Giovanni Aldini, o pai elétrico de Frankenstein

O mundo moderno não é bonzinho, sabemos disso. O que vemos hoje, contudo, é apenas uma continuação de tudo o que temos feito. Isso acontece em todos os setores e se hoje temos um bom conhecimento do corpo humano, é porque outros deram um belo pé na bunda da ética e isso vem desde Da Vinci, quando ele pagava pessoas para lhe trazerem cadáveres para ele dissecar, sendo o inventor do atlas de anatomia.

Pesquisa científica e ética não estão relacionadas diretamente, pois Ética é uma concepção que varia de sociedade para sociedade. Cientistas são seres humanos e é para isso que comitês de ética supervisionam-os. Se não é perfeito, ao menos tentamos. O que não se pode é descambar para a total falta de escrúpulos, como foi o caso de Giovanni Aldini.

Na série Grandes Nomes da Ciência, eu relato uma pequena biografia e feitos de pessoas que causaram impacto no mundo científico. Entre meninas curiosas, meninos inventores e rapazes pensativos por causa de sorvetes, a série mostra pequenos anônimos que fizeram muita coisa ao lado de grandes cientistas, ainda que sejam responsáveis, direta ou indiretamente, por milhares de mortes. Por causa das equações de Einstein, bombas atômicas foram desenvolvidas; o mesmo Albert Einstein que é responsável pelas células fotoelétricas que servem de segurança para você poder passar por portas de elevadores.

No caso de Aldini, o que temos é algo totalmente diverso. Sua meta não era a pesquisa, mas sim um modo de mostrar-se para todos, ganhando algum dinheiro com suas demonstrações. Por si só, ele não era muita coisa. O que ajudou a impulsioná-lo foi o acaso ter providenciado que seu tio fosse Luigi Galvani.

Galvani foi um dos primeiros a investigar a fundo os efeitos da eletricidade. Entretanto, suas ideias tão bem embasadas pelas suas experiências estavam fundamentalmente erradas. Galvani achava que a eletricidade era um fluido vital, já que em suas experiências ele mostrava como a eletricidade era fundamental para o movimento e os resultados mal-interpretados o levou a uma teoria que animais possuíam uma espécie de eletricidade animal, que era responsável pelo funcionamento de um corpo vivo. Essa eletricidade seria gerada no cérebro (e Galvani não se preocupou em explicar como) e fluía por todo o corpo, fazendo movimentos.

A bem da verdade, Galvani não estava muito errado, o problema era a interpretação de seus resultados. Outrossim, e essa palavra é ótima em textos escritos, devemos salientar que sim, o cérebro age de forma que impulsos elétricos pulam de neurônio para neurônio e são conduzidos pelos nervos. O cérebro não só, contudo, funciona como uma máquina elétrica, mas química também, onde não bastam impulsos elétricos, mas também sinais neuroquímicos que complementam as “ordens” dadas. No tempo de Galvani não havia métodos de medir isso e o que o levou a ter resultados errôneos foi , por exemplo, o experimento com pernas de rãs.

No tempo de Galvani não existia pilhas, baterias nem as malditas tomadas do padrão brasileiro. Ele só podia gerar eletricidade por meio de ação friccional, isto é, uma máquina eletrostática como a máquina idealizada por Francis Hauksbee, ilustrada ao lado. Galvani conectava os eletrodos numa perna de sapo dissecada, fazendo contato nos nervos expostos. Isso fazia com que a perna do sapo que não lavava o pé se contraísse. A conclusão? O sapo tinha uma eletricidade interna. Onde está o sentido disso? Não seria mais  sensato pensar que foi a eletricidade cedida ao nervo que obrigou a perna dobrar? Foi que Alessandro Volta questionou e, mais ainda, disse que este era um meio para reproduzir um movimento de um animal vivo e, por causa disso, não era nenhuma mágica divina que fazia com que os animais se locomovessem e sim apenas uma ação elétrica.

Galvani ficou estarrecido com isso. A explicação de Volta implicava que Deus era desnecessário, pois podíamos induzir o mesmo movimento externamente. Com isso, uma batalha de crenças e egos começou. Um tentando atacar o outro com experimentos e mais experimentos. Isso sem dúvida foi muito bom, pois a curiosidade das pessoas começou a ser atiçada e outros cientistas começaram a mostrar interesse sobre os poderes mágicos (ou nem tanto) da eletricidade. Experimentos nunca são demais.

