Deixe-me louvar Nikkal e exaltar Hirihbi,
o rei do verão; Hirihbi, o rei da devastação
Nikkal, deixe-me exaltar e louvar!
Yarah é luz; então deixe Yarah banhar-te
Com luz
Este é um poema antigo, bem antigo. Encontrado na região de Ugarit, na atual Síria, este texto está num tablete de argila com escrita cuneiforme, mas não é no idioma ugarítico, e sim em hurriano, idioma dos hurritas, povo que lá vivia lá pelo século 15 A.E.C.. Só isso, já seria fascinante, mas a história não acaba aqui. Este poema é a letra de uma música, o Hino Hurriano para Nikkal, a peça de música mais antiga encontrada, datando entre 1400 e 1200 A.E.C., tendo sido descoberto nas bibliotecas da cidade de Ugarit, hoje chamada Ras Shamra.
O hurriano é um idioma complicado, que antecede dialetos semitas como o acádio, o canaanita, o amorita, o aramaico ou proto-hebraico. Foi neste idioma complicado que um escriba escreveu esta música, que não é uma música, simplesmente. É um hino de louvor à deusa Nikkal, a Deusa do Sol suméria e noiva de Yarikh, o Deus da Lua, o Iluminador dos Céus, Iluminador das Miríades de Estrelas e Senhor da Foice (você sabe, os quartos crescente e minguante). Sim, curiosamente, os deuses do Sol são homens e as divindades femininas são divindades da Lua, mas não nesse caso.
Conta a lenda que Yarikh enviou Hirihbi, um rei sumério, ao grande Ba’al, com a oferta de 10.000 siclos de ouro pela mão de Nikkal. Para festejar o aceite, e, assim, o hino da Grande Deusa Nikkal foi composto por um certo escriba sagrado chamado Hammurapi, mas aí entra-se em terreno nebuloso ao não se ter certeza se este era o mesmo Hamurabi que mandou gravar a estela com as suas leis, a saber: o Código de Hamurabi.
O chamado “Nascer da Lua Hurriano” ou, como ficou conhecido “Hino Hurriano para Nikkal nº6” (sim, tem outros 5, mas este é o mais antigo) foi descoberto no início dos anos 1950, quando os arqueólogos estavam escavando o Palácio Real em Ugarit e descobriram que a canção completa é um dos cerca de 36 hinos em escrita cuneiforme, encontrados em fragmentos de tábuas de argila. O arqueólogo francês Emmanuel Laroche publicou os primeiros relatos em 1955 e 1968.
Segundo a lenda, o hino foi aceito e o casal se tornou um só, nos domínios dos Céus e na observação dos destinos dos homens. Sabemos como é a letra, mas só isso não é o suficiente para sabermos tocar a música, mas o tablete de argila ainda nos trouxe outra pérola: como tocar a canção. Ele traz informações indicando a posição dos dedos do músico nas cordas do instrumento musical; a saber, um kinnor, um tipo de lira comum naquele tempo.
Os paleo-musicólogos têm um problema. Apesar de saber a posição dos dedos nas cordas, não se sabe o tempo de duração de cada nota nem o andamento ou a melodia. Ao estimar como seria a música, esta é a forma como acham que o hino deve ser tocado. Uma música de quase 4 mil anos soando aos seus ouvidos.
É mágico como hoje nós podemos nos sentir próximos e conectados a pessoas que viveram e se expressaram em suas artes e cultura há muito, muito tempo. É uma viagem no tempo.
Fascinante, vou procurar os outros cinco.
CurtirCurtir