Os olhos curiosos da menina estão impacientes. Ela olha a água se esvaindo e tenta conter a sua natureza, mas é inútil. O que ela fará em seguida selará o seu destino, mas não sabemos o quanto podemos interferir nele e o quanto esse nosso destino é fatídico para que não escapemos dele. Ela não se contém mais e o que a menina de doces olhos faz lançou seu nome na imortalidade e sagrou seu pai como um dos maiores matemáticos da história… E tudo por causa de uma pérola.
Esta é a história de Báskara, o sábio.
Num mundo onde uma tola ideia que a sabedoria do Ocidente foi acarretada pela Igreja Católica, muito já tinha sido descoberto durante os 1001 anos da Ciência Islâmica. Nesse ínterim, outro país se destacou na disseminação e pesquisa de novos saberes, onde o conhecimento era algo levado a sério, a despeito dos ritos religiosos, onde sacerdotes não diziam aos cientistas o que eles tinham que estudar e como tinham que estudar. O país responsável por uma revolução na matemática foi a Índia. Sem ela não teríamos os algarismos hindu-arábicos e, o mais importante de tudo: não teríamos o zero e nem a numeração posicional.
Um dos maiores expoentes da Índia foi um homem chamado de Báskara II, também conhecido como Bhaskaracharya (Báskara, o Sábio), também conhecido simplesmente como Báskara. Ele nasceu pelos idos de 1114 E.C., em Karnataka, Índia. Ele era de uma família pertencente à casta Brâmane, e desde cedo seu intelecto tendia para a ciência dos números, a qual foi ampliada pelos estudos, porque brâmanes estudam muita matemática. Assim, Báskara se tornou um matemático e astrólogo, pois aquele era um tempo em que a astronomia ainda não se dissociara da pseudociência astrológica.
Entre muitos dos trabalhos espetaculares de Báskara, está o desenvolvimento no “Método das Fluxões”, como teria chamado um certo inglês temperamental. Hoje, nós conhecemos isso por Cálculo Diferencial e Integral. Em outras palavras, o que a Europa passou a saber no século XVIII, a Índia já tinha no século XII. De qualquer forma, Báskara não teve esta brilhante ideia do zero, também. Ela toma seus primeiros contornos com os estudos de Aryabhata, matemático e astrônomo indiano nascido em 476 e falecido em 550 E.C.). Neste meio tempo, o Império Romano estava em colapso, a ICAR nem de longe sonhava com o que seria hoje e aqueles rincões lá da Palestina continuavam sendo o que sempre foram: uma terra desolada com um monte de tribos saindo na porrada entre si. Ainda demoraria mais de 100 anos até que surgisse o Islã e os judeus estavam levando porrada por todo lado, mas os chineses mandaram um abraço.
É atribuído a Báskara, também, a solução para a equação do segundo grau — — cuja raiz pode ser obtida pelo método abaixo:
Ou, mais simplesmente:
Coloca-se em dúvida se Báskara realmente foi o inventor desta técnica, já que em alguns tabletes de argila da antiga Babilônia (de cerca de uns 4 mil anos) já traziam métodos para resolver problemas similares. O que faltou aos babilônios foi o refinamento de criar fórmulas mais simples, já que tudo para eles era na base da "receita de bolo" (faça isso, faça aquilo), ao invés de ter uma fórmula, um algoritmo.
Báskara, entre uma continha e outra, ainda espiava o belíssimo céu da sua terra, perscrutando a miríade de estrelas que embelezavam o firmamento. Infelizmente, professores não eram tão bem remunerados quanto videntes, coisa que não mudou muito até hoje. Então, nasceu a primeira de suas preciosidades; e foi desta primeira que vieram as outras. Seu nome era Lilaváti, a filha de Báskara.
O que se segue é uma história que tem algo de fantasiosa, mas que é bela assim mesmo.
Diz-se que, ao nascer Lilaváti, Báskara ficou muito feliz e correu para os astrólogos, de forma que soubesse o que o futuro guardaria para a belíssima menina que viera ao mundo. Os astrólogos predisseram que sua linda Lilaváti teria uma vida feliz e que seria conhecida por todo o mundo, mas que, infelizmente, ela não se casaria. Um golpe difícil, mas se ela vivesse feliz, qual é o problema? O problema surgiu quando Lilaváti completou 18 anos e disse ao pai que ela queria se casar. Que fazer?