Luigi Galvani resolveu tirar da equação qualquer cessão decorrente elétrica externa. Ele pendurou um defunto de sapo (e o PETA ainda não existia para ficar com melindres idiotas) e o tocou bem em seus nervos. A perna começou a tremer e se flexionar. IT’S ALIVE! Galvani finalmente provara que estava certo. Ele demonstrou que não havia nenhuma eletricidade externa, que tudo era produzido no corpo do sapo. Seus seguidores ficaram fascinados e ele, Galvani e não sapo, escreveu um livro com toda a sua descoberta.

Como trollagem final, ele enviou seu livro De Animal Electricitates para Volta, como se dissesse: “aprende aí, n00b”. Volta ficou estupefato e não conseguia acreditar que animais tivessem uma eletricidade própria, dada pelo poder supremo de Deus. Então, Volta se debruçou a cada detalhe e percebeu que Galvani tinha pendurado o sapo numa grade de ferro e o espetava com uma agulha de cobre. Interessante.

Volta especulou que o uso de dois metais diferentes teria algo a ver com isso. Mediante pedaços de metal, como duas moedas, e sua língua, Volta conseguia sentir o “sabor” da eletricidade, um formigamento bem na língua. Mas isso era pouco para desbancar Galvani e seus sapos elétricos. Volta então se lembrou das pesquisas com um peixe fora do comum: o Torpedo marmorata, um peixe elétrico (não, não é uma enguia, e sim mais parecido com uma arraia). Volta examinou as estruturas internas do peixe e percebeu que ele tinha várias “camadas”, uma do lado da outra. Isso é muito irônico, se perceberem os detalhes da situação.

O T. marmorata tem uma placa peitoral arredondada com duas nadadeiras dorsais arredondadas moderadamente grandes (não pontiagudas ou ganchosas) (diminuídas em alguns narcinídeos) e uma nadadeira caudal bem desenvolvida. Tem uma cauda forte e musculosa. O corpo é espesso e flácido, com pele macia e frouxa e sem dentículos ou espinhos na derme. Um par de órgãos elétricos em forma de rim estão localizados na base das nadadeiras peitorais. O focinho é largo e grande em Narcinidae, mas menor em todas as outras famílias. A boca, as narinas e cinco pares de fendas branquiais estão localizados abaixo do disco. Eles são encontrados desde águas costeiras rasas até profundidades de pelo menos 1.000 metros. Eles são lentos e lentos, emboscando suas presas sob areia ou outros substratos e usam eletricidade para atordoá-las e capturá-las.

Volta tentava desbancar a ideia de um animal produzindo eletricidade examinando um animal que produzia eletricidade. Galvani não era muito bem informado das coisas ou teria usado exatamente o Torpedo marmorata como demonstração de como um animal pode efetivamente produzir eletricidade. Mas a questão de Volta é que o peixe chocante era UM animal que produzia eletricidade, mas não os outros animais marinhos. Logo, eletricidade animal não era algo inerente a todos os bichos e deveria ser descartado.

Volta viu que as diversas camadas resguardavam a chave para a questão. Então ele fez o mesmo com as peças de metal. Ele pegou vários discos de metais diferentes (a saber, cobre e zinco) e intercalou-os com papéis embebidos em ácido sulfúrico. A bem da verdade, Volta tentou primeiro ácido clorídrico (mais barato de ser obtido, vocês sabem), mas isso gerava problemas, pois em contato com o Cu, digo, o cobre, formava-se cloreto cúprico (CuCl2), que acabava funcionando como isolante elétrico, fazendo parar o fluxo de corrente elétrica. Para Volta, isso significava apenas “esta porcaria não está funcionando”. Com o H2SO4, tudo acontecia lindamente e foi produzido eletricidade em abundância, de forma contínua, ininterrupta e sem perder nenhuma de suas propriedades.

