
O marketing corporativo vive numa corda bamba fascinante entre o genial e o catastrófico. De um lado, temos campanhas lendárias que definem décadas, como o “1984” da Apple ou a família Volkswagen dos anos 60, que transformaram produtos em ícones culturais. Do outro extremo, encontramos desastres épicos que se tornam estudos de caso sobre como não fazer propaganda. Como foi o caso da Jaguar e sua propaganda… esquisita e que envelheceu pior que leite no sol.
Entre esses dois extremos existe um território pantanoso onde habita a grande maioria das campanhas publicitárias: as promoções. Elas não deveriam ser problemáticas, mas aí entra em cena executivos ambiciosos decidem que ser esquecível não é uma opção. Quando departamentos de marketing começam a flerte com o extraordinário sem consultar adequadamente o jurídico, quando a criatividade atropela o bom senso, e quando uma simples campanha promocional se transforma numa bomba-relógio legal esperando para explodir na cara da empresa. E isso acarreta uma promoção em que você poderia ter um avião de guerra.
Em 1996, a Pepsi estava numa missão quase quixotesca para arrancar algum mercado da dominante Coca-Cola. É bizarro como em muitas ocasiões a Pepsi parece um vilão de desenho animado, sempre bolando esquemas malucos para alcançar um objetivo singular: finalmente capturar o Papa Léguas, pegar aquele maldito pombo e derrubar a Coca-Cola do trono.
O que a Pepsi inventou foi o “Pepsi Stuff”, uma espécie de programa de fidelidade onde você recebia pontos por comprar seus produtos, que depois podia trocar por mercadorias premium da Pepsi. Sabe como é, as bugigangas de sempre: camisetas, bonés e toda aquela quinquilharia que empresas adoram empurrar como se fossem tesouros perdidos de imperadores da Antiguidade ou navios piratas repletos de ouro.
Para promover o Pepsi Stuff, eles lançaram uma campanha publicitária mostrando algumas das coisas que você podia conseguir no catálogo da Pepsi. Claro, isso não faria uma promoção muito memorável, então o anúncio terminava de forma “brincalhona” com a inclusão de um McDonnell Douglas AV-8B Harrier II, listado ao custo de 7 milhões de pontos Pepsi.
Agora, como você provavelmente pode imaginar, a Pepsi não tinha intenção alguma de dar um jato Harrier de presente. Eles apenas usaram a imagem para adicionar um pouco de charme ao seu anúncio, mas efetivamente não o incluíram no catálogo. Afinal, ninguém poderia plausivelmente acumular 7 milhões de pontos Pepsi, certo?
Vamos fazer as contas, pega aí uma folha de papel de pão (pergunte aos seus pais): um pack de 12 latas valia 5 pontos, então nessa proporção você teria que comprar 16,8 milhões de latas. Isso implica em beber 46.000 latas por dia durante um ano inteiro. Teria custado cerca de 4 milhões de dólares para pagar tudo isso.
Agora, se você é um observador particularmente astuto, já percebeu como a Pepsi se ferrou aqui. Um jato Harrier não custa 4 milhões de dólares. O jato custava então cerca de 23 milhões de dólares (outras fontes mencionam até 33 milhões, vou dizer 30 milhões), então, aos 7 milhões de pontos Pepsi, o Harrier no anúncio era na verdade uma pechincha! Mas ainda assim, ninguém ia comprar tanta Pepsi e contar todos os pontos, certo? Bem, foi aqui que a Pepsi se ferrou por meio de um detalhe que um desocupado que sabia fazer contas percebeu com a precisão de um falcão avistando uma presa.
John Leonard era então um estudante universitário de 21 anos, trabalhando como instrutor de escalada nas montanhas quando não estava estudando. Um jovem empreendedor nato, Leonard tinha aquele tipo de perspicácia que fazia dele o pesadelo de todo departamento jurídico corporativo: a combinação mortal de inteligência aguçada, tempo livre e uma desconfortável familiaridade com brechas contratuais. Leonard não era apenas um jovem idealista com uma calculadora. Depois de observar o anúncio com a intensidade de um arqueólogo examinando hieróglifos, ele fez o que qualquer pessoa sensata faria: Desenhou um pentagrama no chão com sangue, acendeu velas negras e clamou pelos poderes de Nosso Senhor Satã.
