Você pode ser malvado, ruim, pérfido e cruel. Pode chutar a bunda de velhinhas e beber um litro de vodka de uma vez. Mas você nunca – NUNCA – serão tão macho quanto o Rato-gafanhoto, um roedor da família Cricetidae, gênero Onychomys , que entre várias espécies, temos o Onychomys torridus, cujo tamanho não passa de 12,5 centímetros.
Você é daqueles que se acha, dizendo que não come mel, engole abelhas? O rato-gafanhoto ri de você. ele come escorpiões peçonhentos para amenizar dores. VAI ENCARAR?
o Onychomys torridus, é um ratinho feliz, facilmente encontrado no México (não, ele não usa sombreiro nem corre rápido. Este é o Ligeirinho). Além disso, ele pode ser achado no Arizona, Califórnia, Nevada, Novo México e Utah, nos EUA. Se o que eu aprendi com os desenhos da Hanna Barbera é verdade, ele, como todo bom texano, tem sotaque arrastado, é alto e anda com as pernas arqueadas.
Ok, eu cometi um erro. Vamos prosseguir.
O O. torridus mostra que é mau pra cacete quando ele está a fim de enfrentar um escorpião, da espécie Centruroides sculpturatus, que apesar dos seus 7 cm, é tão ruim quanto, é venenoso, pode lhe dar dores excruciantes ou te mandar pra vala, logo. Mas o rato-gafanhoto tem um poder. Não da Força, mas da Evolução; aquele negócio que todos sabem que não existe, mesmo a Natureza, que insiste em dar exemplos todos os dias.
A dr.ª Ashlee Rowe é professora assistente do Departamento de Zoologia e faz parte do programa de Neurociência d Universidade Estadual do MIchigan, além de servir de modelo para um fotógrafo bem ruim.
A drª Rowe não rói unha para responder como, quando, onde e por quê o rato-gafanhoto consegue atacar um escorpião e nem dar bola pro veneno. Tudo começa com os canais de sódio. Vocês sabem, aquela coisa que matará a todos nós, tendo substituído o glúten e o açúcar. A espécie do ratinho malvadão sofreu uma mutação no gene que codifica uma subunidade do canal de sódio, Nav1.8, que induz uma alteração na sequência de aminoácidos na proteína, que faz com que seus nervos disparem sempre que se reconhece as toxinas no veneno do escorpião, oque faz com que este veneno do escorpião passe a impedir a transmissão de sensação até o cérebro.
Obrigado, dr. Chatoff. Pode REALMENTE explicar isso?
Genes codificam proteínas. Eles são a "receitinha" básica para que proteínas e enzimas sejam produzidas. Estas proteínas agem em nível bioquímico, fazendo com que reações químicas ocorram. No caso, o gene que sofreu a mutação passou a codificar (ok, "produzir") uma proteína que serve como "fita isolante". Sabendo que as sensações nada mais são que impulsos elétricos pelos nervos, esta proteína previne que o impulso elétrico que é específico para registrar a dor e levar até o cérebro não vá adiante. Como eu disse, é uma fita isolante, como as fitas isolantes nos terminais do chuveiro impedem que a eletricidade não fique facilmente dando sopa para lhe eletrocutar.
Abaixo, um vídeo do ratinho kickboxer atacando um escorpião. Como este vídeo pode induzir às crianças que a Natureza só tem assassinatos, mortes e violência, ele foi banido do Cartoon Network:
Como o laboratório da drª Rowe não usa beagles fofinhos – e ninguém se importa com ratos, ainda mais com escorpiões envolvidos – ela fez um teste aplicando o veneno do escorpião em camundongos caseiros. O resultado é que os genes não foram ativados, a proteína não foi codificada e o ratinho não conseguiu produzir nenhum analgésico para se prevenir da própria picada do escorpião. Em resumo: eles se ferraram, mas quem se importa com ratos feios?
