Os Antigos Penteados Romanos Esquecidos

A História serve para nos contar histórias. Histórias há muito esquecidas, nos relatando como era antigamente. Às vezes, esse "antigamente" é muito antigamente mesmo. Ninguém se lembra, pois não há mais ninguém vivo. Se eu quiser saber como o Garrincha jogava, eu tenho filmes, documentários e entrevistas dele. Posso perguntar ao meu pai, que o viu jogar em pleno Maracanã. Minha mãe pode relatar como era viver no tempo da 2ª Guerra Mundial. Ouvi relatos de pessoas que estiveram na Guerra Anglo-Irlandesa. Mas como saber como era a sociedade romana? Bem, sabemos de muita coisa, graças a cartas, livros, documentos e correspondências pessoas, fora registros arqueológicos como construções, cerâmicas, esculturas, afrescos, murais etc. Mas como saber como eram as pessoas?

A Ciência pesquisa a fundo e nos traz muitas respostas. Anos de pesquisas, escavações e bunda pra cima com um pincel de pelo de camelo nas mãos perscrutando, centímetro a centímetro, nos traz muitas informações. Mas às vezes, cientistas precisam de uma mãozinha, nem que seja de uma simples cabeleireira.

Janet Stephens não é bem uma arqueóloga, pelo menos não de formação. Na verdade ela anda na cabeça das pessoas, mesmo sem ser um piolho. Ela é uma cabeleireira de Baltimore, Estados Unidos, e arqueóloga amadora. Aliás, ela chama a si mesma de "arqueóloga-cabeleireira", mas eu preferiria chamar de arqueo-cabeleireira, o que tem tudo a ver, já que ἀρχαῖος significa "antigo", logo um arqueo-cabeleireiro seria alguém especializado em "cortes antigos de cabelos".

Tá, parece algo de gente sem muito o que fazer, mas não é bem assim. Quando estudamos uma sociedade, precisamos entender o modus vivendi das pessoas da referida época e lugar, assim como a bioantropóloga Kristina Killgrove estudou os hábitos alimentares da população romana comum, como eu relatei no artigo A Silenciosa História dos Romanos Esquecidos.

No início deste ano, durante a reunião anual do Archaeological Institute of America, Stephens mostrou como ela recriou o penteado das virgo vestalis — as virgens vestais romanas — em uma modelo. As vestais eram sacerdotisas do templo de Vesta, a personificação do Fogo Sagrado, filha de Saturno e Cibele. As vestais eram sempre em número de 6 e tinham que ser bonitas, puras, castas e com carimbo do S.I.F. ou algo parecido, já que elas eram examinadas antes para saberem se realmente eram virgens. Periguete não podia ser vestal; no máximo, ser casada com o Imperador.

As vestais, apesar de não serem periguetes e muito menos casadas com o Imperador, tinham seu status social bem elevado, distinguindo-se das demais mulheres romanas. As mulheres romanas não eram tão submissas quanto as gregas, mesmo vivendo sob a questionável democracia ateniense. As mulheres romanas também podiam ser poderosas, só dependendo de ter grana para isso. Pobre que se ralasse, como sempre.

Janet Stephens passou um bom tempo em bibliotecas e museus, pesquisando a repeito, já que seu marido é professor de Italiano na Universidade Johns Hopkins, o que garante o acesso à biblioteca de lá, além de contar com uma ajudinha dos amigos do Departamento de Arqueologia da referida instituição, bem como no Walters Art Museum. O resultado está abaixo, com uma explicação detalhada de como o penteado foi feito.

O penteado é chamado seni crines, mas também chamado de sex crines, sem ter nenhuma alusão a sexo, o termo significa "seis tranças", mas Stephens provou que isso seria incorreto, já que este penteado (que por sinal era usado pelas noivas, também) só poderia ser feito com sete tranças, a menos que sétima não fosse considerado como uma trança.

Mulheres são mulheres em qualquer parte do mundo e em qualquer período da História. Elas são vaidosas e competitivas. Nunca querem ficar por baixo, ainda mais quando há algo a ser mostrado, como poder e riqueza. Assim, não bastava ter vestidos e joias, os penteados eram uma expressão de posição social e hierarquia da nobreza.

Eu já falei que pobre que se ralasse, né?

Desde Cleópatra até Júlia Domna, desde Semíramis até Catarina, a Grande, mulheres de destaque sempre quiseram algo impactante em seus cabelos. Salvo a Dilma, talvez porque governar o Brasil não seja a mesma coisa que estar à frente de um império que governe meio mundo, mas o penteado de Elisabeth I também não era lá essas coisas pois ela mandou rapar tudo, então deixa quieto.

Sabendo mais sobre como as pessoas viviam, entendemos mais a sua história. Não os grandes feitos, mas o dia-a-dia, o ato simples de se banhar, perfumar e pentear os cabelos. Coisas tão banais hoje mas que sempre foram um sinal marcante das personalidades de seus personagens.


Para saber mais:

Um comentário em “Os Antigos Penteados Romanos Esquecidos

  1. Fantástico, André! Um trabalho precioso o desta arqueocabeleireira!
    O melhor foi ver que ela ainda colocou as referências bibliográficas e infográficas de maneira correta, mesmo sendo para um vídeo.

    Obrigado.

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