“A Internet é pequena” ou “Os mitológicos 6 passos de separação”

Tudo está ao alcance de um clique. Podemos encontrar qualquer um em qualquer lugar. Estamos a seis passos de separação de qualquer indivíduo. Certo? Nah, você já sabe que eu direi "Errado!" Algumas lendas urbanas pegam, ainda mais quando a amostragem é idiota e com um critério discutível. Isso começou na década de 1960, com um camarada chamado Stanley Milgram.

Stanley Milgram era psicólogo e adorava fazer das pessoas suas cobaias. Um dos seus experimentos mais famosos é o que avaliava a suscetibilidade à figura de autoridade (ver Antigo experimento levanta dúvidas sobre senso ético). Outro experimento, não tão conhecido, pedia que alguns voluntários no interior dos EUA fizessem uma carta chegar a alguns destinatários apontados por ele, mas não eram enviados de forma direta. Os voluntários tinham que enviar as cartas para as pessoas que elas conheciam que moravam mais longe. Era o então chamado efeito "Small World" (Mundo Pequeno).

A bem da verdade, o conceito de Mundo Pequeno não era original de Milgram. Ele já tinha aparecido muito antes, em 1929, pelo autor húngaro Frigyes Karinthy – a quem Albert-Laszlo Barabasi, autor de Linked: A Nova Ciência dos Networks (que tradução vagabunda!), atribuiu ser o criador dos seis passos de separação, apesar de Karinthy não ter usado este termo propriamente dito.

No volume de contos "Tudo é diferente", Karinthy usa o termo "Chains" (traduzido como "cadeia"), em cuja história problemas que cativavam as pessoas pelo perfil de futuro que ele trazia. Era um prato cheio para Sociólogos, psicólogos e cientistas de verdade, como matemáticos e físicos no campo da Teoria da Rede. O húngaro levou em conta os avanços tecnológicos de sua época, como telégrafo, transportes marítimos etc. Assim, segundo Karinthy, o mundo iria "encolher".

Um jogo fascinante cresceu fora desta discussão. Um de nós sugeriu realizar o seguinte experimento para provar que a população da Terra está mais próxima juntos agora do que jamais esteve antes. Devemos selecionar qualquer pessoa a partir dos 1,5 bilhões de habitantes da Terra – qualquer um, em qualquer lugar. A aposta é que, utilizando-se não mais de cinco indivíduos, um dos quais é um conhecimento pessoal, ele poderia entrar em contato com o indivíduo selecionado usando nada além da rede de conhecimentos pessoais.

Vocês perceberam o erro? Sim? Não comentem ainda. Não? Calma que eu ainda tenho um pouco mais a falar e amarrarei tudo, prometo!

No experimento de Milgram, que citam como uma perfeita prova do "encolhimento" do mundo, ficou demonstrado que era preciso 6 e não 5 passos para conseguir fechar a rede de conexões, podendo se comunicar com qualquer um, em qualquer lugar. O artigo de Milgram, pode ser lido neste *.pdf AQUI.

Hoje,com o crescimento das redes sociais, estamos a 6 "cliques" de qualquer pessoa no planeta, certo? Bem, Barabási diz que estamos mais próximos ainda. Tudo bem por aí? Calma, ainda tenho que voltar a Milgram, que foi criticado por sua pesquisa. A princípio, das 160 cartas escritas, apenas 42 chegaram ao destino. Isso representa 26,25% de acerto, o que eu considero muito baixo.

A drª Judith Kleinfeld é professora de Psicologia da Universidade Alaska Fairbanks. Ela é uma das maiores críticas do experimento de Milgram. Ao replicar o experimento, ela conseguiu resultados nada animadores, alarmantes, segundo ela mesma. Numa amostragem de 100 cartas, apenas 3% chegaram ao seu destino.

