O operário está pronto para entrar para a história. Mas ele não sabe disso. Ele olha o caminho que será feito ali e é muito pouco provável que ele sequer imagine o quanto aquela obra será importante para seu país, bem como um acontecimento fortuito escreverá seu nome em livros de medicina. O homem caminha calmamente até o rochedo de forma um tanto displicente. Em sua mão não há nada mais que um punhado de pólvora e uma barra de ferro. O homem não esboça medo, pois não havia nada a temer, em sua opinião. Mas acontece um acidente e uma explosão faz com que Phineas Gage seja um dos nomes mais conhecidos da neurociência.
Phineas P. Gage nasceu em algum dia em 1823, que se supõe ser 9 de julho, em Lebanon, New Hampshire. Sabe-se muito pouco sobre ele, a não ser que era um simples operário, um “peão” por assim dizer. A obra na qual ele trabalhava era uma estrada de ferro que passava pela cidadezinha de Cavendish, no estado norte-americano de Vermont.
A data que mudaria a vida de Phineas Gage é 13 de setembro de 1848. às 4h30min de uma madrugada fria, os operários estavam parados pois a linha férrea não podia ir adiante. tinha uma enorme rocha impedindo a continuação e ela tinha que ser removida dali. Obviamente, isso não podia ser feito com um monte de gente empurrando, então os geniais engenheiros disseram que aquilo tinha que ir pelos ares. Obviamente, engenheiro não coloca a mão na massa… seja em qual sentido for, sobrou pra peãozada ir lá resolver o problema.
Gage foi até lá com um punhado de pólvora e uma barra de ferro. EPI é uma coisa que praticamente não existia, ninguém se importava e como era “apenas” aumento de custo, ninguém dava a menor bola se o peão ia pras cucuias junto com as pedras. Eu fico até imaginando como eles deviam estar com pressa a ponto de não mandarem o pessoal quebrar a rocha na base da marretada. Ela realmente devia ser muito grande!
A rocha já estava com um buraco em cima. Phineas Gage inteligente que só, colocou a pólvora negra (negra ou afro-americana?) e socou-a com a barra de ferro. sim, ele era muito esperto e Darwin estava com um bloquinho na mão. Aconteceu o que qualquer pessoa com um mínimo de neurônios imaginaria que ia acontecer. Sendo a pólvora negra um explosivo de ação mecânica (isto é, se você der uma porrada nela, ela explode), ela detonou quando Gage socou-a com a barra de ferro com toda a força. A explosão fez com que a barra fosse cuspida de volta a uma velocidade e orça tão grande que entrou pela cara adentro de Phineas Gage.
A barra entrou pela bochecha esquerda, destruiu o olho que estava bem em seu caminho e saiu pelo topo da cabeça de Phineas, levando parte da massa encefálica junto (clique na imagem ao lado para ampliar). Todo mundo correu para ver o que estava acontecendo, enquanto outros já estavam encomendando o caixão. Só que Gage estava vivo, do contrário seria estranho ver um defunto tendo convulsões. Dentro de minutos, ele estava sentado num carro de bois, indo para a pensão onde estava hospedado. Lá, ele ficou aos cuidados do dr. John Martin Harlow. Dr. Harlow limpou todos os ferimentos de Gage, removendo pequenos fragmentos de osso; então, fechou a maior ferida no topo da cabeça com tiras adesivas, e cobriu a abertura com uma compressa úmida. Gage não foi pra sala de cirurgia, o que não fazia muita diferença naquela época.
Poucas horas depois, para espanto de todos, Gage estava bem (se é que ter um metro de barra de ferro atravessando sua cara é “estar bem”) e sem apresentar algum problema mais sério. Claro que ele teve uns probleminhas em termos de infecções, mas nada que lhe prejudicasse muito. Só uma espécie de “fungo” que fez com que Phineas Gage caísse em um estado semi-comatoso. A família tratou de encomendar o caixão, mas parece que Gage era tiro na queda e conseguiu se recuperar (relembrando: isso foi em 1848!) . Até 1 de janeiro de 1849, Gage estava levando uma vida aparentemente normal.
Entretanto, coisas estranhas começaram a acontecer com Gage. Ele mudou completamente; sua personalidade ficara alterada. Sendo um homem previdente (mas não muito) e cuidadoso, ele passou a ser um irresponsável, intempestivo, mau-caráter, mentiroso, mau-humorado, respondão, agressivo e outras coisas tão lindas quanto. Ele não era mais o mesmo homem. O que poderia ter acontecido?
Desde essa data, Phineas Gage é um dos casos clássicos da neurociência. Como uma lesão cerebral pode mudar totalmente o comportamento de uma pessoa. Como partes do cérebro afetadas oferecem um imenso impacto em quem você é. Ainda hoje, Gage é estudado por vários cientistas. No entanto, muitos dados estão se perdendo. Para começar, nunca foi feito uma autópsia quando da morte de Gage. Somente seu crânio foi preservado, mas como todos tecidos que outrora foram vivos, ele está se deteriorando. Em 2001, foram feitos os últimos trabalhos com tomografia do crânio de Phineas Gage, mas os resultados desapareceram na mixórdia burocrática.