O dispositivo ficou famoso e recebeu o nome de “pilha”, mas de uma forma bem diferente de nossas atuais “pilhas secas”, que não possuem nada empilhado. Volta ficou famoso e seu nome virou unidade de medida de diferencial de potencial. Galvani foi humilhado e morreu no ostracismo, pobre e completamente ignorado, como um velho tolo de concepções arcaicas. Ele não merecia isso.

Vários parágrafos e nenhuma menção a Aldini. O artigo deveria ser sobre ele, e ainda é. O que eu quis relatar até agora era a história de dois cientistas rivais que brigavam pela melhor explicação de um acontecimento. Claro que todos somos humanos e não adianta nada descobrir algo se ninguém sabe. Giovanni Aldini nasceu em 10 de abril de 1762, em Bolonha, então uma cidade-estado (Itália como conhecemos só apareceu no início do século XX) o pobre infeliz pouco se importava com o avanço do conhecimento. Ele era tão-somente um aproveitador.  Ele se aproveitou das pesquisas do tio da forma mais infame e macabra possível. Ele usava choques elétricos para fazer corpos de animais se mexerem, o que estarrecia a plateia.

Mas Giovanni Aldini foi além. Ele viajava pelo interior com cabeças humanas, olhos e pernas. Tudo sendo devidamente eletrocutado de forma a causar comoção. Músculos da face mostravam expressões estarrecedoras e o medo sempre foi chamariz de pessoas sádicas que adoram ver atrações de horror. Ainda hoje é assim. Em 18 de janeiro de 1803, Aldini corou o mal-gosto ao levar a cabo suas atrações  medonhas. George Foster era um criminoso e naquele tempo não havia muito pudor em executar criminosos. Ele foi enforcado em Newgate, Inglaterra, e meio que dado de presente a Aldini (na verdade, boas moedas de ouro trocaram de mãos nesse processo).

Aldini, dando um “fuck this shit“, cortou fora a cabeça de Foster (para ser usada em outro experimento/atração, óbvio), introduziu uma haste metálica no fi-o-fó de Foster e ligou outro eletrodo no topo da coluna espinhal dele (de Foster, não de Aldini, o qual eu adoraria enfiar um eletrodo no rabo para ele ver como é bom). Ao ligar a enorme pilha elétrica, o fluxo de corrente passou por todos os nervos do defunto. Seus músculos se contraíram e ele levantou-se da mesa. Aldini continuou com os choques e o corpo inanimado começou a se contorcer e a “dançar”, segundo relatos da época. O susto foi tão grande e o pavor tão intenso que as pessoas acharam que Foster realmente estava vivo e aqueles que não fugiram de medo começaram a berrar para que Foster fosse executado de novo.

Isso influenciou uma certa moça inglesa, literata por excelência. Por causa da obra infame de Aldini, ela escreve uma das maiores obras literárias de todos os tempos. O nome da moça era Mary Shelley e sua opus maxima derivada dos experimentos de Aldini é a famosa obra “Frankenstein”.

Aldini forneceu uma descrição completa de seus experimentos em inglês e francês, asem esquecer de suas experiências com o cadáver de George Foster, bem como outros ensaios que ele fez na Inglaterra e França. Os trabalhos foram publicados em 1803, um em Londres (um relato das melhorias póstumas ao galvanismo) e outro em Paris (Précis des expériences galvaniques faites récemment à Londres et à Calais). Aldini reuniu todos os seus trabalhos em um livro imenso, em termos de literatura científica da época. Eram dois volumes, perfazendo um total de 680 páginas, com o título Essai théorique et experimental sur le galvanisme, publicado em Paris em 1804.

Como puxar o saco de poderosos nunca foi má ideia, Aldini fez uma floreada dedicatória a Napoleão Bonaparte que era quem mandava em Milão e Bolonha, junto com boa parte da Europa, para insatisfação de muita gente. Napoleão, ao que parece, gostou muito da dedicatória, já que adorava Ciência. Cumulou Aldini de favores e presentes, juntamente com o título de Cavaleiro da Coroa de Ferro, assim como o cargo de Conselheiro-de-Estado em Milão, onde Aldini morreu em 17 de janeiro de 1834. Nada mal para quem dava choque na bunda de defuntos.

