O roubo mais audacioso da História da Inglaterra: uma pedra

Os facínoras planejaram o assalto, o roubo, a subtração. Eles estão preparados. Eles tinham tudo acertado e se muniram de ousadia, pois, ninguém havia tentado isso antes, ninguém tinha sequer imaginado ter o atrevimento de executar aquela ação. Eles estavam decididos a entrarem… digo, a escreverem a História.

Ao longo da história, ladrões audaciosos roubaram tronos, coroas cravejadas de diamantes, cetros de ouro maciço, joias que financiariam pequenos países. Tesouros reluzentes, objetos que gritam “EU VALHO UMA FORTUNA” para qualquer um com olhos funcionais. Mas em 1950, quatro estudantes escoceses olharam para todo esse catálogo de possibilidades e pensaram: “Sabe o que seria realmente ousado? Roubar uma pedra”. Não qualquer pedra, mas uma pedra de 150 kg que não vale nada no mercado negro, que não pode ser derretida, revendida ou escondida debaixo do colchão. Uma pedra que serve basicamente para dizer “esta é a nossa pedra”. E eles decidiram roubá-la.

A Pedra de Scone – também conhecida como Pedra da Coroação ou Pedra do Destino, dependendo do seu nível de dramaticidade – não é uma pedra comum. Ou até seria, mas a história dessa pedra a faz ser especial. A rigor, é apenas um bloco de arenito vermelho, mas por séculos, foi usada nas coroações dos monarcas escoceses.

Guardada originalmente na Abadia de Scone, na Escócia, a pedra acumulou lendas como quem coleciona selos. A mais extravagante? Que seria o travesseiro bíblico de Jacó, aquele mesmo da escada para o céu, levado à Irlanda pelo profeta Jeremias antes de fazer um pit stop na Escócia. Bonita história, exceto pelo pequeno detalhe: geólogos modernos confirmaram que a pedra foi extraída de uma pedreira perto de Scone mesmo. Mas quem precisa de fatos quando se tem uma lenda envolvendo profetas e sonhos celestiais?

O problema começou em 1296, durante a Primeira Guerra de Independência Escocesa, quando o rei inglês Eduardo I decidiu que vencer a Batalha de Dunbar não era suficiente. Ele queria um troféu. Então marchou até a Abadia de Scone e levou a pedra como espólio de guerra. Eduardo mandou encaixar a pedra na base de uma cadeira especialmente construída, transformando-a no assento literal do poder inglês. A partir dali, todo monarca inglês seria coroado sentado sobre a Escócia, num simbolismo tão sutil quanto um elefante numa loja de cristais. E lá ficou a pedra, em Westminster, por 654 anos.

Isso durou até que Ian Hamilton entrou em cena. Estudante de Direito na Universidade de Glasgow, Hamilton tinha uma queda por história e um senso de justiça que beirava o teatral, só faltando andar pelas ruas como um personagem de Shakespeare.

Depois de ler sobre a pedra e sua atual localização, Hamilton chegou à conclusão óbvia: aquilo pertencia à Escócia. A solução? Roubá-la de volta. Ele fez várias viagens de reconhecimento à Abadia de Westminster, analisando a segurança com a meticulosidade de um ladrão profissional. O diagnóstico não foi muito animador no início: a maioria das portas eram de carvalho maciço, impenetráveis; mas (e sempre tem um “mas”), uma lateral era de pinho, praticamente um convite.

Numa dessas visitas, Hamilton ficou escondido até depois do fechamento e foi descoberto por um zelador que, vendo um rapaz perdido, assumiu que era só mais um bêbado confuso. O homem até deu uma moeda ao “mendigo” para ajudá-lo no caminho. Hamilton aceitou. Spoiler: isso seria sua única culpa na história toda.

