
O assassino está pronto. Ele está prestes a vitimar mais uma pessoa. A Rainha Virgem não é tão virgem assim, já que sua pele já conheceu o branco do assassino. Mas ele não irá vitimá-la. Não ela, mas várias outras pessoas foram mortos por este ser ignominioso, esta criação nefasta;. Este assassino silencioso que matou tantas pessoas que dele fizeram uso. Sim, estou falando dele: o alvaiade.
A origem do alvaiade é uma história de perigo não intencional. Contada por antigos estudiosos como Teofrasto e Plínio, sua produção envolveu uma alquimia perigosa – a combinação de lascas de chumbo com vinagre.

Alvaiade errado
Este processo, desconhecido pelos antigos, gerou uma toxina que faria inúmeras vítimas ao longo dos séculos, traçando uma trajetória perigosa na história humana. Os chineses também descobriram independentemente este composto, incorporando-o em sua herança artística. Uma arte mortal.
Tendo diversos nomes, como chumbo branco, hidrocerussita, hidrato de cerussita e, o nome mais conhecido, “alvaiade”, esta substância era conhecida desde a Antiguidade, tendo sido mencionada por Teofrasto de Eresos ( 372 A.E.C. – 287 A.E.C.), aluno de Platão e sucessor de Aristóteles na escola peripatética. Na verdade, seu nome era Tirtamo, mas Aristóteles o chamava de “Teofrasto”, por causa da sua capacidade de oração e retórica (Teofrasto significa “Frase Divina”).
Teofrasto reconheceu o alvaiade e descreveu suas características e suas propriedades em sua obra “Sobre as Pedras” (PDF). Clifford Dyer Holley (1878 – 1942) cita Teofrasto parafraseando a descrição do filósofo em seu próprio livro The Lead and Zinc Pigments.
O chumbo é colocado em vasos de barro com vinagre concentrado; depois de ter adquirido uma espessura semelhante à de ferrugem, o que normalmente ocorre em cerca de dez dias, o vaso é aberto e então raspado. Em seguida, o chumbo é misturado novamente com vinagre, repetindo-se novamente o método de raspagem até que ele tenha sido completamente dissolvido. O que havia sido raspado é então batido em pó e fervido por um longo tempo, e o que restar no fundo do vaso é o alvaiade.
Além dele, Plínio, o Velho, também falou do alvaiade mencionando, entre outras cores, como ele usado pelos antigos para pintar navios.
No século X, o Mappae Clavicula – um texto latino de autoria desconhecida que contém receitas de fabricação de materiais artesanais, inclusive para metais, vidro, mosaicos e tinturas e matizes para materiais – descreve como produzir o chumbo branco: “Funda o chumbo em pratos ou folhas e depois suspenda-o sobre vinagre forte. Depois de corroído, raspe e lave bem”.
Outro método proposto orienta: “despeje o chumbo fundido em pratos e coloque-o em uma panela nova parcialmente cheia de vinagre. Tampe bem a panela e coloque-a em um local quente, deixando-a em repouso por um mês. Ao abrir a panela, o chumbo corroído deve ser removido e bem lavado, até quando ficar branco como a neve”.
Teófilo Presbítero ( c. 1070 – 1125), que muito certamente é o pseudônimo de alguém (possivelmente um monge beneditino), compilou vários textos contendo descrições detalhadas de várias artes medievais. Ele diz no seu Diversarum artium schedula:
Se for fazer ceruse (alvaiade), desbaste algumas placas de chumbo e coloque-as juntas, secas, numa arca de madeira, da mesma forma que o cobre acima. Em seguida, despeje vinagre quente ou urina para cobri-los. Depois de um mês, retire a tampa e remova o que houver de branco e recoloque [as placas] como antes.
Descrições posteriores do processo holandês envolviam a fundição de chumbo metálico como fivelas finas e corroído com ácido acético na presença de dióxido de carbono. Isso foi feito colocando-os sobre panelas com um pouco de vinagre (que contém ácido acético, caso você não saiba, já que nunca leu o rótulo). As peças de chumbo empilhadas e cobertas com uma mistura de esterco em decomposição e casca de curtidor usada, que fornecia o CO2, e deixados por seis a quatorze semanas, quando o chumbo azul-acinzentado já havia corroído e se transformado em chumbo branco.
Os potes eram então levados para uma mesa separadora, onde raspar e bater removia o chumbo branco das fivelas. O pó foi então seco e embalado para envio ou enviado como uma pasta. Um benefício do processo foi que não foi necessário secar a pasta de chumbo branco, retirando sua água. Bastava moer a pasta com óleo de linhaça, e o chumbo branco absorveria o óleo e rejeitaria a água residual, para formar o chumbo branco no óleo.

