
Todo mundo passou anos sabendo (coloque as aspas você, eu estou com preguiça) que comida industrializada é prática, moderna e até saudável; cof cof… então, acaba descobrindo, décadas depois, que esse cardápio era menos um estilo de vida e mais um convite elegante ao vício.
Se você acha que essa coisa de “vício em comida” é papo de autoajuda ou teoria furada de quem tá de dieta, temos mais uma ótima para adicionar ao plantel: pesquisadores da Universidade de Michigan descobriram que mulheres 50+ cumprem mais critérios clínicos de dependência em ultraprocessados do que gerações mais velhas. E não é pouco: é como se fosse um vírus sutil, silencioso, que ninguém avisou que estava chegando e que agora aparece de repente no laudo científico.
A drª Ashley Gearhardt é professora de Psicologia na área de Ciências Clínicas da Universidade de Michigan. Como ela tem que bater cota como qualquer pesquisador, estalou o chicote e colocou os estagiários pra trabalhar. A equipe aplicou a mesma régua usada para medir dependências químicas em algo que, teoricamente, deveria ser banal: comida. Não qualquer comida, mas os ultraprocessados, essa categoria que vai do refrigerante açucarado às barrinhas “light” de caixinha, passando pelo arsenal congelado do supermercado. O resultado? A Geração X, hoje na casa dos 50 e 60 anos, parece ter virado o ponto alto dessa equação indigesta.
O estudo foi feito com mais de 2.300 americanos acima dos 50 anos, usando dados do Health and Retirement Study, um levantamento que serve de termômetro nacional para o envelhecimento nos Estados Unidos. Nada de enquetes de Instagram: aqui é ciência com planilha pesada. Eles aplicaram a Modified Yale Food Addiction Scale 2.0, a mYFAS 2.0 para os íntimos, que traduz para comida os mesmos critérios de dependência usados para drogas ou álcool: desejo intenso, perda de controle, abstinência e impacto negativo na vida social. Para entrar na categoria “dependente”, bastava apresentar dois ou mais sintomas com prejuízo clínico significativo. E, para espanto de alguns e confirmação de outros, uma fatia nada desprezível da população encaixou direitinho nesse retrato.
Os números falam alto. Entre as mulheres da chamada Geração X, pouco mais de 21% cumpriam os critérios. Entre os homens, cerca de 10%. Comparando com os acima de 65, dá para ver o declínio: 12% das mulheres mais velhas e apenas 4% dos homens entram na mesma categoria. Em outras palavras, a geração que cresceu sob a avalanche de propagandas de comidas “light”, “diet”, de baixo teor de gordura e congelados milagrosos acabou sendo a mais atingida. Aquilo que foi vendido como “modernidade saudável” virou um passaporte para a dependência.
Mas os dados ficam ainda mais incisivos quando olhamos para os fatores de risco. Mulheres que se percebem acima do peso têm onze vezes mais chances de se enquadrar nos critérios de vício em ultraprocessados do que aquelas que se veem no peso “normal”. Nos homens, a multiplicação é ainda mais brutal: dezenove vezes. A solidão também pesa: quem se sente isolado socialmente tem mais do que o triplo da chance de cair nessa dependência. E quando a saúde física ou mental é descrita como “regular” ou “ruim”, a vulnerabilidade sobe de novo. Não é só o pacote de biscoito recheado: é a combinação da prateleira do supermercado com o espelho e o silêncio da casa vazia.
E não dá para dizer que esses resultados são apenas reflexo de renda ou escolaridade. O estudo foi cuidadoso em ajustar estatisticamente para idade, sexo, educação, renda e até estado civil. Usou regressão logística para calcular as chances, limpando os confundidores que poderiam distorcer o quadro. O que sobrou foi justamente o impacto cru de como a autoimagem, a solidão e a saúde subjetiva se entrelaçam com a dependência em comida industrializada. Não é um capricho estatístico: é um retrato clínico.
O que isso significa para o futuro? Que se a Geração X – que ainda tinha um pezinho na comida feita em casa – já mostra índices tão elevados, as gerações mais novas, criadas a pão de hambúrguer, refrigerante e snacks desde o berço, podem estar prestes a bater recordes. A história lembra muito a do cigarro: um produto inicialmente vendido como glamour, até que a ciência provou que era dependência travestida de hábito.
Os ultraprocessados podem ser o Marlboro da nossa geladeira. E, como todo vício, quanto antes você intervém, maiores as chances de evitar que um salgadinho “fit” acabe ocupando o mesmo patamar do trago ou do gole; só que embrulhado em plástico colorido.
A pesquisa foi publicada no periódico Addiction

Um comentário em “Mulheres da Geração X não largam os ultraprocessados (e você não tá longe disso)”