A mutação que nos deu cérebros maiores e também um câncer mais esperto

Você já deve ter ouvido aquela história de que, na Evolução, sempre há um preço a pagar. Tipo: ganhamos polegares opositores, mas perdemos a habilidade de viver pelados em temperaturas abaixo de 10 °C. Agora, um grupo de cientistas da Universidade da Califórnia, em Davis, descobriu um novo “custo evolutivo” pra nossa conta: uma mutação genética que pode ter ajudado nosso cérebro a crescer, mas que, de brinde, deixou o câncer mais esperto que nosso sistema imune.

A vilã da vez? Uma proteína com nome de chef medieval: Fas Ligand, ou simplesmente FasL.

O dr. Jogender Tushir-Singh é químico (ok, bioquímico, mas está quase na perfeição) do Departamento de Microbiologia Médica e Imunologia da UC Davis. Sua pesquisa concentra-se no uso de engenharia de proteínas e anticorpos multidirecionais no contexto de cânceres humanos e outras patologias; para isso, ele estuda os efeitos do FasL, que poderia ser definida como uma arma usada pelas nossas células imunes para forçar células ruins (tipo tumorais) a cometerem suicídio bioquímico. Acontece que, em humanos, essa arma tem um ponto fraco escancarado: ela pode ser desativada por uma enzima chamada plasmina, que é liberada em fúria por certos tumores sólidos.

O resultado? A célula imune chega armada até os dentes, pronta para o duelo, mas o tumor arranca a bala da pistola e diz: “tente de novo na próxima encarnação”.

E esse detalhe que muda o jogo é minúsculo: uma única troca de aminoácido na proteína FasL: onde outros primatas têm uma proline no ponto 153 da cadeia, nós temos uma serina. E isso, meus amigos, é o suficiente para deixar a FasL vulnerável ao ataque da plasmina.

Sim, enquanto o chimpanzé vai lá e mata a célula tumoral com eficiência suíça, nós, humanos evoluídos, estamos tentando convencer o câncer a se redimir pelo diálogo, enquanto ele desativa nossa melhor arma no silêncio das proteínas.

Essa fragilidade foi descoberta pela equipe (cof cof, sabemos que foram os estagiários) do dr. Singh, que tem nome do amigo do Johnny Quest. O estudo joga luz sobre por que nós temos taxas muito mais altas de câncer do que nossos primos primatas. A resposta pode estar nesse detalhe evolutivo que, ironicamente, teria ajudado o cérebro humano a se desenvolver, mas ao custo de um sistema imunológico com brechas dignas de uma portaria de condomínio.

E essa não é só uma curiosidade bioquímica. Ela explica um dos grandes mistérios da oncologia moderna: por que terapias celulares avançadas como o CAR-T funcionam tão bem contra cânceres no sangue, mas decepcionam contra tumores sólidos? A resposta, em parte, está no ambiente tumoral saturado de plasmina, que inativa o FasL e sabota o exército imunológico antes mesmo da batalha começar.

Mas nem tudo está perdido! Os pesquisadores também descobriram que inibir a plasmina ou proteger a FasL da “tesoura molecular” pode restaurar sua capacidade de matar o tumor. Isso abre caminho para estratégias que combinem as imunoterapias atuais com bloqueadores de plasmina ou anticorpos que blinde a proteína assassina de ser desarmada.

Traduzindo: se não dá pra reescrever a Evolução, dá pelo menos pra dar um colete à prova de plasmina pro nosso sistema imune.

Segundo Tushir-Singh, isso representa um grande passo para tornar as imunoterapias mais eficazes, especialmente contra os cânceres “plasmina-positivos”, como o de ovário, cólon e o temido triplo negativo de mama.

E sim, é claro que ainda há muito a aprender com nossos parentes primatas. Não só sobre imunidade e mutações, mas sobre como sobreviver ao câncer com um sistema que não foi sabotado pela própria evolução em nome de um cérebro maior. A inteligência, afinal, nos deu arte, foguetes e redes sociais… mas também um câncer que sabe desativar nossas armas.

A pesquisa foi publicada na Nature Communications

3 comentários em “A mutação que nos deu cérebros maiores e também um câncer mais esperto

  1. Tipo: ganhamos polegares opositores, mas perdemos a habilidade de viver pelados em temperaturas abaixo de 10 °C.

    Sobre a habilidade de viver pelado abaixo dos 10 graus, as piriguetes estão aí como um contraponto. Aqui em São Paulo está um frio da desgraça, mas mesmo assim acabei de passar por uma funkeira com um toco de shorts.
    Vai ver elas também desenvolveram algum tipo de mutação em alguma proteína. Nosso caro doutor Singh poderia estudar isso.
    Agora, falando sério, confeço que fiquei esperançoso com essa matéria. Se dermos um jeito de anular essa plasmina já será um grande passo. Hora de arregaçar as mangas.

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