A equipe, então, sequenciou o gene que codifica a proteína Nav1.8 em ambas as espécies de rato , e descobriram que as diferenças entre eles resumem-se a apenas dois aminoácidos. No rato de casa, o aminoácido 859 contido no Nav1.8 é um ácido glutâmico, enquanto que o aminoácido 862 é uma glutamina. No rato-gafanhoto, eles estão invertidos. É, pois é. Bastou este troca-troca de aminoácido para dar uma vantagem evolutiva ao pobre ratinho-gafanhoto. O trabalho foi publicado na revista Science.
Se vivêssemos num mundo onde Evolução existisse, poderíamos usar esta pesquisa para criarmos novos medicamentos, novas drogas, novos analgésicos. Isso, claro, se alguém não comentar que a Bayer testava remédios em judeus, e inferir que testar remédios em beagles seria algo como o nazismo. Sorte nossa que não precisaremos faazer isso. Em breve, todos estaremos com um copinho de água na mão, usando TV CRT, para poder equilibrar o copo em cima e o pastor energizar a água, enquanto diluímos cada vez mais para termos doses homeopáticas melhores ainda.
Quem precisa saber sobre genes e mutações que não existem?
André, no caso essa possibilidade de novos medicamentos não passa de possibilidade ou, você que leu o artigo deve saber, a pesquisa foi realizada com esse tipo de objetivo?
E essa possibilidade teria a ver com a semelhança fisiológica entre ratos e humanos?
Pergunto porque recentemente li em um daqueles blogs do ScienceBlogs Brasil um texto sobre a dificuldade de ter o projeto de pesquisa aprovado, sendo necessário justificar alguma utilidade prática para os resultados previstos. Um “quero estudar a aranha x porque ela tem alguma característica fascinante” não parece adiantar em nada, até onde eu entendi. Então fiquei me perguntando enquanto lia seu texto: (caso a possibilidade de novos medicamentos esteja ligada exclusivamente a essa semelhança) se fosse uma pesquisa que estudasse uma aranha, por exemplo, com uma característica genética parecida em relação a desse rato, mas que o entendimento sobre os mecanismos não fossem brevemente aplicáveis, será que seria motivo pra deixar o projeto de lado?
Há uns dias atrás eu vi uma entrevista com um pesquisador, bem velhinho, mal entendia quando a entrevistadora falava um pouco mais rápido, que passou boa parte da vida acadêmica nos EUA e na França e ele dizia que a Ciência mudou muito de uns tempos pra cá porque existe uma cobrança de resultados que antes não era tão intensa. Ele terminava dizendo que o espírito lúdico, curioso, de “fazer alguma coisa pra ver o que acontece” não tem mais espaço e que isso atrapalha a Ciência.
Eu acompanho o blog há uns 3 anos e não lembro de ter visto em algum momento você tratar desse ponto, então queria saber o que você acha, se a Ciência realmente tem que ter um fim prático ou se o desenvolvimento do conhecimento por si só deveria bastar ou se depende, sei lá.
E já que eu nunca comento, vou aproveitar pra sugerir um nome para os Grandes Nomes da Ciência: Vitaly L. Ginzburg :razz:
CurtirCurtir
Pergunto porque recentemente li em um daqueles blogs do ScienceBlogs Brasil um texto sobre a dificuldade de ter o projeto de pesquisa aprovado, sendo necessário justificar alguma utilidade prática para os resultados previstos
Brasil ainda vive na era pré-científica. Não somos referencial de nada.
CurtirCurtir
@Bob, “Ciência realmente tem que ter um fim prático ou se o desenvolvimento do conhecimento por si só”
Ciência é estudo e deveria ser apenas isso. A aplicabilidade do conhecimento adquirido não dependa da Ciência, mas de quem decide usar o conhecimento para isso.
Pelo menos essa é minha opinião!
É claro que determinados estudos são dirigidos para se obter conhecimentos em áreas especificas, mas nem tudo o que é descoberto no estudo tem utilidade para a área inicialmente destinada.
Já pensou se Einstein tivesse que dar utilidade antes de publicar a Teoria da Relatividade?
CurtirCurtir