Dos pensamentos filosóficos da Valesca

O mundo é esquisito. Quando falamos de Ensino, pensamos que estamos ensinando algo, mas a realidade não é essa. O que se espera do Ensino? A verdade é que ninguém sabe. Ouvi hoje de um professor de Matemática que se não tiver contas não é aula de Matemática. Eu perguntei então se Álgebra deixou de ser matemática. Se Topologia deixou de ser Matemática. Se os trabalhos de Cantor são alguma viagem à base de metanfetamina (usemos essa como exemplo, em tempos de Breaking Bad) e não são Matemática. Matemática é tabuada? Que pena que nem isso os alunos sabem.

Nisso, um professor de Filosofia de um colégio o Distrito Federal jogou um balde de água fria, com gelo e tudo, no que poderíamos ter como conceito de ensinar. E isso porque ele mencionou a Valesca Popozuda como "grande pensadora". Até que ponto ele está errado?

O professor Antonio Kubitscheck leciona Filosofia, a arte e técnica de procurar um gato preto que não existe no escuro. Ele resolveu colocar uma questão na prova do 3º ano do Ensino Médio. A questão é esta aqui:

Foi um alvoroço! Todo mundo achando um absurdo ele colocar Valesca Popozuda como "grande pensadora". Onde já se viu? Fora com ele! Rala, fatia e pica! (ops)

A despeito da grafia incorreta do nome da Valesca (com V e não W), vamos perguntar: SO WHAT? Muito pior seria se ele perguntasse dos bichinhos que Noé levou para arca ou dos lindos e maravilhosos ensinamentos de Jesus (como odiar os pais, por exemplo).

Todo mundo caiu de pau, inclusive os alunos, aquela classe que NUNCA dizem "olha, meu professor deu uma aula e tanto! Aprendi muito!". Normalmente, professor que os alunos gostam são aqueles inúteis de cursinho que ficam cantando musiquinha mnemônica ao invés de ensinar.

O professor disse que foi uma espécie de experimento. Segundo ele:

Quando a imprensa vem para a escola? Num fato positivo ou num fato negativo? Nós fizemos recentemente uma bela exposição de fotografia na escola. Os alunos puderam participar disso, mas a imprensa não apareceu. Eu resolvi colocar uma questão que pudesse ir para a rede social. E vamos ver o que acontece… Este fato: a imprensa apareceu.

Deixe-me contar uma historinha. Quando eu Era professor de Estadualzão, irritado pela segunda semana em greve, eu dei aula num parquinho que tinha em frente ao colégio. Usei a caixa de areia para escrever e os alunos que quiseram, ficaram. Isso foi em outro município do Rio de Janeiro, não na capital (aqui, provavelmente, eu teria que pedir permissão aos "donos" do local, seja traficantes ou PM da área). Vi que tiraram fotos e um repórter do jornal local me fez umas perguntas. Só, ninguém nunca soube disso. Não é notícia, ainda mais que o dono do jornal era o prefeito e do mesmo partido que o governador.

O prof. Antonio partiu da premissa que só se noticia algo escabroso, não o que dá certo. Não é notícia se seu cachorro lhe morde, mas se você morder um cão, é. Sua explicação foi um tapa na cara de todo mundo, mas poucos perceberam  logo de cara o que ele fez.

Ao dizer que se ele tivesse colocado o Chico Buarque como grande pensador contemporâneo, não geraria polêmica nenhuma ele está absolutamente certo! Chicão Buarque, mestre da retórica e e um poeta musical escreveu:

Jesus Cristo ainda me paga, um dia ainda me explica
Como é que pôs no mundo essa pobre titica
Vou correr o mundo afora, dar uma canjica
Pra ver se alguém se embala ao ronco da cuíca
Aquele abraço pra quem fica, meu irmão

Se EU tivesse escrito isso, seria uma rima vagabunda, poesia de merda, escritor idiota. Se a Valesca colocasse na música dela:

Deus me fez um cara fraco, desdentado e feio
Pele e osso simplesmente, quase sem recheio
Mas se alguém me desafia e bota a mãe no meio
Eu dou porrada à 3×4 e nem me despenteio
Porque eu já tô de saco cheio.

Iam xingá-la até não poder mais. Mas esta música é do Chicão: Partido Alto. Uma música tosca, ridícula que só porque é do Chicão, OOOOOHHHHHHHH, obra prima da MPB.

Mas, convenhamos, querendo ou não, Valesca canta… música. Ela é brasileira e é popular. Por que não dizer que Valesca Popozuda é MPB? O que é MPB? Música de um bando de esnobes, tirando onda de intelectual.

Eu vi a questão como um belo de um sarcasmo ao chamar Valescão de "pensadora", mas a ironia fina é incompreensível para a ralé ignara que forma a população média do Brasil. E dizer que os alunos acharam um absurdo… nah, para com isso! Aposto que eles bem que adoram vê-la rebolar o bundão dela.