Minto, ele foi mais baixo ainda na escala de perversidade: contratou advogados.
Gastando cerca de 4 mil dólares em honorários – uma bagatela para alguém que efetivamente não era pobre – Leonard descobriu que, tecnicamente, a Pepsi teria que honrar a oferta do jato Harrier, mesmo que não estivesse no catálogo. A legislação publicitária americana tem essa peculiaridade: quando você faz uma oferta específica em um anúncio, mesmo que “brincando”, isso pode ser interpretado como uma proposta contratual legalmente vinculante. O grande ponto é que em nenhum momento do anúncio foi dito que o caça era uma zoeira por parte da empresa.
Leonard estava agora determinado a reivindicar seu jato Harrier. Mas ele nunca investiria 4 milhões nisso, certo? Bem, ele não precisava. Havia uma brecha maravilhosa no regulamento: para reivindicar algo do catálogo, a Pepsi exigia apenas que você enviasse 15 pontos Pepsi, e, então, você podia simplesmente comprar o resto dos pontos a 10 centavos cada.
Sim, isso que você leu. A rigor, você não precisava juntar todos os pontos para nada, desde o boné até a jaqueta, desde que enviasse os 15 pontos e o dinheiro inerente ao preço de 10 centavos por ponto. Esta era de longe a maneira mais fácil e barata de conseguir qualquer coisa do catálogo. No tocante ao Harrier de cerca de US$30 milhões, custaria apenas cerca de 700 mil dólares, o que até o Pica-pau largaria mão daquelas coisas como iates, mansões, automóveis e mulheres (o Harrier só tinha espaço para um único ocupante, infelizmente).
Leonard recorreu ao seu amigo Todd Hoffman para ajuda, e o milionário concordou em se juntar ao estudante em sua tentativa de ganhar o jato. Todd Hoffman não era exatamente um personagem que você esperaria encontrar financiando uma batalha legal contra uma gigante dos refrigerantes. Ele havia construído sua fortuna através de negócios e investimentos, incluindo muitas franquias e concessionárias da Toyota, Honda, e Ford. Era o tipo de empresário que entendia tanto de números quanto de oportunidades, e quando Leonard lhe mostrou os cálculos, Hoffman viu não apenas o absurdo da situação, mas também a beleza matemática da brecha.
“A matemática que a Pepsi não fez”, como Hoffman seria mais tarde apelidado, não estava apenas investindo em um jato militar. Estava investindo em um princípio: se você faz uma oferta pública, deve estar preparado para honrá-la, mesmo que ela seja estúpida.
Usando os contatos que Leonard havia feito com clientes ricos enquanto trabalhava como instrutor de escalada, a dupla conseguiu convencer investidores a comprarem sua ideia e levantaram os 700.000 dólares. Leonard enviou um cheque de US$700.008,50 (incluindo um adorável valor de US$10 à guisa de frete) e 15 rótulos, seguindo meticulosamente as regras da promoção, numa carta para a Pepsi pedindo para resgatar o jato Harrier.
A Pepsi riu, é claro, e respondeu dizendo que o jato não era realmente parte da promoção e foi usado apenas para criar um anúncio divertido. Ela devolveu o cheque de Leonard e jogando alguns cupons gratuitos por pena. Algo que Leonard (ok, seus advogados) já previram que ia acontecer. A partir daqui, o caso se tornou um processo judicial, com Leonard levando a PepsiCo ao tribunal por falha em honrar sua oferta anunciada. A PepsiCo entrou com uma ação neste tribunal em 18 de julho de 1996, buscando uma decisão declaratória afirmando que não tinha obrigação de fornecer ao autor um Jato Harrier.