Segundo ela[1][2], é uma ideia agradável que nós vivemos em um mundo pequeno, no qual as pessoas estão conectadas pelos famigerados seis graus de separação, mas isso não passa de lenda urbana! Nosso psicológico tenta moldar a realidade, mas a realidade é que a larga maioria do mundo sequer tomará ciência que nós existimos. Algumas pessoas não se dão bem com essa ideia!

Mas com a Internet o mundo ficou pequeno, certo? Podemos nos conectar a qualquer pessoa do planeta, não é isso? Vamos fazer uma aposta, então. Eu pago um caminhão de cerveja a qualquer um que colocar nos comentários o endereço do meu pai, telefone e/ou perfil em redes sociais.

O erro começa com conceitos de diferentes épocas. O mundo de Karinthy era muito diferente do de hoje. Ele não levou em conta comunidades afastadas de sistemas de comunicação. Milgram mandou enviar uma carta para um pessoal em Boston. Eu queria ver mandar para um amish, a partir do Alasca. Vocês aí conseguem mandar uma carta para alguém que mora numa palafita na Amazônia? Lembrem-se: tem que ser de mão em mão.

E a Internet? De acordo com o Facebook, os passos de separação são, em média, 4,74. Mas temos que lembrar que o Facebook tem 1,35 bilhões de usuários ativos. Claro, "esquecem" que algumas pessoas têm mais de um perfil. Pessoas famosas e "famosas" têm maior número de contatos, então, eles estariam mais próximos de chegar em qualquer pessoa do planeta, certo? Não, porque muitas pessoas não têm perfil no Facebook (só quase 6 bilhões de pessoas). Meu pai tem perfil no Facebook, e eu também. Nenhum de nós usamos. Nem me lembro mais a senha do meu!

Ontem ouvi falarem (ok, escreverem) que o twitter é pequeno. É mesmo? Sem pesquisar no Google: qual é o perfil no twitter de um doutorando da Universidade de Bangkoc, apelando apenas para seus contatos? Muito dificilmente vocês encontrarão. Vocês encontram fácil um seguidor de um seguidor de vocês. Eu nunca conseguirei ter entre meus seguidores um Criacionista (o cara terá que ser masoquista). O problema é que as pessoas não expandem seus horizontes. Ficam com a cabeça enterrada nos mais dos mesmos. Não olham por aí, em busca de outras fontes, para descobrir novas pessoas para seguir e interagir. Ademais, a quantidade de contatos não significa absolutamente nada quando temos esquemas de perfis falsos e sistemas que, por um módico pagamento, lhe entulham de seguidores, como é o esquema do Big Follow.

Os famosos mim çegui ki ti cigu também angaria muitos seguidores, que é a mesma gentinha que implora por seguidores. Olhando os perfis deles, a única coisa que vem é pedido para seguir. Isso faz muito feliz os CEOs, pois infla a "participação" na rede social, o que atrai investidores, e tome publicidade.

Há muita coisa escondida na Internet e cada dia eu descubro mais coisas interessantes. Já interagi com arqueólogos, ganhadores do prêmio Nobel e astronautas. A maioria da Internet brasileira é de peitos e cachorrinhos. Como já tenho as duas coisas em casa, busco coisas novas. O dia de vocês é bem chatinho, com o de sempre; só não percebem. Nunca se dá falta algo que nunca se teve.

Two roads diverged in a yellow wood,
And sorry I could not travel both
And be one traveler, long I stood
And looked down one as far as I could
To where it bent in the undergrowth;

Then took the other, as just as fair,
And having perhaps the better claim,
Because it was grassy and wanted wear;
Though as for that the passing there
Had worn them really about the same,

And both that morning equally lay
In leaves no step had trodden black.
Oh, I kept the first for another day!
Yet knowing how way leads on to way,
I doubted if I should ever come back

I shall be telling this with a sigh
Somewhere ages and ages hence:
Two roads diverged in a wood, and I –
I took the one less traveled by,
And that has made all the difference.

— Robert Frost


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