Aldini é um perfeito exemplo… do que não se deve fazer. Se Newton assentou-se sobre os ombros de gigantes para concluir seu trabalho monumental (e isso não foi nenhuma frase humilde da parte dele e sim uma zoação para com Robert Hooke), Aldini montou no pescoço do falecido tio e nas vítimas usadas em suas experiências funestas; e se alguma vez Aldini fez algo que prestasse, e digno de ser mencionado sem asco, foi a doação substancial para fundar uma escola de ciências naturais em Bolonha; mas sabemos a que preço ele fez isso, visando mais seu ego do que o desenvolvimento científico. Sua história merece ser contada para termos noção que boas ideias e bons ideais sempre podem descambar para algo nefasto e é para isso que temos comitês de ética hoje.


Para saber mais: Giovanni Aldini: from animal electricity to human brain stimulation (PDF competo AQUI)

5 comentários em “Giovanni Aldini, o pai elétrico de Frankenstein

  1. Na cronologia da ciência mostra como Schopenhauer está certo quando disse que a verdade têm três estágios:ridicularizada,violentamente contrariada,aceita como verdade.Todos os grandes homens que falaram a verdade morreram de forma violenta:Jesus,Zoroastro,Krisna,Pitagoras,Socrates,Gandhi,Luther King,Kennedy,Lincoln etc Na ciência o Dogma Cientifico perserguiu,ricicularizou,expulsou,deixou na falência todos os baluartes e corifeus da Medicina,como Alexander Fleming,Harvey,Semmelweis,Hahnemann,Horace Wells e todos os que realmente descobriram foram esquecidos.Alexander Flemming dizia que:”não deixe que as doutrinas vigentes entorpeçam vosso cèrebro” Galvani,Tesla,Ascanio Sobreiro foi roubado por Nobel,Fulton,Oersted,Humphry Davy foi pelo famoso Michael Faraday,Alfred Russell Wallace foi roubado pole seu amigo de faculdade desconhecido na epoca um cidadao chamado Chales Darwin,terminaram na falência,enquanto os que o acusavam se locupletavam com as idèias e diziam que eram suas,Paracelso descobriu o Hidrogênio mais Henry Cavendish e Lavosier que chamavam a descoberta de impossivel e acusaram Paracelso de chalartão, para depois levarem a fama e ficarem ricos isso que toda o establishment acadêmico fez com todos os cientistas.

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    1. Jesus, Zoroastro e Krisna não existiram.

      deixou na falência todos os baluartes e corifeus da Medicina,como Alexander Fleming,Harvey,Semmelweis,Hahnemann,Horace Wells e todos os que realmente descobriram foram esquecidos.Alexander Flemming dizia que:”não deixe que as doutrinas vigentes entorpeçam vosso cèrebro”

      Foram esquecidos ONDE?

      Galvani,Tesla,Ascanio Sobreiro foi roubado por Nobel,Fulton,Oersted,Humphry Davy foi pelo famoso Michael Faraday,Alfred Russell Wallace foi roubado pole seu amigo de faculdade desconhecido na epoca um cidadao chamado Chales Darwin

      Nota zero em História da Ciência.

      Paracelso descobriu o Hidrogênio

      HAHAHAHAHAHAHAHAHAHAH Viajou legal.

      Henry Cavendish e Lavosier que chamavam a descoberta de impossivel e acusaram Paracelso de chalartão, para depois levarem a fama e ficarem ricos isso que toda o establishment

      Ambos já eram de família rica, IDIOTA.

      E sim, Galvani ESTAVA errado, enquanto Volta estava certo. Duhhhh

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  2. Volta reconheceu os resultados da louca pesquisa de Galvani. Estas pesquisas e briguinhas culminaram na redescoberta da pilha elétrica…(os babilônicos devem rolar nas tumbas quando se fala nisso)…batizada por Volta de célula ou pilha GALVÂNICA, ou de corrente continua. Até hoje usamos os termos “corrente galvânica” e “isolamento galvânico”, tudo graças ao infeliz do sapo, do qual ninguém lembra o nome.
    O que o Aldini ta fazendo neste seu texto? Ah tá…ja descobri.

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  3. O funcionamento do desfibrilador se baseia nos experimentos dele será? A história dele me impressionou pela ousadia que hoje seria condenada, mas que foram cientistas ousados que criaram meios que salvam milhares ou até mesmo milhões de vidas.

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