Para piorar a situação, Valescão achou muito engraçado e ainda tirou onda, posando de óculos e um livro:

Confesso: Eu caí na gargalhada! Criaram um monstro e terão que aturá-lo. Se tivessem deixado a prova quieta lá, isso tudo não estaria tomando a proporção que criou. E ainda tem que ouvir Valesca dizer:

É todo mundo perfeito o funk não presta e a Popozuda não pode ser pensadora contemporânea então vamos tacar pedra no professor porque o resto vai continuar da mesma forma… enfim.. é isso que eu penso é assim que eu vejo. UMA POLÊMICA GRANDE por algo pequeno! Beijos pra vcs! Vou ali ler um Machado de assis e ir treinando pra quem sabe um dia conseguir ser uma pensadora de elite!

Um relógio quebrado está certo duas vezes por dia, e nessa Valesca me fez aplaudi-la. É um assunto pequeno e ela terminar que vai ler Machado de Assis para conseguir ser pensadora foi uma sacaneada geral com os metidos a intelectuais de Zona Sul.

Antonio salienta que de acordo com filósofos contemporâneos franceses, todo aquele que consegue construir conceitos é um filósofo, é um pensador. Se a Valesca constrói conceitos com sua música, não tem porque ela não ser uma pensadora. Isso FAZ sentido, sim!

O problema não é a Valesca ou o funk etc. Uma hora aplaudem que ela foi tema de iniciação de mestrado, outra hora é rechaçada? Um peso, duas medidas. ESTA É MINHA CRÍTICA!

Eu poderia até usar Breaking Bad na prova ou até Harry Potter. Poderia colocar na prova:

"Segundo os cientistas que redigiram a Bíblia, o ouro enferruja. Isso está certo? Justifique sua resposta."

Eu não disse que o pessoal que escreveu a Bíblia é cientista, gênio etc. De qualquer forma, a observação de Antonio mostra o quão frágil é a Filosofia, onde qualquer um pode ser filósofo, mas só os filósofos que queremos. Se eu, André, escrever que deveríamos ficar apenas pensando, iguais a uns idiotas, sem experimentar nada ou verificar observações, eu serei taxado de idiota., Mas como isso é a fabulosa ideia de Platão, ela é um primor e ele é um gênio!

Em suma: pensador é aquele que eu queira que seja. Nem eu, nem você nem qualquer outro pode dar respostas ou formular perguntas que não sejam aprovadas pelo Sistema, e o Sistema cuida de nós. Se o professor tenciona trabalhar conceitos e discussão crítica de valores, penso que ele tem o direito de usar o exemplo que ele quiser. A pergunta distava do programa do colégio? FODA-SE O PROGRAMA! O Programa não é algo sólido, eu, como professor, quero ter o direito de ensinar o que eu achar importante, e não este lixo formulado por gente acéfala que mal aprendeu a escrever direito.

Quando se tira o professor o direito de discutir, de levantar questionamentos, de trabalhar ao seu jeito um determinado tema, só mostra a ditadura branca na qual vivemos. Não vou mencionar em termos antropológicos e sociais como o rolezinho ou discutir porque um monte de marmanjo vai fantasiado para o lançamento do (insira aqui o blockbuster cinematográfico da época).

Temos ícones e eles são imutáveis. Vacas sagradas intocáveis. Ídolos máximos que não podem ser colocados no chão. Mas é bom que vivemos numa democracia. Nós, os betas, ficamos felizes por termos alfas decidindo o que é melhor pra nós.


Fonte: Folha

7 comentários em “Dos pensamentos filosóficos da Valesca

  1. “Nós, os betas, ficamos felizes por termos alfas decidindo o que é melhor pra nós.” – Admirável mundo novo?

    A primeira coisa que pensei quando li a notícia foi “Valesca popuzuda pensadora… pq não?” , e, fui atrás do conceito no google, e como citado por você, ela pode sim, ser considerada uma pensadora contemporânea. A diferença é que expõe o cotidiano da sua casta social, com a linguagem mais adequada para atingir seus interlocutores, afinal ninguém ouviria um funk com a letra “por obséquio, quero ter relações sexuais com você”, todo mundo quer ouvir “P**rra, quero te F*der”.

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  2. Ouvi sobre esse acontecimento meio por alto, só fiquei sabendo detalhes aqui agora no cet.Achei que tinha sido em alguma prova de concurso, vestibular, sei lá.Mas como o professor disse, foi uma experiência filosófica. Então, vou parafrasear outro grande pensador contemporâneo, Jeremias Mata mil (não sei se vocês conhecem): Deixa isso pra lá, deixa isso pra lá…

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