A estratégia da Pepsi era simples: alegar que qualquer pessoa razoável entenderia que se tratava de uma piada. Afinal, quem em sã consciência daria um jato militar como prêmio em uma promoção de refrigerante? A resposta, claro, era John Leonard.
Após três anos de batalha jurídica, com advogados discutindo se um comercial de refrigerante constituía uma proposta comercial séria, o caso finalmente se encontrou diante de um juiz. O tribunal concedeu a moção de julgamento sumário da PepsiCo, assim decidindo a favor da PepsiCo e confirmando que nenhum contrato exigindo que eles fornecessem um Jato Harrier foi formado através de seu comercial.
O caso dependia de uma questão fundamental: o anúncio da Pepsi na TV constituía uma oferta legalmente vinculante? O juiz decidiu que não, por três razões principais:
Primeiro, um anúncio é tipicamente um convite para negociar ao invés de uma oferta vinculante. Em termos jurídicos, existe uma diferença crucial entre “estamos oferecendo isto” e “estamos abertos a discutir a possibilidade de oferecermos isto”.
Segundo, a oferta era obviamente uma piada e não uma proposta séria. O tribunal argumentou que nenhuma pessoa razoável interpretaria o comercial como uma oferta genuína de um jato militar, já que ninguém seria maluco de colocar um caça na mão de algum adolescente e nem as escolas estariam adequadas a receber algum adolescente chegando para estudar num troço que voa e faz os inimigos fazerem kabum.
Terceiro, mesmo que fosse uma oferta séria, faltavam elementos essenciais para formar um contrato válido.
Obviamente, questões legais são um pouco mais complicada que isso, mas nem eu nem você somos advogados, então, o resumo geral serve para ambos. E se você que estiver lendo isso for advogado, sinto muito, mas é o preço que você pagou por não estudar.
Os pontos para o jato foram aumentados de 7 milhões para 700 milhões, e 2 palavras foram adicionadas ao texto de encerramento: “Just Kidding”.
A Pepsi aprendeu sua lição da maneira mais cara possível, através de três anos de batalhas judiciais que provavelmente custaram muito mais que os 700.000 dólares que Leonard estava disposto a pagar.
Este é um lindo e cristalíssimo caso que todo mundo estava errado.
Mesmo que eles estivesse legalmente dentro de seus direitos, já que obviamente era uma piada, a Pepsi não se preparou adequadamente para alguém mais sacana que ela para chamar pro tapetão. Quanto a John Leonard, bem, eu admiro seu espírito; mas obviamente ele tentou se dar bem usando a máquina judicial, o que é o que se faz todos os dias nos tribunais, ou a profissão de advogado jamais seria necessária.
Um dia, quem sabe…
A verdadeira ironia é que Leonard e Hoffman, na verdade, ganharam algo muito mais valioso que um jato militar: eles se tornaram símbolos da audácia necessária para desafiar corporações gigantes. A batalha Leonard vs. PepsiCo se tornou um caso clássico estudado em faculdades de direito por todo o país, não apenas como exemplo de lei contratual, mas como um estudo fascinante sobre os limites entre marketing criativo e responsabilidade legal.
No final das contas, talvez a verdadeira lição seja esta: numa era onde o marketing precisa ser cada vez mais extravagante para capturar a atenção, alguém sempre estará disposto a chamar seu blefe. E quando isso acontecer, é melhor você ter os advogados preparados; ou pelo menos certifique-se de que suas piadas venham com disclaimer.
A Pepsi aprendeu isso da maneira mais cara possível. John Leonard, por outro lado, aprendeu que às vezes a jornada vale mais que o destino. E todos nós aprendemos que, no mundo do marketing corporativo, não existe piada que seja piada demais para alguém levá-la a sério.
Muito pior é quando fazem um marketing sério que acaba virando piada e gente sendo demitida. Não é mesmo, Jaguar?

2 comentários em “Quando a Pepsi prometeu dar um avião de combate em troca de tampinhas (ou quase isso)”