Na madrugada de 25 de dezembro de 1950, Hamilton e mais três estudantes escoceses voltaram à Westminster. Arrombaram a porta de pinho com um pé de cabra e partiram para a cadeira de coroação. O problema: a pedra pesava horrores e estava firmemente encaixada. Resultado? Quebraram parte da cadeira. Pior: quando finalmente conseguiram soltar a pedra, ela despencou no chão, esmagando os dedos de um dos rapazes e rachando ao meio. Elegância zero, eficiência questionável, mas determinação inabalável.

Hamilton pegou o pedaço menor, correu até um dos carros e entregou à única mulher do grupo, que saiu dirigindo sozinha. Os três rapazes precisaram arrastar o pedaço maior até o segundo veículo. Quase imediatamente, o vigia noturno percebeu o sumiço e acionou a polícia. Londres foi cercada. Barreiras surgiram em todas as saídas da cidade e nas fronteiras com Escócia e País de Gales. O carro da moça passou pelos bloqueios sem problemas. Os rapazes, por outro lado, sabiam que três universitários numa madrugada pós-assalto não iam passar despercebidos. Conseguiram sair de Londres antes do cerco completo, mas enterraram sua metade da pedra num campo vazio, planejando buscá-la depois.

Semanas depois, quando as duas metades finalmente se reencontraram na Escócia, os estudantes contrataram um pedreiro para reparar a rachadura e esconderam a pedra. Mas a polícia estava fazendo o óbvio: investigando bibliotecas escocesas em busca de quem havia consultado livros sobre a Pedra de Scone ou Westminster. Hamilton, é claro, tinha feito exatamente isso. Os estudantes foram interrogados, mas nenhum deles entregou o jogo. Sabiam, porém, que era questão de tempo. Decidiram devolver a pedra antes que as evidências os incriminassem de vez.

Hamilton e seus companheiros contataram dois vereadores da cidade de Arbroath, levaram a pedra até a Abadia de Arbroath e desapareceram. Os vereadores, em seguida, “encontraram” a pedra e informaram à polícia, mas não conseguiram descrever os responsáveis. Que conveniente.

Após três meses e meio de férias escocesas, a pedra voltou à Inglaterra. Foi usada na coroação de Elizabeth II em 1953 e permaneceu em Westminster até 1996, quando o governo britânico decidiu “devolvê-la” à Escócia. Sim, entre aspas porque é tecnicamente um empréstimo. A pedra pertence à Coroa e será requisitada para futuras coroações.

Os estudantes nunca foram processados, apesar de terem arrombado, vandalizado e furtado um patrimônio histórico nacional. Hamilton, que virou advogado de defesa criminal, disse que sua única culpa real foi ter aceitado a moeda do zelador que achou que ele era um mendigo. Irônico, considerando que ele roubou uma pedra de 800 anos.

Em 2023, a pedra Scone foi dar um passeio em Londres para a coroação de Ray Rei Charles III.

Ah, e tem mais: algumas pessoas acreditam que os monges da Abadia de Scone, em 1296, esconderam a pedra original e entregaram uma réplica a Eduardo I. Outras acreditam que Hamilton fez o mesmo em 1950. Duas transferências suspeitas, dois momentos em que quem tinha a pedra tinha motivos para guardá-la. O que significa que a verdadeira Pedra de Scone pode estar escondida em algum lugar da Escócia, esperando ser descoberta. E se os geólogos testaram a pedra errada, então as lendas sobre Jacó e Jeremias podem ser verdade. Improvável? Totalmente. Divertido de imaginar? Absolutamente.

No fim das contas, a história da Pedra de Scone é sobre identidade, símbolo e o quanto as pessoas estão dispostas a arriscar por algo que representa quem elas são. E também sobre como quatro estudantes escoceses, armados com um pé de cabra e audácia suficiente para encher um estádio, conseguiram humilhar o Império Britânico numa manhã de Natal. Se isso não é poesia histórica, não sei o que é.

Feliz Natal a todos (menos para vocês, ingleses. Tomara que roubem a pedra de novo e sumam com ela).

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