumulasse nelas. O que poderia dar errado?

O que poderia dar errado deu sob a forma de bombardeios e lixo tóxico e industrial que vazava das indústrias e iam pro mar, em que tratamento de resíduos e efluentes era algo fora de qualquer preocupação. Aliado a isso, uma spérie de tufões acabou por mandar pra vala os noris que conseguiram resistir. Os cultivadores da grama da sorte deram azar e perderam toda a produção de ter mais nori se acumulando aí. Como eles nunca viram semente, gérmen ou qualquer coisa que viesse a brotar ali, não sabiam como fazer, já que o nori já se depositava ali como filamentos, cujo emaranhado dava folhas finas. A situação do Japão já estava ruim, começou a piorar. Em 1951, a produção de nori caiu a zero. Até então, era caríssimo, dda a sua raridade.

Enquanto o Japão estava comendo a Coreia pelas beiradas, um lindo bebezinho chamado Kathleen Mary Drew nasceu em 6 e novembro de 1901 em Leigh, no condado de Lancashire. Ela frequentou a escola do Bispo Wordsworth, em Salisbury, e ganhou uma bolsa de estudos para estudar botânica na Universidade de Manchester, onde se formou em 1922 com honras de primeira classe.

Kathleen passou a se interessar por botânica criptogâmica, a parte da botânica que estuda plantas que não têm sementes. Em 1925 ela passou dois anos trabalhando na Universidade da Califórnia, Berkeley, depois de ganhar uma bolsa de estudos da Commonwealth Fellowship, Kathleen viajou até o Havaí para coletar amostras botânicas. Kathleen casou-se com o acadêmico de Manchester Henry Wright-Baker em 1928, e de presente ela ganhou demissão, pois em fins da década de 1920 a Inglaterra não era tão liberal assim, a ponto de permitir que mulheres casadas trabalhassem m universidades, quando seu papel era ficar em casa tomando conta de bebezinhos.

Mas esperem! A Universidade de Manchester foi magnânima com a então senhora Kathleen Mary Drew-Baker: apesar de ter sido expulsa do corpo docente, Mrs. Drew-Baker podia trabalhar como pesquisadora. Mas sem remuneração. Não, não pergunte. Eu mesmo não entendi!

Mr. e Mrs Drew-Baker foram para a costa e montaram um laboratório próprio, no qual Kathleen poderia ficar estudando suas algas em paz. Então, ela concentrou sua atenção na Porphyra umbilicalis, uma alga que cresce na costa do País de Gales, onde é conhecida como laver, e era usada para fazer pão, bolo, farinha etc. A P. umbilicalis é uma rodofícea (alga vermelha) conhecida no Brasil pelo nome “erva-patinha-castanha”, e pertence à classe Bangiophyceae.

Kathleen percebeu que estas algas crescem no interior de conchas abandonadas, aparecendo na costa principalmente durante os meses de verão, enquanto normalmente as algas marinhas apareciam durante os meses de inverno. Pareceu estranho, então, a conclusão que pareceu óbvia para Kathleen era que se tratavam da mesma alga. No verão, as algas verdes e frondosas emitiam esporos que se acumulavam e cresciam nas conchas. No inverno, esses esporos que estavam acumulados em destroços e varas de bambu, se acumulavam novamente nas algas.

Este trabalho resultou no paper publicado em 12 e outubro de 1949 na Nature chamado Conchocelis-Phase in the Life-History of Porphyra umbilicalis. E só por ele Kathleen Mary Drew-Baker já tinha feito muito, só que Ciência quebra fronteiras. O conhecimento que um construiu poderá ajudar muita gente que ele sequer imaginava. Foi o que aconteceu depois que o dr. Segawa Sokichi, que na época trabalhava na Estação Biológica Marinha Shimoda.

Quando Segawa leu o artigo de Drew-Baker, se tocou do porque não conseguiam encontrar de onde vinham os nori: pessoal estava procurando no lugar errado. E se os esporos do P. umbilicalis ficavam escondidinhos nas conchas, o mesmo poderia acontecer com os noris.

Os noris tinham parado de prosperar na costa por causa da poluição leitos marinhos. Segawa, então, bolou um processo industrial de cultivo

Graças ao trabalho de Drew-Baker, a Segawa foi capaz de inventar o processo industrial que levou à produção estável e previsível dos noris, para a qual todos os gostos de sushi deveriam ser gratos. Em 1953, Fusao Ota e outros biólogos marinhos japoneses desenvolveram técnicas de semeadura artificial, com base em seu trabalho, o que levou a um aumento significativo na produção da indústria de algas japonesas.

Nesse ínterim, entre 1924 e 1947, Kathleen publicou 47 artigos acadêmicos relacionados principalmente com algas vermelhas, escreveu o livro A Revision of the Genera Chantransia, Rhodochorton e Acrohaetium, e foi co-fundadora da British Phycological Society em 1952, tendo sido a primeira a ocupar a cadeira de presidente.

Kathleen faleceu em 14 de setembro de 1957 sem saber de como sua pesquisa alteraria o destino da indústria nori, que hoje é uma indústria de 2 bilhões de dólares anuais. Entretanto, ela não foi esquecida. Na década de 1960, foi erguido um monumento dedicado à doutora Kathleen Mary Drew-Baker, um dos grandes nomes da Ciência, no qual é chamada de “Mãe do Mar”, foi construído no Sumiyoshi Shrine Park, Osaka. Em todos os anos, no dia 14 de abril, o monumento é decorado em grinaldas de flores no Festival Anual Drew, com a presença de líderes da indústria nori.

Em 2001, como parte das comemorações pelo nascimento de Kathleen Mary Drew-Baker, seus filhos foram até o Japão, onde os cidadãos da Terra do Sol Nascente os receberam com entusiasmo, pois eram representantes da Mãe do Mar.

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