A natureza traiçoeira do chumbo branco reside em sua composição química, uma sentença de morte para aqueles que foram expostos. Este pigmento enganosamente brilhante tem sido um assassino silencioso por mais de dois milênios, escondido nas caixas de ferramentas dos artistas e nos toucadores da elite antiga. Quimicamente falando, o chumbo branco é o carbonato de chumbo básico 2PbCO3·Pb(OH)2, um sal complexo, contendo íons carbonato e um hidróxido. Passaremos a chamá-lo de chumbo branco para reforçar que aquela substância era composta pelo venenoso chumbo.
Por causa deste veneno branquinho, muitos adultos sofreram sintomas debilitantes, incluindo dores de cabeça, dores abdominais e dores articulares e musculares excruciantes. As crianças, as mais vulneráveis, enfrentaram atrasos no desenvolvimento, dificuldades de aprendizagem e perda de peso. No entanto, este pigmento mortal encontrou seu caminho nos cosméticos e pomadas dos antigos egípcios, gregos e romanos, causando estragos sob o disfarce de beleza e sofisticação.
O chumbo, um metal pesado comum, tem sido usado pela humanidade por milênios, com aplicações que vão desde a construção até a cosmética. No entanto, o chumbo tem um lado sombrio. A exposição a este metal pode levar a uma série de problemas de saúde, muitos dos quais são graves e potencialmente fatais.
Este metal afeta muitas partes do organismo, incluindo o cérebro, os nervos, os rins, o fígado e o sangue. As crianças são particularmente sensíveis à exposição ao chumbo, pois seu sistema nervoso ainda está em desenvolvimento. A exposição crônica a níveis elevados de chumbo pode causar problemas de saúde mental, enquanto a exposição a longo prazo pode causar danos aos rins e ao fígado. O chumbo também pode causar anemia, uma condição caracterizada por uma falta de glóbulos vermelhos saudáveis.
Além disso, a exposição ao chumbo pode ter efeitos devastadores na saúde reprodutiva. A exposição ao chumbo pode afetar o metabolismo ósseo durante a menopausa nas mulheres, contribuindo para o desenvolvimento da osteoporose. Ele também é responsável por irregularidades menstruais e nos ciclos de ovulação, bem como por disfunções reprodutivas, em homens e mulheres, como a redução dos níveis de testosterona e baixa concentração do esperma.
A exposição ao chumbo também pode causar inflamação no sistema digestivo. Em casos extremos, a exposição ao chumbo tem sido associada a um risco aumentado de certos tipos de câncer.
Apesar desses riscos conhecidos, o chumbo continua a ser usado em algumas indústrias. Por exemplo, o chumbo branco, um pigmento derivado do chumbo, foi amplamente utilizado na pintura de cavalete europeia. A pintura de cavalete é uma técnica artística que envolve a colocação de uma tela ou placa sobre um cavalete, que é um suporte em tripé feito de madeira ou metal.
O chumbo branco era valorizado por sua capacidade de capturar as nuances da pele humana por ser um branco quente e suave, incomparável a qualquer outro pigmento. Esta beleza enganadora fez dele a escolha de branco por séculos, apesar de suas muitas vítimas.
A história do chumbo e seus efeitos na saúde humana serve como um lembrete poderoso dos perigos ocultos que podem estar escondidos nas coisas mais comuns. É um testemunho da necessidade de regulamentações rigorosas e da conscientização sobre os perigos potenciais dos materiais que usamos em nosso dia a dia. Afinal, a beleza e a utilidade de um material não devem ofuscar os riscos que ele pode representar para a nossa saúde.
Hoje, o chumbo branco já não é mais utilizado pelos pintores, não devido diretamente à sua toxicidade, mas simplesmente porque existem alternativas mais seguras disponíveis como o dióxido de titânio, TiO2, introduzido no século XX, embora a sedução sinistra do branco ainda tenha persistido um pouco nas paletas de artistas desavisados, como um vestígio de sua antiga glória, mas ainda um espectro de perigo.

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