Báskara correu para seus cálculos e observou com muito cuidado o que os astros tinham a lhe dizer. Com sua perícia, Báskara descobriu que, sim, sua amada filha lograria um casamento feliz, desde que ela se casasse num dia bem definido e numa hora exata! Como Báskara era famoso, não teve problemas de arrumar um pretendente, já que a menina era muito bonita também (pelo menos, é o que disseram pro noivo, já que só podia ver o rosto da menina DEPOIS do casório), e ter Báskara como sogro não seria nada mal.
Casamento marcado, faltava só esperar o momento exato. Báskara montou uma clepsidra, um relógio de água, de forma que indicasse o momento exato no qual o casamento deveria começar. Lilaváti estava mais enfeitada que jumento de cigano e com um véu espesso, pois o casamento ainda não se consumara. Como a curiosidade é um grande problema, e a vaca da Pandora não me deixa mentir, Lilaváti resolveu dar uma "espiadinha" como o relógio funcionava. Ao se debruçar para ver o mecanismo, uma das pérolas de seu vestido se desprende e cai dentro do relógio. A pérola entope a saída de água e o relógio fica sem funcionar direito.
Aqui temos uma divergência no modo como esta história é contada. Em uma das versões, o tempo passa e, óbvio, a garota não fala nada do que aconteceu. O relógio está parado e o noivo desiste do casamento, largando todo mundo lá e meteu o pé no mundo. Em outra versão, o casamento acontece, mas não na hora indicada. Pouco tempo depois, o noivo morre e como na época garotas viúvas não podiam se casar novamente, Lilaváti ficou solteira!
De uma forma ou de outra, Báskara pensa que a culpa foi dele, por ter arrumado um relógio que não estava funcionando. Assim, ele resolveu imortalizar o nome da filha e, para isso, batizou sua maior obra com o nome da própria filha: Lilaváti, um dos mais importantes livros de matemática da Índia, reconhecido até hoje pela sua magnificência!
Abaixo, vemos uma cópia do Lilaváti num manuscrito do século XVII:
Mais tarde, Báskara publicaria o Bijaganita, mais um de álgebra, Coladhyaya, o estudo das esferas e o Grahaganita, que discute movimentos planetários, dá indicações de dias do ano e prepara o alicerce matemático para o cálculo de calendários que ainda hoje é usado. Mas foi a forma de poemas que o Lilaváti se tornou a obra-prima de Báskara. O livro educou muitas pessoas, ensinou como resolver problemas, abriu nossa mente para a ciência dos números, deslumbrou, fascinou e serviu de base para grandes mentes como Euler, Gauss, Pascal, Newton e tantos outros. Grandes mentes que reconheceram em Báskara, o Sábio, um dos Grandes Nomes da Ciência.
Para saber mais
Adorava resolver problemas de equação do segundo grau. Se não me engano (provavelmente-realmente não), acho que em matemática eu só fui bom nesta matéria.
O engraçado é que os europeus recebem mais glorificações que os demais. Creio que poucos devem conhecer Báskara — e até mesmo saber que ele era indiano. Mas é o velho problema das escolas: falam e ensinam sobre o descobrimento (sendo que poucos aprendem), mas não falam e nem mostram o descobridor. Muitos sábios como Baskaras, só fui saber que eles eram os “inventores” de determinada coisa, fora do colégio. E sabendo mais, agora.
E me impressiono com a sua capacidade de criar artigos tão bem elaborados em tão pouco tempo. Você não trabalha não, é? Hahaha…
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Lembro da roda de Báskara. Um projeto de moto-perpétuo, mas foi uma iniciativa que ninguém tinha tomado.
E como o Fabrício disse acima. Só conheci os grandes matemáticos fora do colégio. Bem, na escola não aprendi muita coisa mesmo, apenas copiava a lição. Não fosse a minha autodidaxia eu seria (mais) burro.
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Confesso que só conhecia Báskara pela sua famosa fórmula. Inclusive um professor inventou uma música para decorá-la que nunca esquecerei.
“Em outras palavras, o que a Europa passou a saber no século XVIII, a Índia já tinha no século XII.”
Incrível como a informação era isolada antigamente, isto empacou bastante os avanços da ciência.
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Só lembrando também do método de exaustão de Eudoxo de Cnido que também foi precursor do cálculo diferencial por volta de 387 AC.Além disso houve o hiato da idade média que atrasou o desenvolvimento da europa em séculos…
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