Banda ofende Papai Noel e um bando de toscos fica chorando

Existe um momento mágico na vida em que você percebe que a realidade brasileira ultrapassou qualquer capacidade humana de criar ficção satírica. É quando você lê que uma banda punk foi indiciada em 2025 por ofender o Papai Noel. Sim, aquele mesmo personagem que representa uma festa de origem pagã que o Cristianismo se apropriou, que depois virou garoto propaganda da Coca-Cola, e que agora, aparentemente, tornou-se uma figura sagrada da Cristandade mundial digna de proteção policial. Se você acha que estou exagerando, respire fundo e prepare-se para conhecer o caso dos Garotos Podres, a banda que conseguiu a proeza de ser menos censurada pela Ditadura Militar do que pela democracia contemporânea.

A história começa quando os integrantes dos Garotos Podres, uma das bandas pioneiras do punk rock brasileiro formada em Mauá em 1982, foram intimados pela Polícia Civil após a postagem de um videoclipe de “Papai Noel Velho Batuta” no You Tube. A música, lançada no álbum de estreia “Mais Podres do que Nunca” em 1985, foi aprovada pelo Departamento de Censura da Polícia Federal durante a ditadura militar que estava prestes a morrer sem a cruz da hora extrema, já que morria impenitente.

Péra, eu realmente preciso repetir: depois de 40 anos, um bando de marmanjos ficou putinho porque ofenderam uma figura inexistente numa música que passou tranquilamente pela censura de um regime autoritário, fizeram queixinha e agora a banda, em plena democracia, está sendo investigada por suposta ofensa religiosa e incentivo subliminar à violência.

A denúncia partiu de alguém que a banda delicadamente descreveu como “membro de uma Seita de Fanáticos de Extrema-Direita”. Segundo o documento, a letra ofenderia sentimentos religiosos ao atacar o Papai Noel, descrito como “figura lendária que representa uma cultura mundial cristã”. Estão transformando uma figura inexistente e alegando que estão ofendendo esta figura e isso deixa todo mundo triste. Imaginem alguém ficar puto porque você xingou figuras inexistentes, como Shiva, Políticos Honestos, Jesus…

O vocalista Mao, que além de punker é doutor em História Econômica (irônico, não?), contou que todos os membros da banda e seu empresário foram submetidos a interrogatório. O mais surreal é que o baterista atual do grupo teve que se justificar por uma música composta anos antes de ele nascer. É como se você fosse intimado a explicar por que seu avô criticou o Plano Cruzado. E isso por causa de uma acusação feita por gente que critica reparação dos tempos da escravatura.

A investigação tratou o conteúdo das canções como possível “forma subliminar de incentivo à violência”, porque, claro, quando alguém canta “Papai Noel porco capitalista, eu quero matá-lo”, o brasileiro médio imediatamente vai ser defensor de todo mundo ter armas e poderem matar quem quiserem e…

PÉRA, É O QUE O PESSOAL QUE FEZ A QUEIXA REALMENTE DEFENDE!!

O absurdo ganha contornos ainda mais bizarros quando comparamos os procedimentos. Durante a ditadura militar, quando o álbum foi lançado, duas músicas foram censuradas (“Johnny” e “Vou Fazer Cocô”), mas através de um processo burocrático normal sem interrogatórios inquisitoriais. Agora, em 2025, quarenta anos após o fim do regime autoritário, a banda passa por um procedimento que nem a ditadura impôs. É como se a democracia brasileira tivesse decidido fazer cosplay de 1984 de Orwell, mas sem entender direito a referência.

A banda, com seu característico senso de humor punk, respondeu à situação lançando uma animação sobre o caso feita pelo cartunista Leandro Franco.

O caso dos Garotos Podres é um retrato perfeito da esquizofrenia jurídica brasileira contemporânea. Vivemos numa época em que o discurso da liberdade de expressão é usado seletivamente, onde figuras comerciais são sacralizadas e onde a crítica social vira caso de polícia. É o tipo de situação que faria Franz Kafka jogar a toalha e admitir que a realidade superou sua capacidade de criar absurdos literários. E o mais trágico é que isso não é exceção, é a nova normalidade de um país que aparentemente decidiu que democracia é aquele sistema onde você é livre para concordar com quem tem poder de te denunciar.

É o lugar em que o pessoal que vocifera que todo mundo tem o direito a falar o que quiser por causa da liberdade irrestrita de opinião corre pra te censurar quando não é a que eles querem.


Fonte: Caule, digo, Folha

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