Quando o Ano Novo significava um tapão na fuça do Rei

Você adora comemorar réveillon que eu sei. Cair de boca no peru, passar a mão na coxinha da galinha, encher a caveira d álcool e fingir que você não é cuzão por natureza, tudo foi culpa da manguaça. Agora, imagine celebrar o Ano Novo com um ensopado de cordeiro e beterraba, um banquete digno de um rei. Problema que nessa festança, o rei da Babilônia seria arrastado pelos cabelos, forçado a ajoelhar-se e levaria um tapa tão forte no rosto que precisaria chorar de verdade, ou ia dar muito ruim.

Bem-vindo ao Akitu, o festival de Ano Novo da antiga Babilônia, onde humildade real, mitologia sangrenta e banquetes elaborados se encontravam numa celebração que durava mais de uma semana.

O Akitu acontecia na primavera, entre o final de março e início de abril, e era muito mais do que uma simples virada de calendário. Era o momento de reafirmar a ordem cósmica, quando o sumo sacerdote arrancava as insígnias do rei – cetro, coroa, tudo – e lhe dava aquele tapa cerimonial que precisava arrancá-lo do trono por alguns segundos. Se o rei não chorasse, Marduk, o deus principal, estaria descontente. E você não quer deixar Marduk bravo: segundo o mito da criação babilônico, ele havia derrotado a deusa Tiamat atirando uma flecha em sua barriga, rasgando-a ao meio, arrancando seu coração e usando suas costelas para segurar os céus. Seus olhos chorosos viraram os rios Tigre e Eufrates.

Sinistro, muito siniiiiiiiiiiistro!

Mas o festival não era só drama e violência mítica. Era também um momento de união, quando deuses de cidades vizinhas (isto é, suas estátuas) viajavam até a Babilônia para jurar lealdade a Marduk. O povo participava, havia procissões pelas ruas, perdões reais eram concedidos a prisioneiros políticos e, claro, havia comida. Muita comida. E não qualquer comida, e sim pratos sofisticados como o Tuh’u, um ensopado de cordeiro com beterraba, rúcula, coentro, cominho e cerveja que custava o equivalente a cem pães. Não era prato de plebeu, mas também não era exclusivo da realeza. Era a comida das grandes ocasiões, aquela que você prepara quando quer impressionar.

O fascinante é perceber que, há quatro milênios, os babilônios já criavam uma culinária complexa e cheia de camadas de sabor; algo que tranquilamente serviríamos à mesa hoje. E mais fascinante ainda é saber que conseguimos recriar essa receita graças a tabletes de argila com escrita cuneiforme que sobreviveram ao tempo, às guerras e ao esquecimento. Uma prova de que a história da humanidade também é feita de temperos, fornalhas e panelas.

Quer saber mais sobre como era esse festival épico e, melhor ainda, aprender a fazer o Tuh’u na sua própria cozinha? O Tasting History fez um vídeo completo contando todos os detalhes dessa celebração incrível, e sim, tem a receita passo a passo. O vídeo digno das festividades de Ano Novo, porque nada como começar o ano viajando 4.000 anos no tempo.

https://youtu.be/7IYYhoO-hiY


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