Agora, alguns pesquisadores estão trabalhando para reaver estes dados. Alguns dos arquivos da tomografia computadorizada foram encontrados e esses dados foram passados por tratamento digital, modelando-os mediante o crânio de outro homem de idade e compleição semelhantes. O dr. Jack Van Horn foi um dos que participaram dessa pesquisa, publicando um artigo no ano passado no periódico PLoS One.
No trabalho, Van Horn, professor assistente da Universidade da Califórnia, estuda a arquitetura do cérebro de Phineas Gage, estabelecendo como aconteceu o acidente em nível neurológico e quais as partes afetadas têm relação com o comportamento. Os pesquisadores da UCLA descobriram que os seus modelos mostram que quase 11% da substância branca de Gage fora danificada, bem como 4% do córtex cerebral.
Os resultados sugerem que as perturbações da conectividade do cérebro de Gage, através da lesão da substância branca, reverberou por todo o cérebro, cortando as ligações entre os lobos frontal esquerdo, frontal direito e as estruturas límbicas do cérebro. Essa lesão que Phineas Gage sofreu acontece em muitos outros casos, não necessariamente por barras de ferro pontiagudas. Algumas doenças degenerativas também afetam o cérebro de maneira similar e estudando as lesões sofridas por um operário do século XIX pode trazer informações úteis sobre tratamentos que deverão ser feitos no século XXI.
Phineas Gage não viveu muito. Ele faleceu em 21 de maio de 1860, aos 36 anos de idade. Pode-se até dizer que naquela época já não se vivia muito e o fato de escapar de um acidente com uma barra de ferro enterrada na sua cabeça merece servir de crédito. Não obstante, Gage não terminou saudável. Morreu pobre, quase esquecido e epilético. Seu acidente ainda é estudado hoje e seu nome consta em muitos livros e publicações. Um homem humilde que se tornou famoso no ramo científico e se tornou um dos Grandes Nomes da Ciência.
Descanse em paz, Mr. Gage. O senhor já fez muito por nós, mesmo tendo o péssimo humor no final de sua vida.
Conheço um outro operário… pobre, barbudo, que perdeu o dedo numa prensa… deu bobeira e a máquina decepou o dedinho… pena que só foi o dedinho!!!!
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Vocês adoram estragar meus artigos com comentários desconexos, né?
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@André, O comentário foi embasado apenas em uma simples comparação que dois idiotas podem fazer , por não prestarem atenção ao trabalho! Esse Phineas – parente do Nicholas Cage? – Deveria ir para o nordeste socar pólvora nas “espadas” em festas juninas!!! Pelo menos o cara já possuía Know-how !! Sorria, André hj é sexta-feira e amanhã vc não dá aula!!!
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E isso tem a ver com o artigo no ponto…?
(pessoal confunde professor com bancário, cujo trabalho se encerra na sexta-feira e ele só vai se lembrar de seus afazeres profissionais na segunda. Valeu, Brasil!)
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@André, Ok, Mestre, André… vc venceu!!! A vida de professor é reflexo direto daquele ditado que diz… “ser mãe é padecer no paraíso”, professor leva dever para casa, preparar aulas, corrigir provas, entre outras coisas… tá certo… o pobre bancário não faz isso! Porém também atura clientes indesejáveis e gerentes pedantes… a cruz é leve sempre para os outros!!! Mas, valeu!! Paz !!!
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o pobre bancário não faz isso! Porém também atura clientes indesejáveis e gerentes pedantes
o pobre pobre professor não faz isso! Porém também atura ALUNOS indesejáveis e
COORDENADORES / DIRETORES / PAIS pedantes.
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Valeu, André! Finalmente dados mais completos sobre ele… A primeira vez que ouvi falar foi na Superinteressante, num artigo muito resumido, mas agora alguns dados a cerca da importância dele para os Neurociência estão respondidos.
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@sylverfalls, aqui é bem mais esclarecedor que a Superinteressante.
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@Nihil Lemos, claro, foi o que eu disse ^.~”
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Antes esclareço que sou leigo no assunto. Se alguém aqui for médico ou algo parecido me esclareça. Pelo local que a barra passou posso dizer que ele fez uma lobotomia pois perdeu os lobos frontais? Depois de uma lobotomia a pessoa fica “calma”. Nesse caso ele ficou com características totalmente inversas. Interessante…
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A primeira vez que ouvi falar do Phineas Gage foi em um debate sobre ateísmo no programa Brasil das Gerais. O Sottomaior usou o caso do Gage para falar sobre como uma mudança no cérebro (conversão a alguma religião ou pancada) pode influenciar na alteração da personalidade de uma pessoa.
Fiquei pensando se foi uma comparação válida . . .
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Sottomaior é um idiota.
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Impressionante como que centímetros podem separar a vida da morte. Phineas Cage deve ter desejado a morte naquela hora (ou não).
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